COOPERAÇÃO REFORÇADA?
A Assembleia da República aprovou ontem o Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico com votos com votos do PS, PSD, BE e alguns deputados do CDS. O PCP absteve-se e vários deputados votaram contra.
Sem entrar na análise e discussão do Acordo Ortográfico propriamente dito, sobre o qual, de resto, já exprimi a minha posição neste blog, quero voltar ao tema da principal alteração introduzida por este Segundo Protocolo: a entrada em vigor do Acordo com o depósito da terceira ratificação.
Esta alteração é completamente despropositada num acordo que tem exactamente por objecto assegurar a unidade essencial da língua portuguesa por via da unificação da grafia. Pois não é verdade que ao admitir-se a entrada em vigor de um instrumento de direito internacional com um número mínimo de ratificações se está a abrir a porta à quebra daquela unidade, ainda por cima numa base jurídica?
É bom que se diga, nomeadamente para os leigos em questões jurídicas, que, num processo de conclusão de um tratado internacional, a assinatura do texto acordado pelos representantes dos Estados que participaram na negociação não implica para estes qualquer obrigação de ratificar. Nenhum Estado está obrigado a aprovar um tratado por o ter assinado. Nem tão pouco qualquer Estado fica obrigado a ratificar um tratado por o ter aprovado! A assinatura, salvo quando se trate de acordos em forma simplificada (que a nossa Constituição parece não admitir ou que só admitirá em limitadíssimos termos), apenas obriga a que os Estados signatários se comportem de acordo com as regras da boa fé. E, como num Estado democrático são internamente vários os intervenientes num processo de conclusão de um tratado internacional, não constitui comportamento contrário à boa fé o facto de o órgão encarregado da aprovação e/ou ratificação (no caso português AR e PR) não concordar com o órgão que participou na negociação (o Governo) e, portanto, denegar ou recusar aquela aprovação ou ratificação. Recorde-se, a título de exemplo, o que se passou com a Constituição Europeia, embora muitos outros pudessem ser invocados. Muito mais frequente é porém a situação de um Estado haver participado na negociação de um tratado, ter autenticado e firmado o texto e depois o próprio Governo nunca mais o submeter à aprovação e/ou ratificação dos órgãos competentes.
Tudo isto para dizer que nenhum dos Estados que participou na negociação do AO está obrigado a ratificá-lo. E a fazer fé nas informações que nos vão chegando é muito provável que Angola e Moçambique o não façam, bem como a Guiné-Bissau, posto que por razões diferentes. Não sabemos se isto vai acontecer, mas sabemos que pode acontecer. E se acontecer, o que se vai passar então? Para aqueles que estavam muito incomodados pelo facto de nas reuniões bilaterais Portugal-Brasil ser necessário fazer dois textos, um segundo a grafia de Portugal, outro segundo a grafia do Brasil (situação que vai manter-se, de resto!), vai ser interessante saber como se sentirão por essa mesma situação passar a ser corrente nas negociações com Angola ou com Moçambique.
E depois chama-se a isto cooperação reforçada! Francamente, não brinquem connosco! Nem nos venham dizer, como se faz no preâmbulo do Protocolo, que esta é a regra da CPLP! Sem tomar posição sobre tal regra, que semelhança existe entre o Acordo Ortográfico destinado a assegurar a unidade da língua e um vulgar acordo de cooperação do género daqueles que no seio da CPLP se costumam aprovar? Cooperação reforçada é um hipócrita eufemismo usado nas relações internacionais para obrigar os mais fracos a seguir a posição dos mais fortes. Só que as nossas luminárias governamentais e seus incondicionais apoiantes não perceberam que Angola não é a parte mais fraca…
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