quinta-feira, 30 de setembro de 2010

AUSTERIDADE ORÇAMENTAL













A VITÓRIA DO CAPITALISMO SELVAGEM

Portugal deve tomar decisões difíceis; todos temos que estar preparados para fazer sacrifícios, dizem. Todavia, quando dizem “todos” querem dizer “vocês”. Os sacrifícios são para a gente humilde”.
Quem disse isto foi Paul Krugman, referindo-se aos Estados Unidos. Mas se onde está escrito USA pusermos lá Portugal, o texto não perde qualquer sentido.
O programa de austeridade do Governo, do ponto de vista nacional, entendendo-se por nacional todos os que cá vivem, é ineficaz – não vai produzir nenhum dos efeitos que o justificam - e, além disso, é contraproducente – vai agravar ainda mais a situação da economia portuguesa.
Esta é uma conclusão que o tempo se encarregará de evidenciar, mas que pode com segurança ser antecipada com base nos exemplos (situações paralelas) que se conhecem.
Mas vamos admitir, por um momento, que o programa de austeridade não é imposto pela lógica neoliberal do sistema em que estamos inseridos, e que se justifica como decisão autónoma do Governo, com base na patriótica ideia de que é preciso equilibrar as contas públicas em três anos para salvar o país e assegurar o futuro dos portugueses.
E vamos ainda admitir, com base na situação que existe, que tal objectivo se alcança pelo efeito conjugado da diminuição das despesas e do aumento das receitas. Tendo presente as metas que o Governo se propõe alcançar em três anos, e tendo presente que o resultado previsto é sempre mais certo do lado da despesa do que do lado da receita, o que um governo preocupado com o bem-estar dos seus cidadãos faria seria o seguinte:
Em primeiro lugar, apresentaria um corte transversal em toda a despesa pública, com excepção dos salários dos funcionários e equiparados, de x% (percentagem a determinar), como verba economizável por via do combate ao desperdício, objectivo pelo qual seriam responsáveis os dirigentes dos serviços;
Em segundo lugar, renegociaria todas as parcerias público-privadas, aplicando-lhes de imediato um corte de 50% (verba que poderia, ao fim de três anos, ser ajustada para mais ou para menos, depois de feita uma avaliação independente dos investimentos efectuados, dos riscos assumidos e do que já foi pago desde que os contratos iniciaram a sua vigência);
Em terceiro lugar, um corte de 30% em todos os vencimentos do pessoal dirigente da função pública que aufira vencimentos superiores aos de director geral dos serviços da carreira geral, podendo sempre os visados optar por este último no caso de ser mais vantajoso;
Em quarto lugar, criação de um imposto excepcional sobre o sector financeiro, a estabelecer em função da verba que se pretenda arrecadar (admitindo-se, inclusive, a negociação, num prazo muito curto, entre os visados para a repartição entre eles da importância a pagar);
Em quinto lugar, criação de um imposto excepcional, nunca inferior a 30%, sobre os vencimentos auferidos pelos executivos das empresas públicas e equiparadas (entendendo-se por tal aquelas onde o Estado mantém participações sociais) e dos reformados com reformas de montante equivalente, devendo, neste caso, tal imposto duplicar (60%) para aqueles que, além de reformados, estão no activo em actividades empresariais dirigentes ou equivalentes;
Em sexto lugar, aumento de 1% do IVA e de 0,5% a quotização para a CGA.
Se o Governo fizesse isto ou algo parecido, talvez os portugueses pudessem utilizar a primeira pessoa do plural quando falam em sacrifícios. E então já o “emplumado” Nogueira Leite, ou o auto-atribuidor de reformas Mira Amaral, ou o titular de várias reformas e ordenados João Salgueiro, para apenas falar em alguns dos mais representativos, pudessem dizer que estavam a dar o seu contributo (embora pequeno) para o combate à crise.
Mas isto nunca acontecerá (por estes meios, só por outros), não apenas porque os Governos, como diz Krugman, sentem muito a dor dos ricos, quando estes têm de contribuir com uns míseros 3% ou 4% dos seus rendimentos seja em impostos seja em reduções salariais, mas porque o capitalismo é de sua natureza selvagem e predador. Logo, ataca os mais fracos. Essa ideia de que há um outro capitalismo, que alguns até chamam social e outros regulado, é uma história muito mal contada. Apenas o socialismo conseguiu domesticar, relativamente, o capitalismo. Sem socialismo, ele será sempre selvagem e cada vez mais até à derrota final!
ADITAMENTO
Por manifesto esquecimento não inclui, nas medidas imediatas, de aumento das receitas e, simultaneamente, corte nas despesas, a venda imediata do submarino pelo melhor preço. Como qualquer pessoa compreenderá, será um excelente negócio qualquer que seja a perspectiva em que se encare, inclusive para os que já receberam as comissões milionárias. A venda é um excelente negócio...porque o que se receber é tudo lucro. É menos esse que deixa de se pagar mais as despesas associadas que anualmente deixam de se fazer.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

A ORDEM ECONÓMICA EUROPEIA




O QUE SE ESTÁ CONSTRUINDO

Há quem afirme que a União Europeia deu nestes últimos tempos passos decisivos para a construção de uma ordem económica europeia. É verdade. A União Europeia, pelo menos desde Maastricht, tem nos seus documentos fundadores a ordem económica que pretende construir, e está, desde que eclodiu a crise financeira, mas mais intensamente neste último ano, tomando as medidas necessárias para consolidar a ditadura dos mercados, como o verdadeiro governo da União.
Actuando subordinadamente aos mercados que, mancomunados com as agências de rating, ditam o destino dos países em crise, a União Europeia cavalga a onda neoliberal e lá onde os mercados exercem a sua função predadora junta-se eles para através da institucionalização de medidas punitivas de vária ordem agravar ainda mais a situação daqueles que hoje são vítimas indefesas da especulação financeira.
De facto, a União Europeia assenta a sua actuação em matéria financeira nas opções ideológicas que fundamentam o capitalismo neoliberal, fazendo passar por incontestadas verdades científicas o que de há mais reaccionário e socialmente perigoso no modelo que lhe serve de paradigma, a saber: que os mercados financeiros são eficientes e favorecem o crescimento económico, bem como na ideia de que a redução das despesas públicas induzirá necessariamente uma diminuição da dívida e um crescimento sustentado.
A experiência prova que nada disto é verdade. Prova que nem os mercados são eficientes como a actual crise desencadeada pela crise financeira claramente demonstrou, como prova também que o crescimento da dívida foi em grande medida resultante do aumento das despesas originado pela crise. E prova mais: prova que o cortes na despesa para redução, com prazos marcados – e muito curtos –, do défice levam à estagnação económica, se não mesmo à recessão, além de não impedirem o crescimento constante da dívida.
O que se passou em 2007 não foi uma consequência da desonestidade de alguns (muitos) nem mesmo devido à famosa “ausência de regulamentação”. O que se passou foi uma consequência inevitável do modo de funcionamento dos mercados financeiros que, assentando a sua actuação na irracionalidade especulativa, nunca podem ter, por definição, um modo de actuação semelhante ao dos mercados da economia real. Enquanto se não atacarem os mercados financeiros frontalmente naquilo que constitui a sua verdadeira essência nunca, na actual fase do capitalismo, se poderá viver ao abrigo de crises. Pelo contrário, elas serão cada vez mais frequentes e mais graves as suas consequências para camadas cada vez mais vastas da população.
Ora, a União Europeia funciona e regula para permitir a acção predadora dos mercados e não para a contrariar ou combater. Por isso, é verdade que se está a institucionalizar juridicamente a ordem económica neoliberal, a pretexto de se estar a regulamentar o governo económico da União. Esta ordem, pela premente necessidade que a si própria se impõe de assegurar uma constante valorização dos títulos em que se consubstancia, tende a desprezar os investimentos de longo prazo e a ter várias outras consequências perversas como é o caso dos altíssimos rendimentos dos “gestores” de títulos e da constante pressão sobre os salários para os reduzir ao mínimo politico-económicamente possível.
Sem prejuízo dos excessos que possa ter havido num ou noutro país em matéria de despesa pública, em consequência de opções políticas condenáveis, a verdade é que em 2007, na zona euro, o défice era de 0,6% do PIB e a dívida de 66%; em 2010 o défice passou para 7% e a dívida para 84%. E este aumento deveu-se à crise financeira. E são, como se sabe, esses mesmos causadores da crise financeira que agora exigem, de quem os financiou de graça, juros cada vez mais elevados e prazos cada vez mais curtos para restabelecer os equilíbrios. Mas é ainda preciso que se diga que o aumento da dívida nos anos anteriores à crise não resultou na maior parte dos países de um aumento das despesa pública, mas da diminuição das receitas, que é outra das ideias mestra da ordem liberal vigente: não tributar ou tributar muito moderadamente os lucros e os altos rendimentos. Por outro lado, a ausência de harmonização fiscal no interior da União Europeia leva a uma verdadeira concorrência fiscal entre os Estados para captar investimentos que, por seu turno, gera necessariamente uma diminuição da receita pública, quando não conduz mesmo à concessão de benefícios e subsídios que simultaneamente agravam a despesa e a receita, sem que tal aumento da despesa tenha algo a ver, como frequentemente se faz crer, com o aumento dos gastos sociais.
Finalmente, e muito mais haveria a dizer, a prova mais escandalosa da ordem neoliberal que a União Europeia está a institucionalizar, nomeadamente na zona euro, resulta da incapacidade de a própria União prestar auxílio aos países em crise, impedindo o Banco Central Europeu de os financiar, atirando-os assim para as garras dos predadores financeiros, mas simultaneamente permitindo que esse mesmo BCE financie praticamente de graça aqueles que agora usam esse mesmo dinheiro para financiar a preços especulativos os Estados em dificuldade.
O fundo de resgate europeu criado a propósito da “crise grega”, depois de os predadores já terem quase devorado o país, com a complacência ou até com o apoio da União Europeia, além de não passar de um paliativo, é ele próprio um instrumento da institucionalização dessa ordem económica neoliberal. Basta ver o condicionalismo que rodeia a sua utilização para logo se perceber que não é por aquele meio que os Estados em crise vão encontrar uma porta de saída para as suas dificuldades.

