UMA EXPERIÊNCIA AMARGA
A antecipação do futuro pode ser uma experiência amarga. Se é certo que o homem dificilmente poderia viver em sociedade sem um mínimo de segurança sobre como será o amanhã – esse o papel das normas – também não é menos certo que dificilmente o homem conviveria com um futuro permanentemente antecipado. Aliás, deixaria de haver futuro, já que a sua antecipação mais não seria do que uma permanente extensão do presente.
Vem tudo isto a propósito da experiência por que ontem passei numa tasquinha de Matosinhos, onde, quando estou na zona do Porto, costumo ver os jogos do Benfica. Encontrei-a por acaso num dia em que procurava um local público para assistir a um jogo de futebol. A partir desse dia fiquei freguês, não apenas porque sempre lá vi o Benfica ganhar, mas também porque o dono e a generalidade da clientela eram benfiquistas.
Como ontem estava por aquelas bandas, não hesitei muito na escolha. Algo, porém, desde início correu mal: o dono e a mulher estavam ausentes e duas pessoas que eu desconhecia estavam agora de serviço ao balcão.
Timidamente perguntei se a pessoa que eu conhecia (cujo nome desconheço) ainda era o proprietário do estabelecimento. Com poucas palavras, disseram-me que sim. Um pouco depois voltei a insistir, indagando se estava tudo bem com ele. Com a mesma concisão disseram-me que sim.
Ainda hesitei lá continuar…porque nestas coisas do futebol, tudo conta…
A antecipação do futuro pode ser uma experiência amarga. Se é certo que o homem dificilmente poderia viver em sociedade sem um mínimo de segurança sobre como será o amanhã – esse o papel das normas – também não é menos certo que dificilmente o homem conviveria com um futuro permanentemente antecipado. Aliás, deixaria de haver futuro, já que a sua antecipação mais não seria do que uma permanente extensão do presente.
Vem tudo isto a propósito da experiência por que ontem passei numa tasquinha de Matosinhos, onde, quando estou na zona do Porto, costumo ver os jogos do Benfica. Encontrei-a por acaso num dia em que procurava um local público para assistir a um jogo de futebol. A partir desse dia fiquei freguês, não apenas porque sempre lá vi o Benfica ganhar, mas também porque o dono e a generalidade da clientela eram benfiquistas.
Como ontem estava por aquelas bandas, não hesitei muito na escolha. Algo, porém, desde início correu mal: o dono e a mulher estavam ausentes e duas pessoas que eu desconhecia estavam agora de serviço ao balcão.
Timidamente perguntei se a pessoa que eu conhecia (cujo nome desconheço) ainda era o proprietário do estabelecimento. Com poucas palavras, disseram-me que sim. Um pouco depois voltei a insistir, indagando se estava tudo bem com ele. Com a mesma concisão disseram-me que sim.
Ainda hesitei lá continuar…porque nestas coisas do futebol, tudo conta…
Na assistência, um pescador de tez escura, causticada pelo sol, envergava uma camisola do FCP e um cachecol. O resto tudo muito neutro. São do Sporting, pensei. Talvez do Leixões.
Não me senti em casa, mas fiquei. Pouco depois de o jogo começar, o tal pescador do FCP que assistia, tal como os restantes espectadores, ao jogo em silêncio, disparou que nem uma bala em direcção à porta e gritou: “Golo do Pooooorto , Gooooolo do Porto”.
Olhámos uns para os outros como se o homem estivesse com alucinações. O homem, sem mais explicações, regressou ao seu lugar, sentou-se e ficou a aguardar que o anunciado se cumprisse. E assim aconteceu, tudo isto talvez com uma diferença de vinte segundos entre a sua inicial explosão de alegria e a confirmação via TV do que ele havia anunciado.
Só então reparei, que ele tinha nas orelhas uns pequenos headphones que lhe permitiam escutar pela rádio, em tempo real, o que se estava a passar no campo.
