O CAMINHO ERRADO
Os portugueses verdadeiramente ainda não acordaram para o problema da dívida e do défice. Têm ouvido falar em austeridade, já começaram a fazer mais descontos para o IRS, mas simultaneamente ouvem o PSD e o CDS dizer que não aceitarão mais impostos. E como para quem não está desempregado os impostos são as medidas que mais doem, os portugueses com emprego vão supondo, nas contas que vão antecipando, que o ano que vem não será muito diferente do que está a correr.
De facto, estão redondamente enganados. Estão enganados, inclusive, sobre o que possa ainda passar-se este ano, quanto mais no que respeita ao ano que vem.
Escaramuças à parte, o PS e o PSD (e também o CDS, se o chamassem, como Portas já sugeriu) preparam-se para seguir à risca as imposições de Bruxelas e satisfazer todas as exigências dos predadores financeiros. E seguir à risca as imposições e as exigências de uns e de outros significa uma mudança radical no tipo de vida dos portugueses não desempregados, decorrente das medidas brutais que vão ser impostas (por este Governo ou outro), mas também significa necessariamente mais desemprego.
Os mais penalizados, directa ou indirectamente, por estas medidas que apontam para cortes, num curto espaço de tempo, de milhares de milhões de euros, vão ser, como de costume, os que menos têm, mas também não deixarão de se reflectir naqueles que se situam imediatamente a seguir e um pouco mais acima. De fora, apenas ficarão, como é hábito, os que mais têm.
O problema que desta vez se põe relativamente a outras situações de emergência nacional sempre resolvidas à custa dos mais numerosos, ou seja, dos que menos têm, é que as medidas que vão ser postas em prática não resolverão absolutamente nada e, pelo contrário, agravarão ainda mais a situação.
Por outras palavras, o problema do défice e da dívida no contexto em que estão inseridos não têm solução. O país não vai gerar rendimentos para pagar a dívida, porque não cresce – e vai crescer ainda menos ou mesmo decrescer – e mais tarde ou mais cedo vai chegar-se a uma situação de incumprimento. Entretanto, imensas somas de dinheiro continuarão a ser transferidas para os predadores financeiros, sem que daí resulte qualquer vantagem (a não ser para eles) para a economia nacional.
O que se passa com Portugal, passa-se com a Grécia, a Irlanda e a Espanha. Como no seio da União Europeia não há a menor predisposição para encarar com realismo o que está a acontecer e apenas se raciocina na base da coerção, como se as leis económicas pudessem ser “domadas” pelo receio das sanções ou mesmo pela imposição das ditas, não se pode esperar da União uma via de solução que, atendendo ao problema de alguns, possa ser, a prazo, do interesse de todos.
Assim sendo, e tendo sempre presente que o actual caminho, aqui sintetizado nas imposições de Bruxelas e exigências dos predadores, não leva a qualquer solução, por muito que os governantes se esforcem por fazer crer o contrário, a única saída possível para o problema assenta numa posição de força dos devedores. Algo como: “Assim, não pagamos!”, de modo a forçar uma solução alternativa com saídas credíveis, socialmente aceeitáveis.
Hoje, o peso na União Europeia (e até, reflexamente, no mundo) da posição dos quatro devedores em dificuldades acima referidos já é considerável e suficientemente forte para fazer ruir muita coisa.
Claro que esta solução, apesar de ser a única viável, não deixa de ser paradoxalmente utópica, porque nenhum dos quatro Estados referidos aceitaria protagonizá-la, como aliás já não aceitaram tornar ostensiva qualquer manifestação de solidariedade no momento em que eclodiu a crise da dívida da Grécia. Pelo contrário, o que todos então (e depois) procuraram dizer foi que a situação de cada um deles nada tinha a ver com a da Grécia. E apesar de já estarem a sofrer as consequências desta atitude, continuam mais insolidários do que nunca.
A Espanha vai a Wall Street reunir-se com os predadores para os tentar convencer de que continuará a fazer “direitinho” tudo o que lhe for exigido, sem a mínima preocupação com as centenas de trabalhadores que diariamente manda para o desemprego. A Irlanda, a viver uma situação verdadeiramente catastrófic, com um défice que este ano pode atingir os 20% do PIB, apesar de ter realizado cortes absolutamente brutais na despesa (com as consequências que estão à vista: duplicação do défice), continua a acreditar que mais dia, menos dia, os predadores virão em seu auxílio e que, como por magia, se repetirá o passado, em que ela própria agia e actuava como predadora em pareceria com os demais. A Grécia, embora lutando na rua contra os predadores, no fundo, acredita que mais ano menos ano os voltará a enganar, pelo que o mais prudente será não alinhar em soluções radicais. Finalmente, Portugal, sempre convencido, como o cordeirinho da fábula, que se for “bonzinho” e bem-comportado, acabarão por olhar para ele de uma maneira diferente dos outros, tudo tentará para se manter alinhado e cumpridor, por mais negativos que sejam os resultados desta opção.