A SERIEDADE E A MALANDRAGEM



AINDA A PROPÓSITO DO ORÇAMENTO

Quando há dias, a propósito da dívida e do défice, se falava aqui da malandragem, deixando muito pouco espaço para o malandro que “na dureza, senta à mesa do café, bebe um gole de cachaça…”, que tanto incomoda o Portas por estar a receber o Rendimento Social de Inserção, e se focalizava a atenção “no malandro com retrato na coluna social”, que vota as suas próprias reformas milionárias, que acumula diversas reformas dando qualquer uma delas para pagar a mais de cem reformados com a pensão mínima, que além disso ainda aufere um milionário ordenado numa empresa privada para onde se passou depois de ter exercido funções ministeriais ou equivalentes em áreas nevrálgicas (e nevrálgicas são as que têm dinheiro, muito dinheiro…), tinha-se consciência que o “malandro português” não se conforma em ser um “malandro com gravata e capital”, quer muito mais, quer ditar regras de conduta a quem governa e exige cortes brutais ou selvagens na despesa social, que acode a quem mais necessita, para deixar incólumes os rendimentos que ainda podiam e deviam ser onerados com mais impostos.
Basta ouvir os noticiários de hoje, e escutar os comentários daqueles que, a propósito do próximo orçamento e das palavras ontem proferidas pelo Secretário-geral da OCDE, exigem cortes na despesa social e rejeitam com agressividade qualquer aumento de impostos, para de imediato se perceber a distância que separa os seus autores daqueles outros que, como Ramalho Eanes, teceram considerações sensatas sobre as responsabilidades pela situação actual. É distância que separa a malandragem da seriedade.
Não se cita Ramalho Eanes para o erigir em paradigma da honestidade pública. Cita-se Ramalho Eanes, independentemente de com ele se concordar ou não politicamente, porque é um homem sério, apesar de ter exercido relevantes funções políticas.

ORÇAMENTO PARA APLACAR OS PREDADORES


O PAPEL DE TEIXEIRA DOS SANTOS

Há vários jogos em curso a propósito do próximo Orçamento de Estado. E há quem fale a sério, com convicção e sem convicção.
Os jogos mais evidentes são os eleitorais. Cavaco em campanha intensa há várias semanas - ao que se diz sem grandes resultados práticos, já que as sondagens estão longe de lhe garantir uma vitória indiscutível à primeira volta – quer tudo menos uma crise política resultante da não aprovação do orçamento. Apesar de entre o hipotético “chumbo do orçamento” e a eleição presidencial decorrer um período relativamente curto de tempo, seria muito provável que a situação criada pelo voto contrário do PSD o afectasse eleitoralmente. Se porventura, mesmo assim fosse reeleito, iria sofrer uma enorme pressão para ser ele a governar, em virtude da inexistência (de facto) de um governo em funções. Só que deparar-se-ia com o mesmo problema que existiria à data da reeleição: também ele não teria quaisquer condições para viabilizar um orçamento. Teria de esperar pelo tempo constitucional necessário para dissolver o Parlamento, marcar eleições e aguardar que o resultado das legislativas lhe fosse favorável. Se porventura não fosse, Cavaco acabaria nesse dia.
Cavaco não é homem para correr riscos que não controle (apesar de os riscos por definição não serem completamente controláveis), portanto o mais provável é que Cavaco faça o que estiver ao seu alcance para que o PSD viabilize o orçamento, de preferência nas condições que também ele, Cavaco, defende: cortes nas despesas sociais.
Mas também há jogo eleitoral do PS e do PSD. O PS tenta imputar ao PSD a responsabilidade pela não aprovação do Orçamento para daí retirar vantagens eleitorais; e o PSD tenta fazer exactamente o contrário, dando a entender que é a intransigência do PS que o impede de chegar a acordo.
É claro que tanto o PS como o PSD estão a brincar com o fogo, porque a crise política que daí resultaria seria acompanhada de um agravamento brutal da crise económica com consequências muito difíceis de prever, mas que seguramente colocaria os portugueses numa situação impar desde o 25 de Abril.
No meio desta enorme confusão há também quem esteja falando a sério, com convicção e sem convicção. Há quem esteja plenamente convencido que a aprovação de um Orçamento que aponte para as metas exigidas por Bruxelas faria cessar a fúria predadora dos mercados e permitiria encetar a via da recuperação. E há também quem já não acredite em nada disto (os de feição agnóstica), mas entenda que sem Orçamento aprovado tudo seria pior, logo é necessário aprová-lo.
O mais grave desta história é que mesmo os agnósticos abdicaram completamente de pensar e não se vislumbra neles uma qualquer estratégia capaz de inverter a actual situação.
Como aqui tem sido dito vezes sem conta, a actual situação não tem qualquer saída no contexto cada vez mais restritivo e punitivo em que está inserida a economia portuguesa.
Para se ficar com uma ideia do que se está a “cozinhar” em Bruxelas, a propósito daquilo que alguns idiotas chamam o “governo económico” da União (sim, só pode ser idiota a vítima que de braço dado com o algoz acredita que as medidas que vai votar favoravelmente foram pensadas para assegurar a sua salvação), basta atentar no seguinte: está constituído um Grupo de Trabalho formado pelos 27 Ministros da Economia e Finanças, a presidência do Conselho e os representantes das instituições económicas europeias que vai debater os documentos elaborados por um grupo de “peritos” e pela Comissão Europeia destinados a “reforçar o Governo económico da União”.
Para se ficar igualmente com uma ideia da qualidade dos “peritos” chamados a elaborar os documentos, basta enunciar os três assuntos que dominarão o debate:
Primeiro, aplicar ao acompanhamento da divida pública o mesmo rigor que já está em curso para o acompanhamento do défice;
Segundo, criar um amplo sistema de sanções para as infracções ao eufemísticamente chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento;
Terceiro, estabelecer procedimentos para a aplicação de multas para os desequilíbrios macroeconómicos semelhantes aos vigentes para o défice excessivo.
Entre as sanções estão previstos depósitos compulsivos não remunerados de uma certa percentagem do PIB, sanções algumas delas de aplicação automática e outras denominadas de reputação que, no fundo, se traduzem no envio de missões externas ao país faltoso para exame das suas contas.
Deixar estas questões nas mãos de Teixeira dos Santos – o tal membro do Governo com o qual o PSD quer negociar – mais do que uma irresponsabilidade é um verdadeiro atentado à dignidade nacional, entendida esta como a dignidade que cada um de nós tem o direito de defender quando está em causa a sua honra e reputação. De facto, independentemente do juízo político que a pessoa em causa mereça - e de que abaixo se falará -, um assunto desta dimensão institucional não pode ficar nas mãos de um “técnico de finanças”.
O que está em curso na União Europeia e que noutro post merecerá uma análise mais serena, mas não menos contundente, é uma verdadeira subversão civilizacional. E francamente não parece que Teixeira dos Santos, pelas prestações que tem tido no Parlamento, esteja à altura deste enorme desafio. O Ministro das Finanças parece um homem perdido, aturdido pelas mil e uma exigências que lhe caem diariamente em cima, já sem qualquer capacidade de distanciamento relativamente aos problemas que tem de enfrentar. Vê-os de muito perto; e a natureza do que está em jogo exigiria alguém que soubesse ver esses problemas de longe e de cima…
Mas não é por Teixeira dos Santos já estar com imensas dificuldades para tratar com lucidez destes assuntos que a sua presença decisória no grupo de Trabalho é contestada. É por razões bem mais profundas de natureza institucional. Esta questão tem de ser debatida no Parlamento nacional, única entidade que pode assumir a responsabilidade de conceder ao governo um mandato imperativo.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A DÍVIDA E O DÉFICE


