segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A ISLÂNDIA E A IRLANDA


AS DIFERENÇAS

O modo como a Islândia está a sair da crise, com uma política económica alternativa, bastante diferente da imposta pela ortodoxia neoliberal aos países da zona euro sobreendividados ou com dificuldades de financiamento, está sendo seguida atentamente por todas aqueles que contestam a brutalidade das medidas impostas à Grécia, à Irlanda, a Portugal, à Espanha, e, provavelmente, a outros dentro de pouco tempo. Melhor dizendo: que estão sendo impostas ao trabalho nos países citados, já que o capital tem praticamente ficado incólume, não participando, ou participando apenas simbolicamente, nos sacrifícios pedidos.
Esta questão já foi abordada entre nós por Rui Tavares no Público e também por JVC no Moleskine. No seu blog, Paul Krugman escreveu também um saboroso post sobre o assunto – “Eating the irish”, no NYT, e no ESP, “Comendo os irlandeses”, aliás já citado em vários blogues nacionais.
É conhecida a anedota que há uns tempos atrás se costumava contar a propósito da situação da Irlanda: qual a diferença entre a Islândia (Iceland, em inglês) e a Irlanda (Ireland, em inglês)? Uma letra e cerca de seis meses.
Acontece que as duas situações, tendo partido de bases comuns ou quase idênticas – a mega falência de bancos especuladores com um volume de negócios equivalente a várias vezes o valor do PIB dos respectivos países -, estão a evoluir em sentido muito diferente.
A receita que foi aplicada à Irlanda é conhecida: o Estado assumiu o passivo dos bancos, o qual gerará no fim deste ano um défice de quase 40% do PIB, e obrigou os contribuintes a pagá-lo num prazo muito curto (com excepção das empresas que apenas continuam sujeitas à taxa de 12,5% de IRC), com base num orçamento altamente recessivo, condição imposta pela União Europeia para que a Irlanda pudesse aceder a cerca de 90 mil milhões de euros do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (European Financial Stability Facility).
Acontece que, sendo teoricamente a situação irlandesa menos grave que a islandesa, é a economia da Islândia que se está saindo muito melhor do atoleiro em que os bancos a meteram. Porquê?
Krugman aponta três razões:
Em primeiro lugar, a Islândia recusou-se a pagar (em referendo) as dívidas contraídas pelos bancos islandeses junto dos bancos estrangeiros, nomeadamente ingleses e holandeses;
Em segundo lugar, impôs o controlo temporário dos movimentos de capitais, limitando as transferências de capitais nacionais para o estrangeiro;
Em terceiro lugar, desvalorizou a moeda, tornando as exportações mais competitivas.
Além destas medidas, a Islândia pôs em prática uma política fiscal completamente diferente da seguida na UE que, como se sabe, privilegia os cortes na despesa, mantendo inalteradas ou quase as receitas fiscais.
Muitos dirão que as políticas que a Islândia pôs em prática não podem ser seguidas pelos Estados da União Europeia, sujeitos a um regime completamente diferente. Acontece que o problema é mesmo esse: de facto, o argumento apresentado é reversível. A União Europeia, ou a Alemanha em nome dela, impõe aos Estados membros medidas para a adopção das quais não tem a menor competência. Algumas delas até são inconstitucionais. E, todavia, justificam-se pela situação de emergência.
Ora é essa mesma emergência gerada pela crise que deveria justificar a adopção de regimes excepcionais, tanto mais que para a situação existente muito contribuíram os bancos e a sua insaciável ganância, bem como a deficientíssima estruturação da zona euro.
E voltamos sempre ao mesmo. O que a gente precisa é de uma outra diplomacia em Bruxelas.

2 comentários:

Ana Paula Fitas disse...

Caro JMCorreia-Pinto,
Como sempre, tem toda a razão: "o que a gente precisa é de uma outra diplomacia em Bruxelas"... com outras exigências, outra lógica,outra capacidade negocial, outra visão do mundo e a coragem de novas e arrojadas propostas capazes de responder às necessidades de emprego da população.
Um abraço.

horta pinto disse...

Eu vinha dizer o que afinal a Comentadora anterior já disse. Por isso, limito-me a fazer minhas as suas palavras (salvo, é claro, o "como sempre"...).
Um abraço
HP