A PRIVATIZAÇÃO DA ANA E A CONSTRUÇÃO DO NOVO AEROPORTO
Para os que duvidam que o neoliberalismo exista entre nós ou para os que teimam em nos demonstrar que ele não existe, aqui vai mais um grande exemplo.
O Governo quer tornar irreversível o mais rapidamente possível a construção do novo aeroporto de Lisboa. É essa a razão que leva o Ministro das Obras Públicas, praticamente em cima das eleições, a lançar a primeira fase do concurso para a construção do novo aeroporto de Lisboa e para a privatização da ANA- Aeroportos de Portugal.
Não vamos agora discutir a sua necessidade – toda a gente sabe que não faz falta tão cedo; não vamos considerar a sua eventual importância para a TAP – a TAP até pode já nem existir à data da sua entrada em funcionamento; não vamos igualmente considerar a enorme pressão que as grandes empresas de construção civil fazem para que haja obra – as obras não existem para assegurar a existência de empresas de construção civil, as empresas de construção civil é que existem para fazer obras; não vamos tão-pouco considerar o impacto de uma obra desta envergadura sobre o emprego – pode ser muito inferior ao que se anuncia ou pode mesmo ter um efeito relativamente reduzido no relançamento da procura.
Vamos supor que a obra é necessária e altamente rentável, como em princípio são os grandes aeroportos das principais capitais. Vamos supor que as coisas são como o Governo nos diz que são.
Assim sendo, a primeira dúvida que um vulgar cidadão teria seria a seguinte: se o empreendimento é tão necessário e tão rentável por que não fica o Estado com a sua exploração e suporta os ónus da sua construção, como tem feito, através da ANA, em todos os demais casos?
Aí o Governo responde-nos: esse modelo não é possível, porque o Estado não tem recursos financeiros disponíveis para o investimento. E a gente volta a perguntar: por que não os obtém no mercado internacional, tal como seguramente vão fazer os que vierem a ficar com o encargo da construção e as vantagens da exploração? E o Governo vai seguramente responder-nos: Isso não se pode fazer, porque segundo as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento há limites ao endividamento estadual.
Bem, vamos fazer de conta que aceitamos esta resposta, embora a gente saiba que há, na na zona euro, Estados com altíssimas percentagens de endividamento. E vamos ainda fazer de conta que esse endividamento não seria amortizado em prazos relativamente rápidos, apesar da alta rentabilidade do negócio, se o aeroporto for de facto tão necessário como dizem que é. E vamos por fim fazer de conta que o Governo, no negócio que vier a fazer com os privados, não vai fazer o Estado português assumir vários riscos e inclusive garantir partes essenciais dos financiamentos por eles contraídos, como aconteceu com a Lusoponte e outras famosas “parcerias”.
Neste contexto, assim expurgado de todas as dúvidas, um consórcio provavelmente constituído por várias empresas portuguesas de construção civil, que se tenha candidatado à privatização da ANA e saído vencedor do respectivo concurso, ficará com o encargo de construir as infra-estruturas do novo aeroporto, cuja exploração lhe será dada em concessão por um determinado número de anos (não se sabe quantos), entrando o Estado neste negócio com o valor da ANA (como se vai determinar o valor da ANA sabe-o o Governo) e com as ajudas comunitárias a que tem direito para a construção do aeroporto.
Vamos supor que a entidade que sucede à ANA na gestão e exploração do aeroporto fica com um objecto de negócio semelhante ao que agora aquela empresa tem. Ou seja, com a gestão e exploração de todos os aeroportos nacionais, embora na Madeira exista uma empresa autónoma da ANA, ela é por esta dominada em mais de 90%. Portanto, para os efeitos que aqui se tem em vista, pode dizer-se que haveria uma gestão integrada de todos os aeroportos nacionais (3 no continente, 2 na Madeira e 5 nos Açores).
A ANA tem sido altamente lucrativa, apesar de nem todos os aeroportos o serem. A gestão integrada de vários aeroportos permite colmatar os prejuízos de alguns deles e terminar os exercícios sempre com grandes lucros.