E francamente também não se vê que o povo possa inverter o rumo da situação. Obviamente, há sempre uma solução à Salazar: défice zero, ou até com superávide, saúde zero, ensino com taxas de analfabetismo altíssimas, segurança social zero …e crescimento, em vinte anos, igualmente zero!
Para evitar mal-entendidos, o facto de se afirmar que as medidas impostas não levam a nada não significa que se contemporize com a “malandragem” reinante, intimamente associada ao aumento constante da defesa pública, nem com o endividamento privado muito acima dos rendimentos de quem o contraiu. Significa apenas que, face à situação de facto a que se chegou, o caminho preconizado não leva a qualquer solução. Mas significa também, não obstante a “malandragem”, que a situação a que se chegou é uma consequência inelutável do modo como está estruturada a União Europeia, nomeadamente a zona euro, numa fase de grande ascensão dos países emergentes no comércio mundial.
Os portugueses verdadeiramente ainda não acordaram para o problema da dívida e do défice. Têm ouvido falar em austeridade, já começaram a fazer mais descontos para o IRS, mas simultaneamente ouvem o PSD e o CDS dizer que não aceitarão mais impostos. E como para quem não está desempregado os impostos são as medidas que mais doem, os portugueses com emprego vão supondo, nas contas que vão antecipando, que o ano que vem não será muito diferente do que está a correr.
De facto, estão redondamente enganados. Estão enganados, inclusive, sobre o que possa ainda passar-se este ano, quanto mais no que respeita ao ano que vem.
Escaramuças à parte, o PS e o PSD (e também o CDS, se o chamassem, como Portas já sugeriu) preparam-se para seguir à risca as imposições de Bruxelas e satisfazer todas as exigências dos predadores financeiros. E seguir à risca as imposições e as exigências de uns e de outros significa uma mudança radical no tipo de vida dos portugueses não desempregados, decorrente das medidas brutais que vão ser impostas (por este Governo ou outro), mas também significa necessariamente mais desemprego.
Os mais penalizados, directa ou indirectamente, por estas medidas que apontam para cortes, num curto espaço de tempo, de milhares de milhões de euros, vão ser, como de costume, os que menos têm, mas também não deixarão de se reflectir naqueles que se situam imediatamente a seguir e um pouco mais acima. De fora, apenas ficarão, como é hábito, os que mais têm.
O problema que desta vez se põe relativamente a outras situações de emergência nacional sempre resolvidas à custa dos mais numerosos, ou seja, dos que menos têm, é que as medidas que vão ser postas em prática não resolverão absolutamente nada e, pelo contrário, agravarão ainda mais a situação.
Por outras palavras, o problema do défice e da dívida no contexto em que estão inseridos não têm solução. O país não vai gerar rendimentos para pagar a dívida, porque não cresce – e vai crescer ainda menos ou mesmo decrescer – e mais tarde ou mais cedo vai chegar-se a uma situação de incumprimento. Entretanto, imensas somas de dinheiro continuarão a ser transferidas para os predadores financeiros, sem que daí resulte qualquer vantagem (a não ser para eles) para a economia nacional.
O que se passa com Portugal, passa-se com a Grécia, a Irlanda e a Espanha. Como no seio da União Europeia não há a menor predisposição para encarar com realismo o que está a acontecer e apenas se raciocina na base da coerção, como se as leis económicas pudessem ser “domadas” pelo receio das sanções ou mesmo pela imposição das ditas, não se pode esperar da União uma via de solução que, atendendo ao problema de alguns, possa ser, a prazo, do interesse de todos.
Assim sendo, e tendo sempre presente que o actual caminho, aqui sintetizado nas imposições de Bruxelas e exigências dos predadores, não leva a qualquer solução, por muito que os governantes se esforcem por fazer crer o contrário, a única saída possível para o problema assenta numa posição de força dos devedores. Algo como: “Assim, não pagamos!”, de modo a forçar uma solução alternativa com saídas credíveis, socialmente aceeitáveis.
Hoje, o peso na União Europeia (e até, reflexamente, no mundo) da posição dos quatro devedores em dificuldades acima referidos já é considerável e suficientemente forte para fazer ruir muita coisa.
Claro que esta solução, apesar de ser a única viável, não deixa de ser paradoxalmente utópica, porque nenhum dos quatro Estados referidos aceitaria protagonizá-la, como aliás já não aceitaram tornar ostensiva qualquer manifestação de solidariedade no momento em que eclodiu a crise da dívida da Grécia. Pelo contrário, o que todos então (e depois) procuraram dizer foi que a situação de cada um deles nada tinha a ver com a da Grécia. E apesar de já estarem a sofrer as consequências desta atitude, continuam mais insolidários do que nunca.
