“Portugal deve tomar decisões difíceis; todos temos que estar preparados para fazer sacrifícios, dizem. Todavia, quando dizem “todos” querem dizer “vocês”. Os sacrifícios são para a gente humilde”.
Quem disse isto foi Paul Krugman, referindo-se aos Estados Unidos. Mas se onde está escrito USA pusermos lá Portugal, o texto não perde qualquer sentido.
O programa de austeridade do Governo, do ponto de vista nacional, entendendo-se por nacional todos os que cá vivem, é ineficaz – não vai produzir nenhum dos efeitos que o justificam - e, além disso, é contraproducente – vai agravar ainda mais a situação da economia portuguesa.
Esta é uma conclusão que o tempo se encarregará de evidenciar, mas que pode com segurança ser antecipada com base nos exemplos (situações paralelas) que se conhecem.
Mas vamos admitir, por um momento, que o programa de austeridade não é imposto pela lógica neoliberal do sistema em que estamos inseridos, e que se justifica como decisão autónoma do Governo, com base na patriótica ideia de que é preciso equilibrar as contas públicas em três anos para salvar o país e assegurar o futuro dos portugueses.
E vamos ainda admitir, com base na situação que existe, que tal objectivo se alcança pelo efeito conjugado da diminuição das despesas e do aumento das receitas. Tendo presente as metas que o Governo se propõe alcançar em três anos, e tendo presente que o resultado previsto é sempre mais certo do lado da despesa do que do lado da receita, o que um governo preocupado com o bem-estar dos seus cidadãos faria seria o seguinte:
Em primeiro lugar, apresentaria um corte transversal em toda a despesa pública, com excepção dos salários dos funcionários e equiparados, de x% (percentagem a determinar), como verba economizável por via do combate ao desperdício, objectivo pelo qual seriam responsáveis os dirigentes dos serviços;
Em segundo lugar, renegociaria todas as parcerias público-privadas, aplicando-lhes de imediato um corte de 50% (verba que poderia, ao fim de três anos, ser ajustada para mais ou para menos, depois de feita uma avaliação independente dos investimentos efectuados, dos riscos assumidos e do que já foi pago desde que os contratos iniciaram a sua vigência);
Em terceiro lugar, um corte de 30% em todos os vencimentos do pessoal dirigente da função pública que aufira vencimentos superiores aos de director geral dos serviços da carreira geral, podendo sempre os visados optar por este último no caso de ser mais vantajoso;
Em quarto lugar, criação de um imposto excepcional sobre o sector financeiro, a estabelecer em função da verba que se pretenda arrecadar (admitindo-se, inclusive, a negociação, num prazo muito curto, entre os visados para a repartição entre eles da importância a pagar);
Em quinto lugar, criação de um imposto excepcional, nunca inferior a 30%, sobre os vencimentos auferidos pelos executivos das empresas públicas e equiparadas (entendendo-se por tal aquelas onde o Estado mantém participações sociais) e dos reformados com reformas de montante equivalente, devendo, neste caso, tal imposto duplicar (60%) para aqueles que, além de reformados, estão no activo em actividades empresariais dirigentes ou equivalentes;
Em sexto lugar, aumento de 1% do IVA e de 0,5% a quotização para a CGA.
Se o Governo fizesse isto ou algo parecido, talvez os portugueses pudessem utilizar a primeira pessoa do plural quando falam em sacrifícios. E então já o “emplumado” Nogueira Leite, ou o auto-atribuidor de reformas Mira Amaral, ou o titular de várias reformas e ordenados João Salgueiro, para apenas falar em alguns dos mais representativos, pudessem dizer que estavam a dar o seu contributo (embora pequeno) para o combate à crise.
Mas isto nunca acontecerá (por estes meios, só por outros), não apenas porque os Governos, como diz Krugman, sentem muito a dor dos ricos, quando estes têm de contribuir com uns míseros 3% ou 4% dos seus rendimentos seja em impostos seja em reduções salariais, mas porque o capitalismo é de sua natureza selvagem e predador. Logo, ataca os mais fracos. Essa ideia de que há um outro capitalismo, que alguns até chamam social e outros regulado, é uma história muito mal contada. Apenas o socialismo conseguiu domesticar, relativamente, o capitalismo. Sem socialismo, ele será sempre selvagem e cada vez mais até à derrota final!