O CAMINHO ERRADO

Os portugueses verdadeiramente ainda não acordaram para o problema da dívida e do défice. Têm ouvido falar em austeridade, já começaram a fazer mais descontos para o IRS, mas simultaneamente ouvem o PSD e o CDS dizer que não aceitarão mais impostos. E como para quem não está desempregado os impostos são as medidas que mais doem, os portugueses com emprego vão supondo, nas contas que vão antecipando, que o ano que vem não será muito diferente do que está a correr.
De facto, estão redondamente enganados. Estão enganados, inclusive, sobre o que possa ainda passar-se este ano, quanto mais no que respeita ao ano que vem.
Escaramuças à parte, o PS e o PSD (e também o CDS, se o chamassem, como Portas já sugeriu) preparam-se para seguir à risca as imposições de Bruxelas e satisfazer todas as exigências dos predadores financeiros. E seguir à risca as imposições e as exigências de uns e de outros significa uma mudança radical no tipo de vida dos portugueses não desempregados, decorrente das medidas brutais que vão ser impostas (por este Governo ou outro), mas também significa necessariamente mais desemprego.
Os mais penalizados, directa ou indirectamente, por estas medidas que apontam para cortes, num curto espaço de tempo, de milhares de milhões de euros, vão ser, como de costume, os que menos têm, mas também não deixarão de se reflectir naqueles que se situam imediatamente a seguir e um pouco mais acima. De fora, apenas ficarão, como é hábito, os que mais têm.
O problema que desta vez se põe relativamente a outras situações de emergência nacional sempre resolvidas à custa dos mais numerosos, ou seja, dos que menos têm, é que as medidas que vão ser postas em prática não resolverão absolutamente nada e, pelo contrário, agravarão ainda mais a situação.
Por outras palavras, o problema do défice e da dívida no contexto em que estão inseridos não têm solução. O país não vai gerar rendimentos para pagar a dívida, porque não cresce – e vai crescer ainda menos ou mesmo decrescer – e mais tarde ou mais cedo vai chegar-se a uma situação de incumprimento. Entretanto, imensas somas de dinheiro continuarão a ser transferidas para os predadores financeiros, sem que daí resulte qualquer vantagem (a não ser para eles) para a economia nacional.
O que se passa com Portugal, passa-se com a Grécia, a Irlanda e a Espanha. Como no seio da União Europeia não há a menor predisposição para encarar com realismo o que está a acontecer e apenas se raciocina na base da coerção, como se as leis económicas pudessem ser “domadas” pelo receio das sanções ou mesmo pela imposição das ditas, não se pode esperar da União uma via de solução que, atendendo ao problema de alguns, possa ser, a prazo, do interesse de todos.
Assim sendo, e tendo sempre presente que o actual caminho, aqui sintetizado nas imposições de Bruxelas e exigências dos predadores, não leva a qualquer solução, por muito que os governantes se esforcem por fazer crer o contrário, a única saída possível para o problema assenta numa posição de força dos devedores. Algo como: “Assim, não pagamos!”, de modo a forçar uma solução alternativa com saídas credíveis, socialmente aceeitáveis.
Hoje, o peso na União Europeia (e até, reflexamente, no mundo) da posição dos quatro devedores em dificuldades acima referidos já é considerável e suficientemente forte para fazer ruir muita coisa.
Claro que esta solução, apesar de ser a única viável, não deixa de ser paradoxalmente utópica, porque nenhum dos quatro Estados referidos aceitaria protagonizá-la, como aliás já não aceitaram tornar ostensiva qualquer manifestação de solidariedade no momento em que eclodiu a crise da dívida da Grécia. Pelo contrário, o que todos então (e depois) procuraram dizer foi que a situação de cada um deles nada tinha a ver com a da Grécia. E apesar de já estarem a sofrer as consequências desta atitude, continuam mais insolidários do que nunca.
A Espanha vai a Wall Street reunir-se com os predadores para os tentar convencer de que continuará a fazer “direitinho” tudo o que lhe for exigido, sem a mínima preocupação com as centenas de trabalhadores que diariamente manda para o desemprego. A Irlanda, a viver uma situação verdadeiramente catastrófic, com um défice que este ano pode atingir os 20% do PIB, apesar de ter realizado cortes absolutamente brutais na despesa (com as consequências que estão à vista: duplicação do défice), continua a acreditar que mais dia, menos dia, os predadores virão em seu auxílio e que, como por magia, se repetirá o passado, em que ela própria agia e actuava como predadora em pareceria com os demais. A Grécia, embora lutando na rua contra os predadores, no fundo, acredita que mais ano menos ano os voltará a enganar, pelo que o mais prudente será não alinhar em soluções radicais. Finalmente, Portugal, sempre convencido, como o cordeirinho da fábula, que se for “bonzinho” e bem-comportado, acabarão por olhar para ele de uma maneira diferente dos outros, tudo tentará para se manter alinhado e cumpridor, por mais negativos que sejam os resultados desta opção.
E francamente também não se vê que o povo possa inverter o rumo da situação. Obviamente, há sempre uma solução à Salazar: défice zero, ou até com superávide, saúde zero, ensino com taxas de analfabetismo altíssimas, segurança social zero …e crescimento, em vinte anos, igualmente zero!
Para evitar mal-entendidos, o facto de se afirmar que as medidas impostas não levam a nada não significa que se contemporize com a “malandragem” reinante, intimamente associada ao aumento constante da defesa pública, nem com o endividamento privado muito acima dos rendimentos de quem o contraiu. Significa apenas que, face à situação de facto a que se chegou, o caminho preconizado não leva a qualquer solução. Mas significa também, não obstante a “malandragem”, que a situação a que se chegou é uma consequência inelutável do modo como está estruturada a União Europeia, nomeadamente a zona euro, numa fase de grande ascensão dos países emergentes no comércio mundial.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

NOTAS SOLTAS


QUAL DELAS A MAIS SOLTA

O Público online fez 15 anos e convidou os leitores a falar com os políticos. Defensor Moura, candidato a Belém, não encontrou tema mais aliciante para a sua campanha do que dizer: “Na Presidência vou replicar essa minha predisposição para defender os direitos dos animais”. Não há nada como a força das convicções!
Passos Coelho, no mesmo exercício, é de opinião que “Estado social pressupõe igualdade de oportunidades”. Isto tanto pode querer dizer o que parece como exactamente o contrário do que parece. Não há dúvida, que já o aconselharam a nunca mais citar de frente o Estado social; agora anda ver se o pega de cernelha. Se Defensor Moura for Presidente acabam-se as pegas, de caras ou de lado…
Carrilho diz que foi Sócrates que o demitiu e que a movimento diplomático não aconteceu como foi anunciado pelo MNE em Abril. Não seria pedir de mais a Luis Amado exigir-lhe que em Abril já soubesse o que iria acontecer em Setembro? Se Carrilho tivesse perguntado a quem sabe estaria certamente mais bem informado…
O PS parece que já formalizou a composição do grupo de trabalho que, sob a coordenação de Silva Pereira e de Vitalino Canas, se vai ocupar da Revisão Constitucional. Só lá falta o Vitorino, mesmo assim é cada vez mais provável que venha a acontecer o que aqui já se predisse.
Finalmente, o Juiz de Aveiro, do Processo Face Oculta, quer que o PGR lhe remeta os despachos sobre as comunicações interceptadas entre Vara e Sócrates. Como resposta, a mesma deculpa de sempre. Ou seja, porque os redigiu como não devia transforma-se em secreto o que legalmente é público. Assim vão as coisas na casa do guardião da legalidade democrática…

A PROPÓSITO DA DÍVIDA


APENAS UM EXEMPLO

Num dia em que toda a gente discute a dívida e em que os juros atingiram um máximo histórico, dei comigo a observar a frota automóvel numa rua do centro de Lisboa, perto do El Corte Ingles. Quem conhece bem a Europa Ocidental ou outros países ricos noutras partes do mundo não pode deixar de ficar espantado com a qualidade da frota automóvel que circula em certas ruas de Lisboa ou na auto-estrada para o Algarve aos fins-de-semana. Os carros da gama alta e da média alta são mais que muitos.
Num país com tão poucos altos rendimentos declarados não deixa de causar uma grande apreensão esta profunda divergência entre os sinais exteriores de riqueza e os rendimentos declarados de quem os exibe, com a agravante de todos eles onerarem – e de que maneira – a dívida externa do país.
Ainda há dias um jornal trazia uma entrevista com um gerente da empresa representante (e presumo que importadora) de uma famosa marca italiana de automóveis dizendo que este ano se tinha batido o record das vendas.
Certamente não se enganará muito quem disser que esta magnífica frota automóvel que circula em Portugal tem três principais proveniências: uma parte, provavelmente a mais pequena, é fruto de actividades lícitas; outra, resulta do crime organizado, principalmente do narcotráfico e do contrabando de armas; e a terceira, seguramente a maior, de rendimentos provenientes do furto ou roubo ou o que se quiser chamar-lhe feito ao Estado, directa ou indirectamente.
Não ponho esta última categoria no item do crime organizado, em primeiro lugar, porque, em muitos casos, os comportamentos que geram tais rendimentos estão "legalizados" por actos em que o próprio Estado participa e depois, porque, nos demais casos, os detentores de tais rendimentos auferem-nos com um tal habitualidade e tranquilidade e uma tão completa ausência de sentido da sua punibilidade que só mesmo se apercebem de que a actividade a que se dedicam é criminosa quando são confrontados com a acusação e respectiva condenação num processo-crime – o que é de facto tão raro que não há prevenção especial ou geral que a partir de tais exemplos dissuada comportamentos futuros semelhantes.
O mais grave é que os portugueses ainda não se aperceberam que depois alguém vai ter de pagar estes “furtos” directos e indirectos feitos ao Estado. E nem sequer se apercebem aqueles a quem enviam, mensal e anualmente, para casa, a factura para pagamento.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A PROPÓSITO DO TEA PARTY