A construção do novo aeroporto traduzir-se-ia assim num grande negócio para os privados e na privação de uma importante fonte de receita para o Estado. Dir-se-á que só assim será no primeiro período da concessão. Nos subsequentes tudo seria diferente…Enfim, se a gente nem sequer é capaz de prever, com alguma exactidão, o que se vai passar neste primeiro período, seria certamente muito arrojado supor o que se vai passar depois. A gente nem sequer faz ideia do número de anos por que a concessão vai ser concedida; que tipo de contas vão ser feitas para calcular esses anos; a que ritmo vai ser reembolsado o capital investido; como vai ser calculada a remuneração desse capital. Enfim, a gente não sabe praticamente nada, embora saiba, pelas experiências passadas, que se o negocio se fechar, como certamente vai acontecer, é porque ele será bom para os privados.
Mas há mais dúvidas. Os jornais têm noticiado com alguma insistência o interesse de empreendedores homens do Norte na exploração do aeroporto Sá Carneiro. Se o Governo ceder a estas pressões – e sabe-se como o Governo, tal como a carne, cede facilmente a tentações nestas matérias – deixa de haver uma gestão integrada dos aeroportos. E, se assim acontecer, é natural que os privados só queiram ficar com os que dão lucro e remetam para a exploração do Estado os que dão prejuízo. Por outro lado, suscita algumas dúvidas o interesse despertado pelo aeroporto do Porto, pois tendo sido nele realizadas importantíssimas obras de ampliação e modernização (verdadeiramente, há uma nova aerogare), é natural que esse aeroporto esteja ainda onerado com pesados encargos financeiros. No caso de privatização do aeroporto do Porto, os laboriosos homens do Norte também ficariam com todos os encargos financeiros actualmente existentes?
Arrisco-me a afirmar que o Governo saberá encontrar para todas estas questões uma resposta verdadeiramente neoliberal. Resposta cujos contornos nunca viremos a conhecer, por o governo seguramente entender que esses excessos de glasnost só nos criam angústias…
O Governo quer tornar irreversível o mais rapidamente possível a construção do novo aeroporto de Lisboa. É essa a razão que leva o Ministro das Obras Públicas, praticamente em cima das eleições, a lançar a primeira fase do concurso para a construção do novo aeroporto de Lisboa e para a privatização da ANA- Aeroportos de Portugal.
Não vamos agora discutir a sua necessidade – toda a gente sabe que não faz falta tão cedo; não vamos considerar a sua eventual importância para a TAP – a TAP até pode já nem existir à data da sua entrada em funcionamento; não vamos igualmente considerar a enorme pressão que as grandes empresas de construção civil fazem para que haja obra – as obras não existem para assegurar a existência de empresas de construção civil, as empresas de construção civil é que existem para fazer obras; não vamos tão-pouco considerar o impacto de uma obra desta envergadura sobre o emprego – pode ser muito inferior ao que se anuncia ou pode mesmo ter um efeito relativamente reduzido no relançamento da procura.
Vamos supor que a obra é necessária e altamente rentável, como em princípio são os grandes aeroportos das principais capitais. Vamos supor que as coisas são como o Governo nos diz que são.
Assim sendo, a primeira dúvida que um vulgar cidadão teria seria a seguinte: se o empreendimento é tão necessário e tão rentável por que não fica o Estado com a sua exploração e suporta os ónus da sua construção, como tem feito, através da ANA, em todos os demais casos?
Aí o Governo responde-nos: esse modelo não é possível, porque o Estado não tem recursos financeiros disponíveis para o investimento. E a gente volta a perguntar: por que não os obtém no mercado internacional, tal como seguramente vão fazer os que vierem a ficar com o encargo da construção e as vantagens da exploração? E o Governo vai seguramente responder-nos: Isso não se pode fazer, porque segundo as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento há limites ao endividamento estadual.
