MAIS DINHEIRO OU MAIS REGULAÇÃO?
É inevitável voltar ao tema até porque há muita confusão a respeito. Antes de mais, é preciso dizer abertamente que a reunião de amanhã, em Londres, não tem vista nenhuma “revolução” do sistema capitalista. O que está em causa é a reconsolidação do sistema, embora as propostas destinadas à sua restauração divirjam consideravelmente por serem provenientes de economias que se defrontam com problemas diferentes.
Os três grandes temas que vão estar em discussão no G20 são a coordenação dos planos de recuperação económica, a regulação do sistema financeiro internacional e o comércio internacional.
A tese americana e inglesa é a de que apenas se sai da crise pela via da recuperação da procura, sendo por isso necessário injectar vultosos fundos públicos na economia para relançar o consumo. A administração Obama fala em 4,5% do PIB, apesar de para alguns neo-keynesianos americanos esse montante não se afigurar suficiente.
Do lado das duas principais economias da Europa continental, a posição é diferente. Tanto Merkel como Sarkozy defendem a tese de que os planos já aprovados nos respectivos países são suficientes ou, pelo menos, não devem ser acrescidos de novos fundos enquanto não puder ser avaliado o resultado do que já foi feito. A isto acresce o facto de numa economia como a alemã, muito virada para a exportação, a procura não poder ser relançada por via de estímulos internos. Por outro lado, tanto a França como a Alemanha insistem na grande diferença que existe entre os dois lados do Atlântico no que respeita à protecção social dos respectivos cidadãos. Ou seja, em países onde existe um verdadeiro estado social não pode contabilizar-se apenas o que directamente se injecta na economia. É preciso igualmente considerar o acréscimo de gastos públicos, em solidariedade social, em consequência da crise.
É também evidente que um agravamento do défice nestes países não encontrará as mesmas facilidades de financiamento que encontra num grande mercado, como o americano, onde os capitais de todo o mundo são atraídos por um mercado financeiro capaz de proporcionar outro tipo de rentabilidades.
A Alemanha e a França pugnam, portanto, por um capitalismo baseado na economia real na qual o capital financeiro em vez de especular e de se expor a riscos cada vez mais inaceitáveis faça aquilo que lhe compete: “financiar o desenvolvimento da economia”.
Nesse sentido, avançam com propostas muito ousadas em matéria de regulação financeira. “Nenhum actor, nenhuma instituição, nenhum produto financeiro poderá voltar a escapar ao controlo de uma autoridade reguladora. Esta regra deverá aplicar-se às agências de qualificação, mas também aos fundos especulativos e, ainda, aos paraísos fiscais”, diz Sarkozy. O ataque aos paraísos fiscais é um dos pontos fundamentais da proposta ou da posição Merkel/Sarkozy. Eles pretendem a sua completa identificação, propõem alterações de conduta e elencam consequências para os casos de não colaboração. Ou seja, tem de se saber de onde vêm e para onde vão os capitais dos paraísos fiscais.
É natural que haja sobre este ponto graves divergências com a posição americana e inglesa, representantes daquilo a que Merkel tem chamado o “capitalismo anglo-saxónico”, onde uma grande parte da riqueza se obtém por via das aplicações do capital financeiro. Tais divergências, contrariamente ao que pregam certas vozes pró-americanas, não têm nada a ver com a tal questão da “menos Europa” ou da falta de falta de solidariedade e outras tonterias do género. Tem a ver com duas formas diferentes de encarar o capitalismo. Por isso, não será de estranhar que em matérias como esta a posição da Rússia esteja próxima da francesa e da alemã.
Em matéria de comércio internacional todos se manifestarão contra o proteccionismo, sem que todos o deixem de praticar em determinadas ocasiões. Assistir-se-á certamente por parte dos países emergentes, fortes em agricultura e em produtos manufacturados com mão-de-obra intensiva, a mais uma investida no sentido da completa liberalização dos mercados que lhes interessam.
Finalmente, não deixa de ser curioso verificar que as propostas da França e da Alemanha, governadas por Sarkozy e Merkel, são muito mais avançadas que as da social-democracia europeia…
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