UMA IDEIA QUE VEM DE LONGE

Causou compreensível apreensão a vitória nas primárias americanas de vários elementos do Tea Party em estados onde, habitualmente, o tipo de discurso usado pelos candidatos daquele movimento têm pouca penetração. Para além dos efeitos imediatos do movimento nas próximas eleições de 4 de Novembro e da vantagem inesperada que ele poderá trazer aos democratas, que admitem ter mais facilidade de vencer contra adversários ultra-conservadores do que contra o habitual (das últimas três décadas) establishment do Partido Republicano, interessa dizer que a ideia base deste movimento - significativamente chamado Tea Party, em homenagem aos colonos americanos que no século XVIII se insurgiram em Boston contra as consequências do Tea Act aprovado pelo Império Britânico -, a luta contra o Estado, está longe de ser original na história do pensamento político ocidental.
Pode mesmo dizer-se que a história do pensamento político ocidental está muito marcada pela visão positiva ou negativa que se tem do Estado. O fim do Estado, a questão de saber se o Estado deve acabar, depende da visão positiva ou negativa que se tenha acerca da sua existência.
Este problema, do fim do Estado, não se confunde com aquilo a que vulgarmente se chama a crise do Estado. A crise do Estado, qualquer que seja a perspectiva de que se parte, tem a ver com a incapacidade do Estado, de um certo tipo de Estado, seja ele o Estado socialista, ou o Estado capitalista, ou até o Estado social, para responder eficazmente às tarefas que se propõe realizar.
Já a extinção do Estado, saber se o Estado deve ou não acabar, é uma questão que está, como se disse, estritamente ligada, ao juízo negativo ou positivo que sobre ele se tenha. Todavia, a visão negativa do Estado não implica necessariamente a defesa do fim do Estado. Ela é conciliável com uma ideia de Estado como um mal necessário.
Assim, ao lado da visão positiva do Estado, há uma visão negativa, que compreende duas versões: o Estado como um mal necessário e o Estado como um mal não necessário.
A visão positiva remonta a Aristóteles, depois retomada pela filosofia escolástica, para quem a polis tem por função tornar possível uma vida feliz, mas culmina na concepção racional do Estado que vai de Hobbes a Hegel, passando obviamente por Rousseau. O Estado é um imperativo da razão porque fora dele o que existe é o estado de natureza, o “mundo das paixões desenfreadas e dos interesses antagónicos e inconciliáveis”.
É no quadro da visão positiva do Estado que se discute e aprofunda a “república ideal”, que tem sempre como pressuposto a ideia de que o Estado que existe em cada momento histórico é um Estado imperfeito.
Do lado oposto, as mais conhecidas doutrinas que, tendo uma visão negativa do Estado, defendem a sua extinção – um mal não necessário – são a marxista, principalmente Engels, e a anarquista, assentando a primeira na ideia de que, sendo o Estado fruto da divisão da sociedade em classes, de modo a permitir o domínio de uma classe por outra, deixará de se justificar, por desnecessário, numa sociedade sem classes, estágio supremo do comunismo; a segunda, a anarquista, funda-se numa ideia libertária contrária a toda a forma de autoridade e coerção, sonhada possível numa sociedade sem leis, assente na espontânea cooperação de todos os indivíduos.
Já a concepção negativa do Estado como um mal necessário tem raízes muito antigas no pensamento político ocidental. Historicamente, o contraponto ao Estado, disputando-lhe a primazia, é a Igreja e a sociedade civil.
O primitivo pensamento cristão, passando por Santo Agostinho e Santo Isidoro de Sevilha e mais tarde retomado por Lutero, na sua luta contra a acomodação da Igreja e o exercício do poder temporal, encara o Estado como um mal que não pode dispensar, já que é necessário, pelo medo, pôr ordem e freio na massa “perversa” dos homens. O Estado é um “remedium peccati”. Acima do reino dos homens estará porém sempre o reino de Deus, a Cidade de Deus. O Estado não resolve, nem esgota as aspirações do Homem, acima dele está a Igreja, que dele se serve, apesar de imperfeito, para que o Homem possa alcançar o reino de Deus. O Estado é imperfeito, mas é preferível tê-lo a viver na anarquia e na desordem.
A outra concepção, a da prevalência da sociedade civil, estritamente ligada ao desenvolvimento da sociedade capitalista, assenta na ideia de que Estado é ditado pela perversidade humana, mantendo sob controlo os seus vícios e paixões, enquanto a sociedade civil promove a felicidade humana e cuida das suas necessidades. Desde Adam Smith, portanto, desde o desenvolvimento do pensamento liberal, que se vem reclamando para o Estado o desempenho de funções mínimas (a defesa externa e a ordem interna), com base no argumento de que o Estado é tanto melhor quanto menos funções desempenhar.
A verdade é que o Estado nesta configuração não é um mal necessário, mas um bem indispensável para os titulares dos interesses que mais se identificam com a defesa do Estado mínimo. Para os defensores desta tese é indispensável que o Estado proteja a propriedade com a configuração jurídica de que ela se reveste na sociedade capitalista, bem como seja ainda capaz, se o Estado tiver condições para impor uma lógica de domínio, que ele tenha externamente a força suficiente para assegurar a sua hegemonia. Trata-se de um Estado que, além de indispensável, nada tem de fraco, já que a dita sociedade civil em que ele assenta de forma alguma poderia passar sem ele. O que se pretende é que o Estado não intervenha em áreas onde a força muito desigual das partes em presença permite assegurar o domínio das economicamente mais fracas pelas mais fortes.
O Tea Party exacerba de certa maneira este ponto de vista, porque assentando numa ideia relativamente primária – o Estado, Washington, é a causa de todos os males, logo há que abatê-lo – aproxima-se de um anarquismo de direita, aparentemente libertário, mas na realidade bem coercivo relativamente aos emigrantes, aos que defendam valores contrários aos “valores americanos” e até na defesa de um puritanismo moral e religioso que sob alguns aspectos o aproxima dos movimentos religiosos fundamentalistas.
A grande diferença do Tea Party relativamente ao passado próximo é o facto de o seu populismo e primarismo doutrinal contrastarem com a actuação que, pelo menos desde há duas ou três décadas para cá, o Partido Republicano vinha imprimindo à vida política americana. De facto, esta actuação, assente numa doutrina – o neoconservadorismo – ideologicamente coerente, consolidou uma prática política internamente baseada no neoliberalismo e externamente na avaliação dos Estados da comunidade internacional em função do seu regime interno, atribuindo ao Estado americano naquele contexto um papel primordial na defesa do “bem”. O neoconservadorismo, tendo partido de uma crítica contundente e sistemática do New Deal e da Grande Sociedade e aproximando-se sob certos aspectos de alguns valores fundacionais da América, embora tenha defendido a redução do papel do Estado nas áreas que possam ser ocupadas pela iniciativa privada, nunca advogou uma “guerra” contra o Estado contanto que este se mantenha dentro funções que lhe são assinaladas, nem tão pouco filosoficamente pugnou pela ideia de um Estado fraco.
O populismo do Tea Party, que encontra fácil eco nas camadas mais incultas da sociedade americana – e muitas são –, é, porém, um projecto em pleno desenvolvimento, não sendo de descartar a hipótese de vir a permitir um rearranjo das forças políticas americanas, à semelhança do que está a acontecer em vários países da Europa, à volta de ideias racistas e xenófobas que, pressentindo a crise inevitável das sociedades ocidentais, pretendem constituir um último reduto contra o multiculturalismo, o relativismo filosófico, enfim, o pluralismo das modernas sociedades democráticas.
Constituindo de certa forma a globalização uma vitória das forças que têm uma visão negativa do Estado e que advogam uma generalizada diminuição do seu papel em tudo o que possa ser substituído pela sociedade civil - à letra “sociedade burguesa” -, reclamando uma liberdade incondicionada para a movimentação de capitais e de mercadorias, não deixa de ser paradoxal que uma das consequências dessa mesma globalização – a circulação de pessoas – constitua hoje, por toda a parte, a grande preocupação e grande alvo dessas mesmas forças, por a considerarem uma ameaça à matriz da sua civilização.
Mas isto também significa que “grandes vitórias”, não sendo necessariamente de Pirro, também nunca são aquilo que parecem ser. A vitória do capitalismo liberal de feição anglo-saxónica sobre o comunismo soviético longe de implantar uma ordem unidimensional sob a hegemonia da superpotência dominante e seus aliados possibilitou o aparecimento de uma ordem muito mais complexa onde as relações de poder, tanto as ostensivas como as ocultas, são muito mais difíceis de controlar, criando uma instabilidade permanente e tornando praticamente inoperantes os gigantescos potenciais bélicos como instrumentos de dissuasão e de retaliação.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A DEMISSÃO DE CARRILHO



CARRILHO NÃO COMPREENDEU AS FUNÇÕES DE EMBAIXADOR

Embora se trate de um assunto menor, de escassa relevância política, vale a pena fazer um ligeiro comentário à notícia que hoje alguns jornais chamam à primeira página: a demissão de Carrilho do posto de Embaixador de Portugal na Unesco, Paris.
O primeiro comentário que a notícia merece é o de que o MNE, uma vez mais, “ficou mal na fotografia”. Tendo havido uma divergência entre o Governo e o Embaixador (facto normal), a propósito da votação para Secretário Geral da Unesco do nome indicado por Portugal, o Embaixador depois de, em vão, ter tentado demover o Governo a mudar de opinião, recusou-se a votar no sentido indicado por Lisboa (facto muito grave), a ponto de ter sido substituído na votação por um funcionário diplomático ido propositadamente da capital para o efeito.
O Embaixador deveria ter sido imediatamente demitido, já que tal acto não é compaginável, em nenhuma parte do mundo, com as funções de embaixador.
O MNE, incompreensivelmente, contemporizou e aguardou vários meses por um movimento diplomático para demitir Carrilho, dando, ou tentando dar, ao facto um ar de normalidade. Ou seja, aparentemente o MNE incitou outros a actuarem como Carrilho. É, porém, muito provável que actuação do MNE seja bem mais pérfida do que parece: deixando ficar Carrilho a “cozer” em lume brando durante vários meses, é provável que o MNE tenha querido consolidar politicamente a ideia de que os “embaixadores políticos” são um perigo não mais devendo ser nomeados para qualquer posto, seja qual for a sua natureza.
Quaisquer que tenham sido as motivações do MNE, perfídia ou tibieza, é óbvio que o comportamento de Carrilho não tem desculpa. Por isso, qualquer tentativa de aproveitamento político da sua parte seria ridícula.

sábado, 18 de setembro de 2010

A CANDIDATURA DE PORTUGAL AO CONSELHO DE SEGURANÇA


O QUE PODE SER DECISIVO

Portugal concorre pela quarta vez a um lugar não permanente do Conselho de Segurança da ONU. Da primeira vez foi forçado a desistir, por entre a apresentação da candidatura e a votação, a ONU ter aprovado resoluções inequívocas sobre a descolonização, que retiravam à diplomacia salazarista qualquer hipótese de êxito e antes a confrontavam com uma mais que provável humilhação se teimasse manter a candidatura.

