domingo, 14 de novembro de 2010

CAVACO E AMADO EM UNÍSSONO


AFASTAR SÓCRATES NÃO BASTA

Antes que alguém tivesse falado do que hoje toda a gente fala – afastamento de Sócrates e formação de um governo de…qualquer coisa que os meta todos – abordei aqui o tema sob a forma de premonição, adiantando desde logo os dois grandes protagonistas do processo que, por entre as brumas da dívida e do défice, emergiam como grandes artífices da solução que o establishment do regime ansiosamente aguarda: Cavaco e Amado.
Cavaco não tem confiança pessoal nem política em Sócrates. Acreditou que o poderia substituir nas últimas eleições por uma pessoa sua, fez o que pôde para o conseguir, mas saiu-se muito mal. Aliás, deu até uma grande barraca. Tão grande que somente num país como Portugal é que ela passou sem consequências.
Entretanto, a crise grega, melhor dizendo, a crise da zona euro, que a Alemanha tudo fez para reduzir à crise grega, não parou de alastrar. Primeiro, através da imposição de prazos curtíssimos para a redução do défice, quando a própria Comissão Europeia – facto de que hoje já ninguém se lembra – dizia ainda em 2009 que os Estados que se empenharam no combate à crise financeira iriam naturalmente gozar de um prazo alargado para pôr as suas contas em ordem. Prazo que, por magia, desapareceu de um dia para o outro, sendo o discurso da compreensão imediatamente substituído pelo da repressão. Mas continuando: a crise não parou de alastrar, porque a seguir ao encurtamento dos prazos, veio a escalada, ainda sem fim à vista, dos juros da dívida.
Com as cautelas que a situação requer, não apenas pela situação em si, mas também por se estar em pré-campanha presidencial, Cavaco foi e vai movimentando as suas pedras, dando a entender que, além de não querer Sócrates, também não quer Passos Coelho. Mas..
A direita ideológica do PS – ou seja aquela gente que está no PS como poderia estar no CDS ou no PSD – percebe a mensagem, sente-se em consonância com largos sectores da dita “sociedade civil” que vive sempre muito próxima do regime, e faz alastrar a opinião que a única forma de o PS se manter no governo é deixar cair Sócrates.
Amado é o primeiro a manter uma grande consonância com Cavaco. Desde que a crise se agravou, ambos falam a uma só voz. Mas outros sectores, tradicionalmente ligados a Soares, embora com mais cautelas, vão exprimindo publicamente as mesmas opiniões. Soares, como convém, só fala em entendimentos. Insiste. Volta a insistir. Quem o compreende percebe que para o velho político a questão do poder, mesmo repartido, é a questão fundamental. Se para o manter tiver de haver sacrifícios, paciência. Como sinal inequívoco da sua orientação, deixa de fazer elogios a Sócrates. Deixa até de o citar. O caminho por ele está aberto…
Do lado do PSD, les jeux sont faits. Cavaco quer gente sua. Gente em quem confie pessoal e politicamente. Amado dá-lhe todas as garantias de encontrar essa gente. Passos Coelho não terá muita margem. Na melhor das hipóteses acontecer-lhe-á o mesmo que lhe aconteceu na negociação do orçamento. De qualquer modo, não terá gente, no Parlamento, para contrariar com êxito uma directiva de Cavaco. O próprio Portas vai ser ultrapassado.
Assim sendo, no PS a decisão vai jogar-se entre a fidelidade dos que não tem outra alternativa e aqueles cuja fidelidade varia não apenas em função de quem lá está mas principalmente de quem lhes garanta que eles continuarão lá!
Como disse um ilustre comentador deste blogue, tudo vai depender, em última instância, da capacidade de resistência de Sócrates. Uma incógnita, mas também uma excelente ocasião para testar a sua independência…e mais não digo.
Uma coisa, porém, parece certa. A substituição que estão a tentar pôr em prática não terá nenhuma vantagem para os portugueses. Porventura representará até, paradoxalmente, mais sofrimento e mais austeridade para quem já paga a crise.
Quer isto dizer que Sócrates não deve ser substituído? Não. Quer apenas dizer que a via de solução para as dificuldades do país não passa por um entendimento alargado entre aqueles que tem da crise uma visão estritamente nacional. A crise que Portugal atravessa não pode resolver-se cá dentro. As medidas tomadas, ou a tomar, nesta perspectiva apenas agravarão cada vez mais a crise até à inevitável ruptura social.
Ora, nem Cavaco nem Amado pronunciaram até hoje uma única palavra – nem seguramente a vão pronunciar – que não fosse a de encararem a crise como um “pecado” interno a que urge rapidamente pôr cobro.
Nem Cavaco nem Amado pelo seu passado político na cena internacional dão quaisquer garantias de defesa de uma política alternativa face aos grandes poderes, eu diria, político-fácticos da União Europeia. Pelo contrário, tanto um como outro já se exprimiram publicamente num sentido concordante com o que de mais gravoso há nessa política. Amado já pediu para constitucionalizar o limite do défice e da dívida. Daí à aceitação de sanções inadmissíveis, como as que estão propostas, vai apenas um pequeno passo. E Cavaco não perde oportunidade de enaltecer o papel corrector e orientador dos “mercados”.
Portanto, a solução que está em curso é uma falsa solução. Isto só lá vai com outra gente!

1 comentário:

Anónimo disse...

Quando no Sábado li a grande entrevista do amigo de Gama liguei a um amigo que frequentou os corredores do poder a dizer-lhe que o homem que Cavaco gostaria de empossar estava ali no Expresso a oferecer-se sem mais cerimónias. Mas há o factor Sócrates...
RN