A RTP PRESTA-SE A TUDO
É incompreensível que a televisão pública utilize o seu tempo de antena para dar a palavra a um condenado num processo em fase de recurso. Já se conhece o estafado argumento que sempre acompanha este tipo de comportamentos: o interesse jornalístico. Obviamente que nunca faltará público para assistir aos espectáculos mais escabrosos, contanto que lhos exibam.
A questão, é, portanto, outra: até onde deve e pode ir uma televisão no tratamento de um tema judicial com a intervenção de apenas um dos interessados. Fazer ouvir apenas a voz de um e silenciar a voz dos restantes – e nos restantes não estão apenas as vítimas, mas também a sociedade e o Estado que tem por missão defender os valores indispensáveis à vida em comunidade – é desde logo uma grande injustiça.
Mas o comportamento da RTP e da Senhora que em nome da liberdade de imprensa torpedeia todas as regras são também atacáveis no próprio plano legal, qualquer que seja o conflito de deveres que a propósito deste caso se queira inventar.
Mas deixemos de parte a moralidade e o direito. Deixemos temporariamente de parte o escandaloso papel que a que RTP se presta e situemo-nos no plano em que Carlos Cruz coloca a questão.
Desde a primeira hora Carlos Cruz, convencido de que era um grande comunicador, quis resolver o assunto da pedofilia nos media, principalmente na televisão. Fê-lo, em peregrinação pelas TVs, logo que soube que estava a ser investigado: Fê-lo outra vez, mais tarde, para desvalorizar a existência de uma investigação de que já tinha sido alvo nos idos de 80 e fê-lo ininterruptamente desde que foi preso até hoje ou directamente ou por intermédio do seu mandatário, ou pior ainda, por via da participação dita independente de um conjunto de comentadores seus amigos que esgrimiram toda a sorte de argumentos para fazer passar para a opinião pública a sua inocência.
Digamos que o ex-apresentador de televisão, porventura muito influenciado pela sua profissão, teve desde a primeira hora a convicção de que este assunto se resolveria no plano da opinião pública. E nada melhor do que a televisão para influenciar a opinião pública.
Todavia, oito anos volvidos, a conclusão a que se chega – e esta é uma conclusão que o vedetismo não deixa enxergar com lucidez – é a de que quanto mais ele insiste neste plano, mais se afunda. O resguardo e o recato de quem se entrega tranquilamente à Justiça teriam sido as suas melhores armas. Este imenso barulho feito por ele e pelo seu mandatário em nada o favorece. Nestes últimos oito anos, a sociedade portuguesa aprendeu muito sobre pedofilia. Conheceu, feito por especialistas, o perfil psicológico dos pedófilos. Percebeu que os crimes de que as vítimas se queixavam não eram inventados. Acreditou que muitos dos criminosos nunca seriam julgados, mas estava predisposta a aceitar com alívio a condenação daqueles que o tribunal considerasse culpados.
Isto Carlos Cruz não percebeu. O vedetismo tem destes inconvenientes…
ADITAMENTO
Sobre a “influência política”no processo, desta vez da direita, não do PS ou da esquerda, ao que se depreende, uma pequena história da década de sessenta.
Na Coimbra universitária de então a política e a polícia política dominavam as tertúlias da malta de esquerda. Num café da Praça da República onde a “malta” se reunia nas noites de Verão, fomos uma noite surpreendidos pela notícia de que o seu proprietário, uma das típicas figuras patuscas daquele tempo, tinha passado o dia na polícia ou mesmo na prisão.
Soube-se depois que a dita figura teria durante a noite tentado entrar no quarto de uma das estudantes estrangeiras do curso de férias da Faculdade de Letras que ele albergava na sua residência, como hóspede, convencido de que, como era estrangeira, tudo era possível.
A dita estudante fez queixa do estalajadeiro, que, por força dessa queixa, passou o dia na polícia.
Logo que a “malta” soube do assunto, e passou a interpelar a dita figura sobre o que se passara, obtinha uma resposta taxativa:
“Políticas, doutor! Políticas.”
5 comentários:
Prezado Correia Pinto
Leio todos as opinioes que publica neste blogue e estou de acordo com a maioria deles. Sao na sua generalidade bem funcamentados e bem escritos.
Nao poderei contudo estar de acordo com o que tem vindo a escrever sob o caso de pedofilia na Casa Pia. Vem mostrando neste caso uma posicao nao tao distante quanto deveria do caso para produzir uma analise mais equilibrada (que nao imparcial). E no caso de Carlos Cruz, quando ele utiliza os media e especialmente a televisao (de que e um mestro comunicador) nao faz mais do que utilizar a mesma "arma" da PJ e dos Tribunais. Antes de ser condenado pela justica, foi-o nos media. E como diz o povo.... quem com ferros mata....com ferros morre. E depois nao vejo sequer nenhum copmentario seu acerca desta novela da disponibilizacao do acordao. Desulpe mas tinha de lhe dizer que nao concordo com a forma pouco independente desta sua opiniao. O que contradiz, alias, as suas outras posicoes que tenho lido aqui.
O desenlace corrente da história do "sources" é o que referes,mas a narrativa completa tem outro colorido.
Abraço.
RN
As pessoas têm pouca memória. O julgamento já terminou há anos e a condenação pública foi feita nos mídia.Vendeu-se muito papel, ganharam-se quotas de audiência e rodos de dinheiro, e ninguém se preocupou.
A propósito deste caso escreveu-se no blogue o jumento que peço vénia para transcrever:
« QUERERÃO CALAR CARLOS CRUZ?
«Enquanto se sucediam as violações ao segredo de justiça e a comunicação se banqueteou com as acusações a Carlos Cruz ninguém questionou os órgão de comunicação social e nenhum magistrado tentou travar a enxurrada de informação que parecia vir do interior da investigação.
Agora que o julgamento chegou ao fim e não existe um limite do segredo de justiça os magistrados querem impedir a divulgação de informação do processo e há quem queira limitar Carlos Cruz. Ora, se o julgamento foi bem feito quem tem medo de Carlos Crus ou de que chegue ao conhecimento público a informação com base na qual ele foi condenado?
Como é possível confiar numa justiça que se esconde e tenta calar os condenados como se os mesmos que antes de julgados foram condenados na opinião pública não possam recorrer a essa mesma opinião pública manipulada ao longo de anos para clamar justiça.
Se Carlos Cruz foi bem condenado e as provas foram suficientes quem receia as opiniões de Carlos Cruz e a divulgação das propostas?»
A ver vamos na defesa dos princípios e se manteremos a mesma opinião caso este mal nos bater à porta.
Cumprimentos
Abel Pontes
Eu não fazia a menor udeia se Carlos Cruz é ou não culpado. Agora ele convenceu-me que é.
V
Comentário ao Aditamento.
Correia Pinto, eu creio que o 'patusco' era aquele que dizia, ao tempo, que "Moçambique era a capital de Lourenço Marques".
Contava-se também que, doutra vez, interpelado por um estudante cliente que comia um bife ao balcão do café cujo molho lhe estava a 'saber' mal, dizendo que o bife não prestava ... ele retorquiu: "Ó doutor, olhe que ainda agora mesmo um seu colega disse que um bife igual estava muito apetititoso, que estava asqueroso ..."
Será o 'patusco' o mesmo que eu penso?
CA
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