A segunda candidatura, apresentada depois do 25 de Abril, beneficiou do prestígio da Revolução, nomeadamente em matéria de descolonização e da instauração da nova ordem democrática, e coincidindo com um dos pontos mais baixos dos Estados Unidos, depois de Watergate e da derrota no Vietname, traduziu-se num mandato, entre 1979/80 que decorreu sem problemas para a diplomacia portuguesa.
A terceira candidatura apresentada durante o último governo Cavaco, já com Barroso como Ministro, e finalizada no governo Guterres, com Jaime Gama nas Necessidades, foi coroada de êxito. Com a Austrália e o Canadá como concorrentes, Portugal, salvo erro à segunda volta, acabou por ser eleito juntamente com o Canadá.
A quarta candidatura há muito lançada pelo Governo Guterres tem como concorrentes directos novamente o Canadá e a poderosa Alemanha. Trata-se de uma campanha muito difícil, já que a eleição vai-se decidir entre a Alemanha e Portugal, uma vez que não é crível que os Estados membros das Nações Unidas optem pela eleição de dois países europeus, além dos três que já lá estão como membros permanentes e ainda por o mandato dos agora eleitos coincidir parcialmente com o da Turquia que também é parcialmente um Estado europeu.
A diplomacia portuguesa acredita na especificidade da sua candidatura e nas vantagens, aos olhos da grande maioria dos Estados integrantes da ONU, que um país pequeno como Portugal pode trazer na discussão ou mesmo na decisão dos grandes temas da política internacional.
Infelizmente entre a retórica e os resultados da auto-avaliação interpõe-se, implacável, o peso dos factos. Pese embora a relativa independência de opinião e até de decisão de que Sócrates tem dado provas como Primeiro-Ministro em algumas questões de política internacional, com excepção dos temas tipicamente europeus, em que sempre tem alinhado na deriva intergovernamental que o Tratado de Lisboa de certo modo consagra, bem como nas posições defendidas pelos grandes países, nomeadamente em matéria económico-financeira, mesmo contra os interesses nacionais, a verdade é que a diplomacia portuguesa – a das Necessidades e a do Ministro – aponta, desde o exercício do último mandato no CS, para uma política de seguidismo acrítico dos Estados Unidos (foi assim nos Balcãs, no Iraque, no Afeganistão), em dois destes casos agravada pelo comprometimento da NATO, uma das vezes contra o direito internacional e noutra contra o seu próprio estatuto, e pior do que isso, na fase áurea subsequente à vitória na Guerra Fria, por um alinhamento sem reservas nas políticas neoliberais impostas aos países do Terceiro Mundo pelo fundamentalismo monetarista veiculado pelo FMI e dirigido pelos EUA e pelos grandes países europeus, UE incluída, tantas vezes contrárias aos próprios interesses nacionais e altamente prejudiciais para os países que a elas tiveram de sujeitar-se, como qualquer observador imparcial hoje concorda.
É este registo negativo, matizado aqui e além por posições um pouquinho mais distanciadas, mas quase sempre ambíguas (como no caso do conflito israelo-palestiniano), e por outras em que claramente a diplomacia portuguesa (por impulso de Sócrates) tem marcado pontos (como a realização da Cimeira UE-ÁFRICA contra a vontade de alguns dos principais países europeus, as relações com Chávez e com o Irão) que acabarão por ditar a sorte da eleição.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

BIOGRAFIA DE SALAZAR

UM PRIMEIRO APONTAMENTO

Saiu há cerca de três semanas a versão portuguesa da Biografia de Salazar, de Filipe Ribeiro Meneses, professor na Universidade da Irlanda, em Meynooth, perto de Dublin. Muito publicitada na imprensa, esta obra de muitas centenas de páginas tem como selo de qualidade o facto de se tratar da primeira biografia académica de Salazar. A vida e obra de Salazar já tinham sido objecto de várias biografias, algumas delas escritas por alguns dos seus mais fervorosos defensores, mas esta é de facto a primeira vez que, no âmbito universitário, é produzida uma obra biográfica sobre Salazar.
Em princípio, a chancela universitária assegura-lhe uma qualidade e um rigor que de outro modo, ou noutro contexto, poderiam faltar. Mas apenas em princípio, já que nada obsta a que obras produzidas fora desse enquadramento revelem grande qualidade e interesse, como é indiscutivelmente a obra de Franco Nogueira sobre o mesmo biografado, assim como nada garante que obras produzidas na universidade, sobre Salazar ou sobre o Estado Novo (para nos circunscrevermos ao tema em análise) tenham um reduzido interesse científico, como num outro post a publicar mais tarde, intitulado “As Vigarices da História”, teremos oportunidade de demonstrar a propósito de uma obra actualmente muito em voga.
A publicação da “Biografia de Salazar” por Ribeiro Meneses parece enquadrar-se nesse acrescido interesse que a figura e a acção política do ditador de Santa Comba Dão têm despertado nos últimos tempos, muito provavelmente nas gerações mais novas. Não será certamente alheio a este novel interesse do grande público a muito apregoada similitude entre a actual situação económico-financeira e a vivida pelo país nos fins da década de 20 do século passado.
Falámos propositadamente no “grande público” já que seria uma grande injustiça não referir a multiplicidade de estudos que sobre as políticas do Estado Novo, em todos os domínios, têm sido feitos, nas últimas duas, três décadas, nas universidades portuguesas, principalmente em Coimbra e em Lisboa.
Salazar passa por ser o mago das finanças e foi sem dúvida explorando politicamente esses alegados atributos, mercê de uma propaganda digna dos tempos modernos, embora levada a cabo por outros meios, que acabou por seduzir militares genericamente incultos e politicamente inexperientes. Os “méritos” de Salazar no controlo das contas públicas estão ao alcance de qualquer simples mortal, melhor dizendo: ao alcance da “dona de casa” tal como Salazar reaccionariamente a concebia (" a que sabe remendar, consertar, poupar…"), já que eles se circunscrevem ao condicionamento das despesas pelas receitas, ficando aquelas, se possível, aquém destas, sem qualquer tipo de preocupação social pelos cortes drasticamente impostos e sem que dessa contenção e equilíbrio resultassem uma inequívoca preocupação de crescimento com vista a, por via de um aumento dos rendimentos, compensar, no futuro, as restrições impostas no passado.
Isso nunca aconteceu durante os anos em que Salazar firmou o seu prestígio, entre 1928 e o fim da Segunda Guerra Mundial, apesar de ter governado sem respeito pelas liberdades e ter, portanto, estado ao abrigo de conflitos ostensivos, sempre severamente reprimidos como manifestações anti-patrióticas destruidoras da “unidade nacional”.
O único mérito de Salazar na fase ascensional da sua carreira foi sempre e só político. Desprovido ainda dos elementos de coerção que mais tarde lhe permitiram impor ditatorialmente a sua vontade, Salazar soube sempre cativar os militares – únicos detentores da força – para as suas políticas por mais brutais e impiedosas que elas, na altura, lhes parecessem.
A Biografia de Salazar, de Ribeiro Meneses, que não estou em condições, neste momento, de avaliar histórico-politicamente, por ainda não ter lido um número de páginas suficiente para fazer com relativa segurança uma ideia do conjunto, tem, todavia, um mérito que não pode, desde já, deixar de ser reconhecido. É o de contrariar alguns dos mitos mais arreigados do salazarismo, incessantemente propagandeados durante o Estado Novo, e em grande medida mantidos até hoje por historiadores e políticos conservadores a quem continua a convir manter sobre o exercício das funções políticas o pretenso paradigma salazarista.
Salazar, principalmente depois de licenciado, actuou sempre como um verdadeiro político profissional. Primeiro, candidatando-se a deputado pelo Centro Católico Português (CCP), em Viana do Castelo, Guimarães e Arganil, sempre com insucesso, com excepção de Guimarães por onde foi eleito. E não cumpriu o mandato, não por incapacidade de convivência com o parlamentarismo republicano, mas por a legislatura ter terminado precocemente em consequência da dissolução do Parlamento dias depois da reabertura das férias de Verão, em virtude dos funestos acontecimentos de Outubro de 1921, conhecidos pelo nome de “noite sangrenta”. Tanto assim que ainda sob o Regime Republicano voltou a candidatar-se, agora por Arganil, sendo derrotado.
Muito mais mitificada está ainda a primeira passagem de Salazar pelo Governo – a sua grande aspiração - depois do 28 de Maio de 1926. Também neste caso, o livro de Meneses desmonta, sem adjectivações excessivas, mas com rigor e sobriedade (apesar das inúmeras lacunas com que o historiador se defronta por falta de fontes, já uma consequência da severidade com que a censura se impunha à imprensa) a tese do sacrifício, da saúde frágil, enfim, do exercício contrariado das funções políticas apenas aceites pelo abnegado esforço de quem tudo suporta para servir a Pátria.
Salazar saiu do Ministério, por estranho que pareça, porque alguém lhe tomou o lugar, mas tudo fez para a ele regressar o mais rapidamente possível, primeiro, participando activamente na Comissão da Reforma Tributária e, depois, conspirando e atacando Sinel de Cordes na imprensa numa campanha bem sucedida de desqualificação do então Ministro das Finanças.
Daí até ser novamente chamado e a ganhar a simpatia de importantes sectores militares, que perfidamente adulava, foi um percurso que Salazar calcorreou com grande mestria política.
Igualmente desmistificado está também o “sapientíssimo mestre” que sacrificou uma já muito brilhante carreira académica para colocar a profundidade do seu saber ao serviço da Pátria em perigo. De facto, Salazar tendo sido um aluno brilhante, que terminou o curso com as mais altas classificações, nunca foi, na verdadeira acepção da palavra, um grande mestre coimbrão. Tendo acedido à regência da cadeira de Finanças Públicas por morte do lente em exercício, sem se ter submetido a qualquer exame e sem ter apresentado uma tese original – facto então inédito em Coimbra – foi somando os graus académicos subsequentes à licenciatura “administrativamente”. Salazar nunca foi um investigador: o “Ágio do ouro - a sua natureza e as suas causas” e a “Questão cerealífera: o trigo”, apresentados no concurso para assistente, são dois trabalhos que recorrem copiosamente a estatísticas e a muitos escritos já publicados em Portugal, sem conterem verdadeiramente nada de novo. Aliás, mais não seria então exigível para o exercício do lugar a que se destinavam.
Muito mais questionável é a qualificação que Meneses faz do primeiro governo de Salazar: um governo moderado, com alguns elementos “esquerdistas”. È claro que esta qualificação não passa de uma fantasia, por mais retórica que ela pretenda ser – e é – no contexto da narrativa em que se insere.
Certamente que havia nas Forças Armadas, principalmente no Exército, e nas forças civis que apoiavam a ditadura sectores muito radicais, próximos da extrema-direita ou com ela identificados, que gostariam de um governo abertamente mais à direita. Acontece que Salazar sendo já um político experiente e muito racional, de imediato percebeu que, não controlando ainda as forças de coerção do regime, e tendo certamente presente as inúmeras revoltas civis e militares que desde o 28 de Maio já tinham eclodido, havia que construir primeiramente o seu poder pessoal para depois o poder exercer livre das peias que agora o tolhiam.
Nenhum propósito de moderação o moveu: de facto, havia que lançar as bases jurídicas do regime, “meter” o Exército nos quartéis e preparar o exercício pessoal do poder.