Bem, vamos fazer de conta que aceitamos esta resposta, embora a gente saiba que há, na na zona euro, Estados com altíssimas percentagens de endividamento. E vamos ainda fazer de conta que esse endividamento não seria amortizado em prazos relativamente rápidos, apesar da alta rentabilidade do negócio, se o aeroporto for de facto tão necessário como dizem que é. E vamos por fim fazer de conta que o Governo, no negócio que vier a fazer com os privados, não vai fazer o Estado português assumir vários riscos e inclusive garantir partes essenciais dos financiamentos por eles contraídos, como aconteceu com a Lusoponte e outras famosas “parcerias”.
Neste contexto, assim expurgado de todas as dúvidas, um consórcio provavelmente constituído por várias empresas portuguesas de construção civil, que se tenha candidatado à privatização da ANA e saído vencedor do respectivo concurso, ficará com o encargo de construir as infra-estruturas do novo aeroporto, cuja exploração lhe será dada em concessão por um determinado número de anos (não se sabe quantos), entrando o Estado neste negócio com o valor da ANA (como se vai determinar o valor da ANA sabe-o o Governo) e com as ajudas comunitárias a que tem direito para a construção do aeroporto.
Vamos supor que a entidade que sucede à ANA na gestão e exploração do aeroporto fica com um objecto de negócio semelhante ao que agora aquela empresa tem. Ou seja, com a gestão e exploração de todos os aeroportos nacionais, embora na Madeira exista uma empresa autónoma da ANA, ela é por esta dominada em mais de 90%. Portanto, para os efeitos que aqui se tem em vista, pode dizer-se que haveria uma gestão integrada de todos os aeroportos nacionais (3 no continente, 2 na Madeira e 5 nos Açores).
A ANA tem sido altamente lucrativa, apesar de nem todos os aeroportos o serem. A gestão integrada de vários aeroportos permite colmatar os prejuízos de alguns deles e terminar os exercícios sempre com grandes lucros.
A construção do novo aeroporto traduzir-se-ia assim num grande negócio para os privados e na privação de uma importante fonte de receita para o Estado. Dir-se-á que só assim será no primeiro período da concessão. Nos subsequentes tudo seria diferente…Enfim, se a gente nem sequer é capaz de prever, com alguma exactidão, o que se vai passar neste primeiro período, seria certamente muito arrojado supor o que se vai passar depois. A gente nem sequer faz ideia do número de anos por que a concessão vai ser concedida; que tipo de contas vão ser feitas para calcular esses anos; a que ritmo vai ser reembolsado o capital investido; como vai ser calculada a remuneração desse capital. Enfim, a gente não sabe praticamente nada, embora saiba, pelas experiências passadas, que se o negocio se fechar, como certamente vai acontecer, é porque ele será bom para os privados.
Mas há mais dúvidas. Os jornais têm noticiado com alguma insistência o interesse de empreendedores homens do Norte na exploração do aeroporto Sá Carneiro. Se o Governo ceder a estas pressões – e sabe-se como o Governo, tal como a carne, cede facilmente a tentações nestas matérias – deixa de haver uma gestão integrada dos aeroportos. E, se assim acontecer, é natural que os privados só queiram ficar com os que dão lucro e remetam para a exploração do Estado os que dão prejuízo. Por outro lado, suscita algumas dúvidas o interesse despertado pelo aeroporto do Porto, pois tendo sido nele realizadas importantíssimas obras de ampliação e modernização (verdadeiramente, há uma nova aerogare), é natural que esse aeroporto esteja ainda onerado com pesados encargos financeiros. No caso de privatização do aeroporto do Porto, os laboriosos homens do Norte também ficariam com todos os encargos financeiros actualmente existentes?
Arrisco-me a afirmar que o Governo saberá encontrar para todas estas questões uma resposta verdadeiramente neoliberal. Resposta cujos contornos nunca viremos a conhecer, por o governo seguramente entender que esses excessos de glasnost só nos criam angústias…
1 comentário:
Aqui está um texto de tal clareza e lucidez que só me merece um comentário. "elementary, my dear Watson".
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