A partir desse momento nunca mais me concentrei no jogo, mas no homem, sempre à espera que um gesto de grande contrariedade preanunciasse um golo do Benfica. Mas qual quê? Passado mais uns minutos, a mesma cena. Um pouquinho depois, outra vez…
No intervalo, hesitei, fico, vou embora? Resolvi ficar. Não ganhei nada com isso. Apenas por uma vez o ouvi dizer grande defesa e bater palmas. Um pouco mais tarde, ouviu-o gritar: “Até que enfim que expulsam esse…”. Lá mais para o fim gritou “penalty!” e o resto. E depois outra vez golo.
Foi uma experiência inesquecível. Pior do que perder por cinco, foi saber antecipadamente por quantos ia perder
Não me senti em casa, mas fiquei. Pouco depois de o jogo começar, o tal pescador do FCP que assistia, tal como os restantes espectadores, ao jogo em silêncio, disparou que nem uma bala em direcção à porta e gritou: “Golo do Pooooorto , Gooooolo do Porto”.
Olhámos uns para os outros como se o homem estivesse com alucinações. O homem, sem mais explicações, regressou ao seu lugar, sentou-se e ficou a aguardar que o anunciado se cumprisse. E assim aconteceu, tudo isto talvez com uma diferença de vinte segundos entre a sua inicial explosão de alegria e a confirmação via TV do que ele havia anunciado.
Só então reparei, que ele tinha nas orelhas uns pequenos headphones que lhe permitiam escutar pela rádio, em tempo real, o que se estava a passar no campo.
A partir desse momento nunca mais me concentrei no jogo, mas no homem, sempre à espera que um gesto de grande contrariedade preanunciasse um golo do Benfica. Mas qual quê? Passado mais uns minutos, a mesma cena. Um pouquinho depois, outra vez…
No intervalo, hesitei, fico, vou embora? Resolvi ficar. Não ganhei nada com isso. Apenas por uma vez o ouvi dizer grande defesa e bater palmas. Um pouco mais tarde, ouviu-o gritar: “Até que enfim que expulsam esse…”. Lá mais para o fim gritou “penalty!” e o resto. E depois outra vez golo.
Foi uma experiência inesquecível. Pior do que perder por cinco, foi saber antecipadamente por quantos ia perder
3 comentários:
Quer dizer que levaste 10-0.
V
Meu caro,
também sou do Benfica (também estou na casa dos 60) e claro que também sofri. Mas a leitura deste bonito texto aliviou um pouco a disposição.
António Marquês
Doutor Correia Pinto,
podia ter passado lá por casa. São só mais 40 Kms a norte. É que o meu pai costuma fazer isso.
Os relatos da TV são bons remédios para insónias, enquanto que os relatos de rádio são mais vivos.
O facto é que a emissão de rádio chega, em média, 5 segundos mais cedo que a emissão de TV por cabo, e 9 segundos mais cedo que pelo satélite.
Então, se fizer a experiência com jogos da Liga Espanhola, ligando o rádio nas estações espanholas que se captam à noite na Onda Média (MW), o intervalo de tempo é abissal. Já cheguei a ouvir golo (em castelhano) numa baliza quando, na TV, a bola estava ainda nas mãos do GR na outra baliza ...
Esta diferença gera a vantagem de podermos fazer outras coisas, e só olhar para a TV quando o rádio "dá sinal".
Também apercebemo-nos de quais são os melhores relatores desportivos da rádio nacional, ou seja, aqueles que relatam ao vivo o mesmo jogo que estamos a ver na TV. Nesse aspecto, na minha opinião, estamos mal servidos: Muitos, nessas comparações, denunciam clubites (ou fobias contra determinado clube, que, para o efeito é a mesma coisa), sendo que, dos poucos que se aproveitam, destaco Fernando Eurico da Antena 1.
Desculpe estar a fulanizar a coisa, citando o nome dum deles, mas se o ouvir, e comparar com o que verá dali a 5 segundos na TV, verá que ele não faz espalhafato a não ser que a situação mereça ...
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