O FUTEBOL NO SEU MELHOR

MADAÍL, EMPRESÁRIO E CONSULTOR CONVIDAM MOURINHO

Foi claramente contrariado que Madaíl despediu Queiroz. Interesses convergentes de diferentes ordens apontavam para a manutenção de Queiroz à frente da selecção. Laurentino Dias trocou-lhes as voltas. Quaisquer que tenham sido as suas razões – há quem duvide das aparentes -, Laurentino com o seu gesto criou um sério problema a Madaíl, a quem, depois de tudo o que aconteceu, não restava outra alternativa que a porta de saída. Outros, iguaizinhos a Madail, já estavam com a mão no trinco para entrar pela porta por onde ele presumivelmente iria sair.

Acontece que Madaíl é um sobrevivente: ele precisa da Federação, tanto quanto aqueles que o apoiam e que com ele, e por intermédio dele, fazem negócios. No preciso momento em que se estreitava a possibilidade de continuar, Madaíl faz a grande jogada de convidar esse misto de D. Sebastião e Messias Redentor que é José Mourinho para assumir a liderança da selecção.

Mas não fez só isso. Fez também questão de deixar o jogo completamente claro: levou o “empresário da selecção” e o “consultor da Federação”, ficando com estas duas presenças cobertos todos os interesses que gravitam à volta da selecção. Quem se atreve agora a contrariá-lo?

BRAVO, BARROSO!

SARKOZY TAL QUAL É

Sarkozy deportou ciganos, uma, duas, várias vezes. É uma vergonha para a França, é também uma vergonha para a UE, que tais factos tenham ocorrido sem a censura oficial de nenhum Estado europeu. Houve certamente muitas vozes contra desde as da oposição francesa às daqueles que por essa Europa fora criticaram duramente o ignominioso comportamento do governo francês. Mas não houve protestos oficiais, salvo os do Vaticano e da Comissária da Justiça da União Europeia, que muito justamente comparou o comportamento francês a outros ocorridos durante (e depois!) da II Guerra Mundial. Antes desta declaração da Comissária, já Barroso no Parlamento Europeu, sem referir expressamente a França, tinha censurado os comportamentos que violam o princípio da livre circulação de pessoas no interior da União Europeia e as próprias normas universais de protecção dos direitos do homem.

Aqui ao lado, em Espanha, o El País, sempre pronto criticar tudo o que seja português, foi de opinião que Barroso exprimiu uma frouxa censura sobre os eventos de França.

Sarkozy, essa caricatura de Napoleão, reagiu vivamente às palavras da Comissária. Primeiro, aconselhou o Luxemburgo (Estado de que a Comissária é nacional) a receber os ciganos que a França expulsa; e depois, chegou mesma a dizer que uma Comissária do Luxemburgo (!!!) não pode tratar assim um dos grandes Estados da União.

Por esta “peixeirada” de Sarkozy se percebe melhor o que é a União Europeia, hoje, para os “grandes países” da Europa.

Pois bem, no almoço do Conselho Europeu de ontem, Sarkozy voltou a insurgir-se contra o comportamento da Comissária e como se tratou de uma reunião à porta fechada não será difícil imaginar o que destemperado Presidente francês tenha dito. Acontece que Barroso, que já não precisa de Sarkozy para nada e certamente não esquecendo as múltiplas traições de que foi vítima no período que antecedeu a sua segunda eleição, fez-lhe frente, defendendo a Comissão e a Comissária.

Nesta Europa intergovernamental que nos condena aos predadores financeiros e ao financiamento das exportações alemãs pelos países endividados, bem podem os colegas de Sarkozy, incluindo o Primeiro Ministro espanhol, terem-lhe prestado o apoio formal por ele solicitado, que nem por isso o gesto de Barroso deixará de ser menos aplaudido por todos aqueles – e são muitos –que rejeitam o directório que hoje governa a UE.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A REVISÃO CONSTITUCIONAL E O ORÇAMENTO

O QUE PRETENDE O PSD

A confluência de forças e de interesses que conseguiu a eleição da actual liderança do PSD parece ter apostado na ideia de que para ganhar ao PS era necesário, por um lado, fazer uma demarcação ideológica clara e, por outro, que ela assentasse em alguém que aos olhos do eleitorado pudesse apresentar-se como credível para asim contrastar com a liderança do PS acossada por vários escândalos.

Do ponto de vista ideológico, as forças dominantes que se encontram por detrás da actual liderança não encontraram nada mais marcante do que a aposta clara numa via neoliberal como panaceia para todos os males de que o país padece.

Quanto à credibilidade, optaram por apoiar alguém que, estando desde tenra idade ligado ao partido e a ele tendo dedicado uma parte já considerável da sua vida, com sacrifício inclusive de uma carreira escolar feita na idade própria, pudesse, pelos seus limitados conhecimento, ser presa fácil de múltiplas influências que, noutro contexto, teriam muita maior dificuldade em se afirmar.

Acontece que a opção ideológica que melhor se quadra aos interesses directos e indirectos dessas “múltiplas influências” que estão por detrás da liderança do PSD – e que diariamente aparecem na televisão “a salvar Portugal” ou em manifestos dirigidos ao país - parece não constituir uma via do agrado da generalidade dos portugueses.

De facto, apresentar como prioridade política, em tempo de crise, uma revisão constitucional que tem como principal objectivo a diminuição da despesa pública à custa do aumento correspondente da despesa privada, para quem quiser continuar a usufuir dos mesmos serviços que hoje correm por conta do erário público, não parece, mesmo para as pessoas menos informadas, uma opção susceptível de colher grande apoio.

E ainda gozaria de menos se a generalidade das pessoas soubesse que este “generoso esforço patriótico” se destina a abrir novas áreas de negócio ao capital privado sem que daí resulte, macroeconomicamente falando, qualquer benefício para a economia nacional. Ou seja, se soubesse que se trata de encontrar mais umas tantas “áreas de refúgio” para um capital maioritariamente incapaz de concorrer com êxito na Europa e no mundo.

Colocado perante os resultados das sondagens, que registam uma considerável quebra, depois de um começo relativamente auspicioso, a nova liderança do PSD, hesitante entre as “novas e as velhas influências”, percebeu que a insistência no mesmo tema lhe acarretaria novas perdas, mas também não pôde deixar de compreender que a retirada pura e simples da sua “bandeira eleitoral” lhe acarretaria uma não menor perda de credibilidade, porventura definitiva, dentro e for a do partido.

Por isso, optou por uma jogada que pode parecer de risco, a quem está por fora e desconhece a personalidade dos restantes jogadores, mas que no fundo assenta que nem uma luva nas velhas estratégias do "Bloco Central", a qual consiste em fazer a “maquillage” possível da proposta original, para a tentar fazer passar por algo diferente daquilo que realmente é, e apresentá-la ( ao PS) como contrapartida da sua abstenção na votação do Orçamento.

Se os factos coincidissem com a vozes que para aí se ouvem, o PSD acabaria a falar sozinho e o problema estaria à partida resolvido. Mas há uma grande diferença entre as aparências e a realidade: o PSD não exigirá que se concorde com textos radicais da sua proposta, basta-lhe que o PS vá a jogo” e aceite, no essencial, como intempestivamente já o fez a Ministra da Cultura e outros antes dela, a ideia de que é preciso introduzir alterações no “Estado Social” tal como está regulado na Constituição.

O futuro dirá se se vão entender ou não, mas estando no Partido Socialista a revisão constitucional entregue a Silva Pereira e a Vitalino Canas estão à partida criadas as condições para que se assista a um “número típico” do PS: de um lado, as “vozes” dos que afirmam que o Estado Social é o último reduto da democracia. Do outro, os “actos” dos que não vêem alternativa à defesa do “interesse nacional”, consubstanciado na aprovação do Orçamento, que não seja a cedência possível às pretensões do PSD.

E assim se vai governando Portugal…

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A RECANDIDATURA DE CAVACO SILVA


OS PRESUPOSTOS DO NOVO “TABU”
É óbvio para toda a gente que Cavaco Silva se vai recandidatar.E também é evidente que Cavaco está em campanha eleitoral há muitas semanas. Mas já não é tão seguro, principalmente para Cavaco, que a vitória esteja garantida nos termos em que ele gostaria de a obter.
O actual Presidente da República gostaria de ser reeleito por uma votação tão expressiva como a dos seus dois últimos antecessores. Uma reeleição pela margem mínima, mesmo que ocorra à primeira volta, deixá-lo-ia numa posição relativamente desconfortável: não só não estaria em condições de atender às demandas de uma direita que não se cansa de apelar a um reforço da intervenção presidencial, como também não ganharia qualquer nova margem de manobra para lidar quer com o actual governo, quer com qualquer outro que o substituisse.
Por isso, Cavaco se esforça por reforçar a sua intervenção como candidato, disfarçada nas funções presidenciais, certo de que o estatuto de Presidente lhe confere uma importância que o de candidato não teria.
Cavaco justifica-se invocando prática seguida pelos dois últimos Presidentes. Mas não há analogia entre as duas situações: os dois últimos Presidentes, justa ou injustamente, concitaram uma relativa unanimidade no fim do primeiro mandato, tanto assim que a direita praticamente se absteve de concorrer e a esquerda apenas aproveitou o acto para umas tantas sessões de propaganda política. Nada disso se passa agora: Cavaco estava muito longe de ser consensual quando foi eleito e desde então até hoje nada progrediu nesse sentido, tendo, inclusive, em muitas fases do seu mandato reforçado, com a sua actuação, a distância que o separa de muitos eleitores, tanto à esquerda, como à direita.
Mas para além de todas estas razões de natureza táctica ou pragmática, há um claro pré-conceito ideológico de desvalorização da contenda eleitoral, como acto menor ou como mal necessário, por que o candidato tem de passar a contra-gosto para continuar a desempenhar as funções que hoje ocupa. O modo como Cavaco reage à crítica, o ar ofendido com que recebe, “enquanto Presidente”, os apelos ao voto numa candidatura rival, a sua atitude filosófica perante o conflito, enfim, a identificação da divergência com “falta de educação” , demonstram que Cavaco Silva está ainda muito longe de ter interiorizado em toda a sua imensão o conceito de democracia.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

CASA PIA: 16 TELEFONES É UM EXAGERO


MESMO PARA UM “COMUNICADOR”...