A Espanha vai a Wall Street reunir-se com os predadores para os tentar convencer de que continuará a fazer “direitinho” tudo o que lhe for exigido, sem a mínima preocupação com as centenas de trabalhadores que diariamente manda para o desemprego. A Irlanda, a viver uma situação verdadeiramente catastrófic, com um défice que este ano pode atingir os 20% do PIB, apesar de ter realizado cortes absolutamente brutais na despesa (com as consequências que estão à vista: duplicação do défice), continua a acreditar que mais dia, menos dia, os predadores virão em seu auxílio e que, como por magia, se repetirá o passado, em que ela própria agia e actuava como predadora em pareceria com os demais. A Grécia, embora lutando na rua contra os predadores, no fundo, acredita que mais ano menos ano os voltará a enganar, pelo que o mais prudente será não alinhar em soluções radicais. Finalmente, Portugal, sempre convencido, como o cordeirinho da fábula, que se for “bonzinho” e bem-comportado, acabarão por olhar para ele de uma maneira diferente dos outros, tudo tentará para se manter alinhado e cumpridor, por mais negativos que sejam os resultados desta opção.
E francamente também não se vê que o povo possa inverter o rumo da situação. Obviamente, há sempre uma solução à Salazar: défice zero, ou até com superávide, saúde zero, ensino com taxas de analfabetismo altíssimas, segurança social zero …e crescimento, em vinte anos, igualmente zero!
Para evitar mal-entendidos, o facto de se afirmar que as medidas impostas não levam a nada não significa que se contemporize com a “malandragem” reinante, intimamente associada ao aumento constante da defesa pública, nem com o endividamento privado muito acima dos rendimentos de quem o contraiu. Significa apenas que, face à situação de facto a que se chegou, o caminho preconizado não leva a qualquer solução. Mas significa também, não obstante a “malandragem”, que a situação a que se chegou é uma consequência inelutável do modo como está estruturada a União Europeia, nomeadamente a zona euro, numa fase de grande ascensão dos países emergentes no comércio mundial.
4 comentários:
Os aspectos que o autor aqui denuncia são essência do capitalismo mundializado. Recordo que, ainda não há muito, pouca gente resistia à sua "indiscutível" capacidade para promover o desenvolvimento, dando por irremediavelmente condenada ao caixote de lixo da história a crença de que é possível o ser humano reger-se por um quadro de motivação diferente. O Agostinho da Silva referia-se-lhe como o "único Sistema capaz de acabar com a fome". Uma característica destes tempos é a capacidade de ilusão em vastas camadas, nomeadamente, de que se tornaram mais ricas do que de facto são. Mas, ainda neste aspecto, parece-me que há povos que que são mais atreitos a esta vertigem que outros. Veja-se a alteração dos padrões de consumo e a redução abissal da propensão à poupança entre nós. Para termos uma ideia das causas dos actuais problemas em Portugal não é preciso muitas teorias: basta andar e "olhar reparar e ver" (como dizia o Saramago) ainda que, segundo os teóricos, a realidade não seja observável a "olho nu". Veremos, ainda que "ingenuamente", o que se passou com com os apoios à "reconversão" da Agricultura, o que aconteceu às Cidades (exemplo gritante da nossa "bruteza"), os inúmeros elefantes brancos que povoam a paisagem, auto-estradas onde não passa ninguém, a ferrovia abandonada por todos (não é só pelo Governo, sistema de ensino avaliado pelo nº de canudos que emite ainda que depois os doutores e engenheiros (muitos deles com cursos tirado nas tardes de fim de semana) vão trabalhar para supermercados por essa Europa fora (é curioso o aumento deste tipo de emigrantes, por exemplo, na minúscula Andorra). Para não falar dos bandos de vampiros que abancaram à cabeceira da mesa do Orçamento não deixando que nada passe para os outros. É interessante a recente polémica acerca do preço dos medicamentos e como os tais vampiros desencadearam uma formidável barreira de fumo tóxico para que a maioria não espreitasse para o que se passa nesse antro de rapinagem. Ainda nos admiramos ..... só se for de como nos enganámos ou nos deixamos enganar..
LG
Doutor Correia Pinto,
mais uma análise bem feita.
Agora, resta saber como é que vamos sair disto.
Se a Comissão Europeia, nem com os riscos de incumprimento da Espanha e da Itália, arrepiou caminho, e começou a combater os especuladores ... bem, que é que poderíamos esperar duma Comissão com a actual chefia ...
Que saudades dos tempos de Jacques Delors. Tinha muitos menos poderes que estes têm agora, e conseguia ser muito mais influentes que todos eles juntos!
Esta Merkl está a fazer imenso mal a isto tudo, ainda por cima tendo no Eliseu um populista de direita, qual versão política francesa de Paulo Portas.
Doutor Correia Pinto,
sei que, às tantas, trata-se dum assunto menos, mas ainda assim gostava de saber qual é a sua opinião sobre a "zanga de comadres" que parece estar a ser a negociação do Orçamento de Estado para 2011, nomeadamente a entrevista que PSP deu, ontem, à 1ª dama de Sintra, na RTP 1.
Se não viu, aqui tem o link do vídeo da entrevista:
http://ww1.rtp.pt/multimedia/progVideo.php?tvprog=1436
Zé Manel, admiravel análise, como sempre.
Vou fazer link para o Mar...
Abracinho
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