É FREITAS UMA BOA ESCOLHA?
É difícil responder à pergunta. Freitas não é previsível.
De Freitas, eu sei que é oriundo de uma família da nomenkatura do Estado Novo, regime com o qual ele se identificou durante muito tempo. Primeiramente com Salazar, depois com Marcello, de quem era discípulo dilecto. Diz-se até – disse-o Mário Soares – que, na Universidade, colaborou na repressão aos estudantes. Nada que certamente o envergonhe, pois se os estudantes não respeitavam a lei, nem aceitavam a legitimidade das instituições que se poderia esperar de um admirador do regime de Sua Majestade Britânica e, muito particularmente, de Sir Winston Churchill, como ele próprio confessa na sua autobiografia? Será que a legitimidade da Rainha é menos questionável que a do Senhor almirante Américo Thomaz, que até foi eleito?
Depois veio o 25 de Abril, Freitas renegou Marcello e aderiu à Revolução. Fez parte do Conselho de Estado, interveio na feitura de muitas leis revolucionárias e esforçou-se por ser um dedicado servidor da causa democrática enquanto conselheiro. Marcello excomungou-o, embora injustamente. Que queria Marcello que Freitas fizesse? Que lhe ficasse eternamente fiel que nem um Veríssimo Serrão? Serrão trata do passado, Freitas é um homem do presente e queria ter futuro…
Entretanto, Freitas forma um partido defensor do “socialismo personalista” e com ele passa quase tranquilamente os meses que vão do 11 de Março ao 25 de Novembro. Quase, porque a extrema-esquerda não lhe permitiu concluir em paz o congresso do Porto, apesar de Cunhal, meses antes, tendo sido chamado pelas suas bases a pronunciar-se sobre a democraticidade do novo partido, ter dito que, pela leitura dos seus estatutos e pelas intervenções dos seus dirigentes, nada permitia concluir que se tratasse de um “partido fascista”, um partido do passado.
Ainda antes do 25 de Novembro, Freitas, muito pressionado pela ala direita do partido, não vota a Constituição, exactamente para, nas palavras de Lucas Pires, com esse gesto atestar a existência de liberdade em Portugal!
Após a tomada de posse do primeiro governo constitucional, Freitas faz oposição ao PS, embora por pouco tempo. Logo a seguir, negoceia com Soares uma coligação, e o seu partido passa a fazer parte do segundo governo constitucional. Mais uma vez, a ala direita do partido, insatisfeita com a criação do Serviço Nacional de Saúde e apoiante do lobby reaccionário dos médicos, capitaneados por Gentil Martins, pressiona Freitas para pôr termo à coligação. Freitas cede e o governo cai.
Durante o tempo que antecede a realização de novas eleições, Freitas negoceia com Sá Carneiro a Aliança Democrática, coligação eleitoral que sairá vitoriosa com maioria absoluta nas eleições seguintes. Freitas é então Vice-Primeiro ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros. Neste governo, Freitas faz um corte com o passado recente, e actua como um homem de direita, tanto no governo, como dirigente partidário. Apoia, juntamente com Sá Carneiro, contra Eanes, a candidatura de um general que durante o colonialismo havia dirigido um campo de concentração em Angola e que se apresenta ao eleitorado com um programa de calculadamente de direita, que a impreparação do candidato deixava a todo o momento resvalar para a extrema-direita.
Sá Carneiro a seguir morre num desastre de avião (que Freitas na noite do acidente assegurou ter sido devido a problemas técnicos) e o general perde as eleições. Freitas ainda admitiu poder chefiar o novo governo, mas o PSD cortou cerce tal veleidade impondo Balsemão. Depois seguiu-se um dos períodos mais tristes da democracia portuguesa: o governo era inoperante e incompetente. A coligação desfez-se e Freitas regressou à oposição, embora sempre disposto a participar se com ele alguém quisesse coligar-se. Desiludido, saiu da direcção do Partido, sendo substituído, primeiro, pela ala conservadora-salazarista e depois pelos recém-convertidos ao novo liberalismo reinante em Inglaterra e na América, e a seguir candidatou-se a Presidente da República, com o apoio explícito de teses da extrema-direita e com protecção pessoal de um conhecido bombista. Perdeu para Soares na segunda volta.
Deprimido e endividado ainda ensaiou um novo regresso, agora “rigorosamente ao centro”, mas acabou por ser afastado pelo populismo que, entretanto, tomara conta do “seu” partido.
Faz a travessia do deserto durante algum tempo. Cavaco, então Primeiro-ministro, ajuda-o a pagar as dívidas e Freitas recupera o ânimo e a confiança ao ser convidado para presidir à Assembleia Geral da ONU. Por Nova York se manteve durante mais de um ano. Regressa a Lisboa, despeitado por os americanos não terem minimamente reconhecido a importância do função que desempenhara e desfilia-se do partido, aparentemente por discordâncias em relação à política comunitária.
Com a chegada de Bush ao poder, acentua as críticas á política americana. Compara certas políticas de Bush às nazis, participa na manifestação contra a guerra do Iraque, como já anteriormente se havia manifestado contra a intervenção da Nato na Jugoslávia, e chega a ser citado por Cunhal.
Entretanto, após algum flirt com Guterres, apoia Barroso nas eleições contra Ferro Rodrigues, mas não esmorece nas críticas à política americana. Participa, de preferência com Soares, em várias sessões públicas de crítica e ataque aos neocons americanos.
Na Universidade, as suas Lições de Direito Administrativo são cada vez mais orientadas para a defesa dos direitos do cidadão e, tanto nas aulas, como nos diplomas legais em que participa, faz ampla pedagogia democrática. Mais do que muita gente do PS e mais até que alguns ex-comunistas.
E eis que chega Sócrates ao governo com maioria absoluta. Freitas, que o havia apoiado na campanha, para surpresa geral, é convidado para Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. Na condução da política externa nota-se, nesta sua nova versão, que algumas vezes actua como um out-sider, no melhor sentido do termo. Recua ligeiramente em relação à Administração Bush, sem prescindir das reservas de fundo. Na gestão burocrática do Ministério faz alguma contra-informação pela via de um assessor de imprensa especializado na matéria e nas práticas administrativas nem sempre age de acordo com os ensinamentos do seu manual. Ainda acalenta a esperança de ser candidato presidencial pelo PS, mas Soares antecipa-se e deixa-o sem hipóteses. Mantém reserva sobre o seu voto.
Entretanto, um arreliador e providencial mal de coluna vertebral ditou a sua exoneração, no preciso momento em que a questão dos voos da CIA começava a aquecer. Os atlantistas e especialmente a senhora Teresa de Sousa puderam dormir descansados, certos de que em Portugal não houve disso!
E, na Federação, como vai ser? De Freitas no futebol nada sei, a não ser da tal proposta para o torneio euro-árabe, que por incúria da nossa Federação e da UEFA nunca chegou a realizar-se…