O atraso na entrega do acórdão está para o processo Casa Pia como as más arbitragens para os resultados do Benfica: deram algum alento aos condenados, mas não lhes garantem a absolvição. Tanto num caso como noutro, o resultado do que aconteceu é independente dos “faits divers” que acompanharam o acontecimento.
O acórdão da Casa Pia, na fundamentação das condenções, confirma aquilo que se esperava ele dissesse, por quem perceber minimamente do que está a falar.
Como frequentemente foi dito, o facto – as violações e outros abusos sexuais – poderia eventualmente ser provado por outros meios de prova (exames, perícias, etc.) que não a testemunhal – mas a imputação do facto ao agente, em princípio, neste tipo de crime, acaba sempre por se fazer pela via testemunhal, sendo aí decisiva na avaliação da prova a convicção que julgador vai formando com base nos vários depoimentos prestados na audiência de julgamento.
Se tiver dúvidas, absolve; se não tiver, condena.
A condenação não é menos convincente, nem menos segura, por não haver confissão, nem por não se basear em prova documental. Há muitos erros judiciários resultantes de condenações ou absolvições baseadas em provas documentais e há, obviamente, muitos mais decorrentes de condenações fundadas em confissões.
A fundamentação do acórdão é suficiente e bastante para justificar as condenações. Mas qualquer jurista minimamente informado sabe que há, neste caso, como em tantíssimos outros, não apenas no direito penal, mas noutros ramos do direito, decisões onde sempre está presente o “irredutível subjectivismo” de quem julga, impossível de evitar pela própria natureza da matéria de que se trata.
Portanto, é sempre possível dizer que a convicção de outro eventual julgador poderia não coincidir com a dos julgadores do Processo Casa Pia.
Discutível, muito mais discutível, é permitir a reforma da convicção de quem julgou e acompanhou – ao vivo – a produção da prova, por um tribunal de recurso, que, tendo acesso a toda a prova, com ela vá contactar de forma diferente daquela por que foi prestada.
Já sobre os múltiplos “faits divers” que acompanharam a investigação, a instrução e a audiência de julgamento, bem como os que ocorreram depois de proferidas as condenações (súmula, fundamentação, atraso na distribuição do acórdão) e a sua amplificação nos órgãos de comunicação social adrede solicitados para este efeito ou que eles próprios se prestaram a este resultado (como é o caso da RTP, informativamente ao sabor de um brando José Alberto Carvalho, dominado pela Sra. Dona “Primeira Dama” de Sintra e pela Sra Dona Campos Ferreira) será mais fácil concluir, por qualquer observador minimamente atento, que todos eles, objectivamente, visavam descredibilizar o processo junto da opinião pública por via da desonorabilidade das vítimas e de um dos acusados, da parcialidade dos magistrados, da politização do caso, enfim, de todos os meios que pudessem ser usados para o fim em vista.

sábado, 11 de setembro de 2010

ONZE DE SETEMBRO











OS REGISTOS DA HISTÓRIA

Onze de Setembro de 1973. Há trinta e sete anos as forças armadas chilenas derrubaram Salvador Allende, eleito democraticamente Presidente da República. Foi um rude golpe nas esperanças de todos aqueles que acreditaram que poderia haver uma via democrática para o socialismo. Depois de múltiplos boicotes e sabotagens, todavia insuficientes para afastar do poder Allende e a coligação socialista, a CIA e o Departamento de Estado, com o apoio da Casa Branca, organizaram, com um grupo golpistas das forças armadas chilenas, todos eles oficiais generais, um dos golpes mais mortíferos da segunda metade do século XX.
O terror e o neoliberalismo económico mais desenfreado dominaram o Chile durante dezassete anos. Afastado formalmente do poder, Pinochet continuou a tutelar o Chile, primeiro, durante oito anos, como mais alto responsável pelas forças armadas, depois como senador vitalício durante mais alguns anos. Só após o seu afastamento por alegados motivos de saúde a democracia foi realmente restabelecida e Pinochet afastado, sem que houvesse contudo força suficiente para o julgar, responsabilizando-o pelos inúmeros crimes que praticou ou patrocinou e até, soube-se depois, pelos furtos gigantescos (de ouro e dinheiro) com que lesou o Estado chileno. Apesar de acossado no estrangeiro, acabou por morrer na cama, tranquilamente, na sua terra!
O golpe chileno, para além da comoção que causou em todo o mundo democrático, esteve sempre presente na situação política portuguesa imediatamente anterior e posterior ao 25 de Abril, pairando como uma ameaça, muito mais activamente do que hoje se pode supor.
Percebia-se em finais de 73 que o marcelismo estava no fim. Percebiam-no os democratas e percebiam-no também os ultras do regime. Os democratas contavam com a força do povo e de algumas, poucas, forças políticas organizadas. Os ultras contavam com importantes apoios no seio das forças armadas. O exemplo que estes tinham em mente para repor o regime na ordem era o exemplo chileno. Felizmente, uma terceira força, emergente do interior das forças armadas, restabeleceu a democracia e tentou pôr o país no caminho do socialismo. Nesta caminhada, que regista grandes conquistas, mas também derrotas, o golpe de Pinochet pairou como uma ameaça permanentemente presente.
Onze de Setembro de 2001. As Twin Towers, símbolo maior do imperialismo americano, foram derrubadas numa operação suicida que acarretou a morte de milhares de civis inocentes. Pela primeira vez na sua história, os americanos sofreram a dor amarga de um ataque perpetrado no interior do seu território e ficaram a saber, depois desta trágica experiência, que não há diferenças entre as vítimas civis, situem-se elas em Nova York, no Afeganistão, no Iraque, no Vietname, em Dresden, em Hiroshima, em Nagasaki ou em qualquer outra parte do mundo.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O OCIDENTE EM CRISE


MANIFESTAÇÕES DA CRISE

O Ocidente está em crise. Esta é uma afirmação polémica em todas as suas componentes. Desde logo, o que é o Ocidente? E, depois, o que é a crise? Como se manifesta, por que parâmetros se afere, nas sociedades plurais? Por outro lado, a problemática da crise é uma questão recorrente nas civilizações. Ainda há pouco menos de cem anos Spengler dissertou longamente sobre a decadência do Ocidente. E todavia…
São temas complexos, sem resposta simples, que não vamos abordar aqui. Vamos antes partir do entendimento comum que todos temos sobre o que é o “Ocidente” – cinquenta anos de Guerra Fria têm de servir para alguma coisa – e dos valores que o informam, que apesar de tudo estão consubstanciados nas deliberações mais relevantes da Organização das Nações Unidas e também em tratados negociados sob a égide de outras organizações internacionais de âmbito regional (ocidental).
Pois bem, esse Ocidente que há muitos séculos domina o mundo, com o alargamento e consequente deslocação do conceito ocorrido no último século, ou porventura ainda mais recentemente, para o outro lado do Atlântico Norte até ao Pacífico Norte, sofre desde há cerca de vinte anos, e cada ano que passa mais intensamente, as consequências da sua própria vitória no confronto fratricida que travou contra o socialismo. Fratricida, nem mais, já que ambos, capitalismo e socialismo, são filhos da mesma civilização.
Esse ocidente dominador, que conquistou, colonizou, escravizou, explorou o mundo, sempre acompanhado de uma retórica que lhe assegurava a superioridade moral sobre os conquistados, colonizados, escravizados e explorados, está a pouco e pouco, mas inexoravelmente, a perder a sua hegemonia em todos os planos.
Desde logo no plano dos “valores” não apenas pela dificuldade que cada vez mais tem de impor a sua universalidade, mas também pelo triste exemplo de hipocrisia e duplicidade que diariamente vai ficando a nu na contradição entre o que se defende e o que se faz. Mas também no plano militar, no qual, apesar de dispor da maior força bélica alguma vez imaginada por qualquer anterior civilização, já não consegue ganhar nenhuma das guerras em que se envolve. E, finalmente, no plano económico, que continua sendo, diga-se o que se disser, decisivamente determinante.
A pujança económica outrora hegemónica em todos os domínios, apesar de se manter em manifestações de prosperidade, riqueza e bem-estar, únicas no mundo, decai em cada dia que passa também inexoravelmente.
A crise do Ocidente não é, assim, tanto o resultado da situação que nele se vive, mas antes da antevisão do que o espera. O Ocidente está, muito justamente, assustado. E como todos os assustados tende agir irracionalmente e com brutalidade.
É assim, a meu ver, e apenas a título de exemplo, que devem ser interpretadas as propostas de Thilo Sarrazin em “Deutschland Schafft Sich Ab” (“A Alemanha auto-destrói-se”) bem como o seu acolhimento tanto por parte da população alemã, com dos militantes e simpatizantes dos principais partidos políticos (SPD, CDU/ CDS), as deportações de Sarkozy e a queima do Corão pelo pastor da Florida.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

CARLOS CRUZ: QUANTO MAIS INSISTE, MAIS SE AFUNDA




A RTP PRESTA-SE A TUDO

É incompreensível que a televisão pública utilize o seu tempo de antena para dar a palavra a um condenado num processo em fase de recurso. Já se conhece o estafado argumento que sempre acompanha este tipo de comportamentos: o interesse jornalístico. Obviamente que nunca faltará público para assistir aos espectáculos mais escabrosos, contanto que lhos exibam.
A questão, é, portanto, outra: até onde deve e pode ir uma televisão no tratamento de um tema judicial com a intervenção de apenas um dos interessados. Fazer ouvir apenas a voz de um e silenciar a voz dos restantes – e nos restantes não estão apenas as vítimas, mas também a sociedade e o Estado que tem por missão defender os valores indispensáveis à vida em comunidade – é desde logo uma grande injustiça.
Mas o comportamento da RTP e da Senhora que em nome da liberdade de imprensa torpedeia todas as regras são também atacáveis no próprio plano legal, qualquer que seja o conflito de deveres que a propósito deste caso se queira inventar.
Mas deixemos de parte a moralidade e o direito. Deixemos temporariamente de parte o escandaloso papel que a que RTP se presta e situemo-nos no plano em que Carlos Cruz coloca a questão.
Desde a primeira hora Carlos Cruz, convencido de que era um grande comunicador, quis resolver o assunto da pedofilia nos media, principalmente na televisão. Fê-lo, em peregrinação pelas TVs, logo que soube que estava a ser investigado: Fê-lo outra vez, mais tarde, para desvalorizar a existência de uma investigação de que já tinha sido alvo nos idos de 80 e fê-lo ininterruptamente desde que foi preso até hoje ou directamente ou por intermédio do seu mandatário, ou pior ainda, por via da participação dita independente de um conjunto de comentadores seus amigos que esgrimiram toda a sorte de argumentos para fazer passar para a opinião pública a sua inocência.
Digamos que o ex-apresentador de televisão, porventura muito influenciado pela sua profissão, teve desde a primeira hora a convicção de que este assunto se resolveria no plano da opinião pública. E nada melhor do que a televisão para influenciar a opinião pública.
Todavia, oito anos volvidos, a conclusão a que se chega – e esta é uma conclusão que o vedetismo não deixa enxergar com lucidez – é a de que quanto mais ele insiste neste plano, mais se afunda. O resguardo e o recato de quem se entrega tranquilamente à Justiça teriam sido as suas melhores armas. Este imenso barulho feito por ele e pelo seu mandatário em nada o favorece. Nestes últimos oito anos, a sociedade portuguesa aprendeu muito sobre pedofilia. Conheceu, feito por especialistas, o perfil psicológico dos pedófilos. Percebeu que os crimes de que as vítimas se queixavam não eram inventados. Acreditou que muitos dos criminosos nunca seriam julgados, mas estava predisposta a aceitar com alívio a condenação daqueles que o tribunal considerasse culpados.
Isto Carlos Cruz não percebeu. O vedetismo tem destes inconvenientes…



ADITAMENTO

Sobre a “influência política”no processo, desta vez da direita, não do PS ou da esquerda, ao que se depreende, uma pequena história da década de sessenta.
Na Coimbra universitária de então a política e a polícia política dominavam as tertúlias da malta de esquerda. Num café da Praça da República onde a “malta” se reunia nas noites de Verão, fomos uma noite surpreendidos pela notícia de que o seu proprietário, uma das típicas figuras patuscas daquele tempo, tinha passado o dia na polícia ou mesmo na prisão.
Soube-se depois que a dita figura teria durante a noite tentado entrar no quarto de uma das estudantes estrangeiras do curso de férias da Faculdade de Letras que ele albergava na sua residência, como hóspede, convencido de que, como era estrangeira, tudo era possível.
A dita estudante fez queixa do estalajadeiro, que, por força dessa queixa, passou o dia na polícia.
Logo que a “malta” soube do assunto, e passou a interpelar a dita figura sobre o que se passara, obtinha uma resposta taxativa:
Políticas, doutor! Políticas.”

THE POINT OF NO RETURN




SOBRE O CONFLITO ISRAELO-IRANIANO

Depois da sua “ressurreição”, Fidel Castro, sem se alhear da política interna, tem dedicado grande parte do seu tempo ao tratamento de questões internacionais. Dois são os temas que têm abordado com mais insistência: o problema das alterações climáticas e a defesa do meio ambiente bem como o perigo de uma guerra nuclear, motivada pelo conflito pelo conflito israelo-iraniano.
Uma das razões que terá levado Fidel a convidar Jeffrey Goldberg a deslocar-se a Cuba foi o artigo, The point of no return, que este escreveu na já citada revista the Atlantic.
É um artigo de leitura indispensável para quem se interessa pelas questões de política internacional. De facto, o “impossível” pode acontecer. O que muito dificilmente poderia ter acontecido durante a Guerra Fria, salvo porventura no primeiro mandato de Reagan, tem agora uma grande probabilidade de se verificar.
O mundo, todo ele, está mais religioso. E, por isso, muito mais perigoso. A religião é avessa a compromissos. Bem-aventurados aqueles que dedicaram as suas vidas à luta contra as religiões…mesmo com exageros!

FIDEL AOS 84 ANOS


A REPORTAGEM EM "the ATLANTIC"

Convém ler a reportagem sobre a longa conversa que Fidel Castro, depois da sua espectacular recuperação, manteve com o jornalista americano Jeffrey Golberg, da revista "the Atlantic", referida no El Pais de hoje, sobre a qual já foram publicados dois artigos (aqui e aqui).

A SELECÇÃO NACIONAL: A QUEM INTERESSA O CAOS?



QUEIROZ, MADAIL E OUTROS

É inevitável falar da selecção nacional. Arredada durante longos anos dos grandes palcos do futebol mundial, a selecção nacional habituou os portugueses nos últimos catorze anos a estar presente em quase todas as fases finais fases finais dos campeonatos da Europa e do Mundo. Nem sempre com bons resultados, é certo, como aconteceu na Coreia do Sul e agora na África do Sul, mas presente.
Face ao que se passou nos dois últimos jogos, a selecção portuguesa corre o sério risco de não estar presente no Euro 2012 tal como aconteceu, no Campeonato do Mundo de 1998, com Artur Jorge, como seleccionador.
As razões, num caso e noutro, são semelhantes. As escolhas dos respectivos seleccionadores não foram ditadas pela capacidade e competência de cada um, encaradas nas suas múltiplas valências, mas porque ambos beneficiavam do apoio ostensivo de “quem manda no futebol”. Este simples facto, mesmo que tivesse sido ditado pelas melhores e mais nobres razões – e a gente sabe que não foi – seria suficiente, à partida, para se criar à volta da selecção um clima de indiferença ou até de hostilidade da quase totalidade das pessoas que noutras circunstâncias a apoiariam com entusiasmo, mesmo não esquecendo que o público que se interessa pela selecção é um público muito mais vasto do que aquele que acompanha a vida dos clubes.
Carlos Queiroz, além de ter contra si este indesmentível facto, concita também, pela sua personalidade e capacidade técnica – arrogância, ausência de auctoritas incapacidade de “ler” o jogo, arbitrariedade nas escolhas, incapacidade de comunicar com o público, etc. -, uma generalizada antipatia que apenas poderia ser relativamente atenuada com um percurso quase cem por cento vitorioso.
Como não foi, nem se antevia que pudesse vir a ser, dadas as suas conhecidas limitações, Carlos Queiroz era, à partida, um seleccionador condenado.
Logo que a ocasião chegou – e a ocasião chegou com a prestação da selecção na África do Sul –, o povo do futebol em geral não teve qualquer dúvida em pedir a sua substituição. Não estava tanto em questão a classificação da selecção na África do Sul, como o modo pouco ambicioso e timorato como a alcançou.
Madail, que não sendo nenhum génio está longe de ser estúpido, terá percebido imediatamente que Queiroz não tinha futuro. Todavia, como é um dependente e tendo certamente em jogo interesses pessoais que quem está de fora tem dificuldade em quantificar, optou por manter Queiroz, certo de que o grupo de apuramento para o Euro 2012, sendo fácil, permitiria à selecção um percurso quase totalmente vitorioso, o que ajudaria a acalmar as coisas por mais dois anos.
Como no futebol as previsões ainda falham mais do que na economia, Madail enganou-se redondamente e, mesmo antes de os resultados terem acontecido, deparou-se com uma acusação grave feita ao seleccionador pela Autoridade Anti-Dopagem, que o obrigou a instaurar um processo disciplinar no quadro da conhecida autonomia de que gozam, no desporto, os movimentos associativos (como as federações) relativamente ao Estado.
Acontece que o órgão encarregado de instruir e decidir sobre o processo disciplinar, viciado em décadas de traficância desportiva, historicamente sujeito às mais diversas pressões e tendo atrás de si um cadastro de parcialidade e de dependência relativamente a quem o escolheu, não percebeu, estupidamente, que a matéria sobre que estava a tratar era uma daquelas – poucas – que o Estado não tinha entregado totalmente à auto-regulação das entidades desportivas.
Como o doping é uma questão de interesse público, relativamente à qual o Estado não abdica das suas competências preventivas, fiscalizadoras e punitivas, breve se percebeu que a “sanção” aplicada a Queiroz não passava de uma farsa porventura destinada a ser atenuada ou até revogada no subsequente órgão de recurso, que tem historicamente um cadastro porventura ainda mais lamentável do que aquele que decidiu em “primeira instância”.
Perante este facto, o Secretário de Estado do Desporto agiu: avocou a competência prevista na lei para os casos de doping e entregou o assunto à Autoridade Antidopagem, do Instituto do Desporto de Portugal. Não é lícito nesta matéria fazer juízos de intenção sobre a actuação do Secretário de Estado do Desporto. Quaisquer que tenham sido as suas motivações emocionais, elas são totalmente irrelevantes para o caso, já que com a sua conduta apenas se limitou a cumprir a lei.
É provável que o Secretário de Estado do Desporto, tendo-se apercebido do generalizado clima de antipatia relativamente a Queiroz e sentindo-se até apoiado pelas manifestações públicas de responsáveis políticos de todos os quadrantes, tenha actuado com toda a determinação, certo de que com a sua acção poderia também contribuir para resolver um problema que começava a tornar-se insolúvel.
Sim, é bom não esquecer que importantes personalidades políticas de todos os partidos passaram durante o Campeonato do Mundo, depois da eliminação de Portugal, pelos programas desportivos das televisões e todas, sem excepção, advogaram, com mais ou menos ênfase, o afastamento de Queiroz. Marques Mendes, por exemplo, foi absolutamente irredutível, assim como um deputado do CDS e outro do PS cujos nomes não recordo, bem como João Semedo (BE) e António Filipe (PCP), embora, tanto um como outro, com certa moderação.
Alias, é caso para perguntar, tendo em conta a importância, em diversos planos, da selecção para o país e para os portugueses em geral, se o Estado deve abdicar pura e simplesmente de ter uma palavra que aponte no sentido de escolhas e de comportamentos exclusivamente ditados pelo interesse da selecção, evitando ou impedindo que interesses espúrios da mais variada ordem – dos clubes, da rivalidade entre eles, dos empresários, das negociatas típicas do futebol, etc., etc., - prevaleçam contra o tratamento sério e competente de assunto que é cada vez mais de interesse nacional.