quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A GRAVIDADE DA DECLARAÇÃO DE CAVACO SILVA



OS PROBLEMAS DE FUNDO QUE A DECLARAÇÃO LEVANTA

Todos corremos o risco de ficar atingidos pela falta de sensatez que paira na política portuguesa. Ao acordar muitos de nós interrogar-se-ão sobre se vivemos num país normal. Se é possível que um Presidente da República eleito pelo voto popular possa fazer uma declaração ao país para expor uma interpretação pessoal sobre factos ocorridos na campanha eleitoral. Quem acompanha a vida política internacional terá certamente muita dificuldade em encontrar no mais pobre dos continentes um recôndito país onde episódio semelhante se tenha passado. Todavia, aconteceu em Portugal.
O assunto é tão grave quanto caricato. É caricato porque os factos alinhados pelo Presidente da República e a sua articulação lógico-intelectual são de uma fraqueza e pobreza confrangedoras. É grave porque Cavaco Silva vai continuar no cargo por mais de um ano e percebe-se que ele não está em condições de lidar com qualquer governo que politicamente não domine. Por isso, os próximos tempos vão ser muito complicados.
A declaração de Cavaco Silva levanta dois problemas políticos de fundo.
O primeiro tem a ver com a próxima eleição presidencial. Não interessa neste momento estar a fazer prognósticos sobre se Cavaco Silva se recandidatará. Essa é uma questão que não nos interessa. Esse é um problema de Cavaco e da direita reaccionária que o apoia. Sem sectarismos e com todo o sentido da responsabilidade, com ou sem acordos prévios, terá de surgir muito rapidamente um candidato presidencial fiável, responsável e suficientemente equidistante das forças políticas de esquerda, que por todas elas possa, sem reservas, ser apoiado. Não tem necessariamente que ser uma figura apartidária, mas tem de ser uma figura desligada dos aparelhos partidários e suficientemente independente para ser credível. O Partido Socialista tem nesta matéria a principal e decisiva responsabilidade. Se tentar jogar a política do facto consumado sairá, mais uma vez, derrotado.
A segunda questão tem a ver com os poderes presidenciais. O regime semi-presidencial é o que, pela sua intrínseca natureza, está mais sujeito á instabilidade institucional se não houver correspondência política entre o Presidente da República e o Governo. Instabilidade agravada se a personalidade do Presidente for ela própria um factor acrescido de instabilidade. Em países de escassa tradição democrática, como o nosso, e com muita gente no activo ainda formada sob o salazarismo e a sua mentalidade, a questão agrava-se muito mais do que em França onde existe um regime semelhante e que também já passou pelas suas dificuldades. Mas tudo é diferente em França porque lá a perfídia política é um “valor” conscientemente assumido por todas as partes. Aqui entre nós não. Há uns que só tem “princípios”, “valores” e “verdade” e outros que apenas sabem conviver com a “manipulação”, as “manobras de diversão” e a “falta de carácter”.
É, portanto, óbvio que num clima destes não há semi-presidencialismo que resista. Admito que seria traumático para a memória política portuguesa e para o imaginário político da generalidade dos eleitores ter um Presidente da Republica que não fosse eleito pelo sufrágio universal. Portanto, esse será um dos pontos onde não se deve tocar para não descredibilizar ainda mais as instituições. Mas vai ser necessário reduzir os poderes do Presidente para que ele deixe de ter qualquer hipótese de se transformar num factor de instabilidade.
Aponto duas alterações fundamentais, considerando desde já irrelevante a sua não concordância com os cânones habituais de arrumação dos sistemas políticos: primeira, o governo depende apenas da confiança do parlamento, estando o Presidente da República obrigado a aceitar a formação do governo pelo partido mais votado; segunda, o Presidente da República não pode dissolver o parlamento por decisão própria, nem exonerar o governo por sua iniciativa.
Com estas duas alterações cessavam definitivamente as tentações executivas do Presidente da República e o regime ganharia estabilidade. O executivo ficaria exclusivamente dependente da aceitação parlamentar e popular das suas políticas e deixaria de sofrer as intrusões de quem não foi eleito para governar!
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4 comentários:

Anónimo disse...

A mim não me interessa a inabilidade política de C.S. Desde o início da sua carreira tento perceber os "mecanismos" do fenómeno político. C.S. era um assistente que tinha dificuldde em enfrentar uma turma de jovens de 19-20 anos. Noutros sítios há outros casos que me causam a mesma perplexidade, veja-se, por exemplo, o caso Berlusconi. O discurso que ontem leu tem, inclusive, um ou dois flagrantes erros de sintaxe. Agora há uma coisa que eu não entendo no autor deste "post". Então os portugueses ficavam "traumatizados" se lhes fosse retirada a possibilidade de eleger directamente o P.R. e não o ficavam se, elegendo-o dessa forma, não passasse de uma peça decorativa? Admito a linearidade do meu entendimento, mas não entendo!

Anónimo disse...

O actual PR sempre revelou total inabilidade para o exercício dos diferentes cargos políticos que lhe têm entrado pela adentro. Fez um razoável mandato como 1º Ministro, o primeiro, em resultado da abundancia de então. Qualquer um o teria feito, talvez mais e melhor. Ele deveria ter ficado por ali e não se ter envolvido - e a nós também - em mais aventuras. Reflectindo um pouco no resultado da legistativas, pergunto; qual é a diferença entre uns e outros, eleitores e eleitos? Acho que estão todos em perfeita sintonia.
Com os graves problemas com a estruturas da saúde, justiça, educação, desemprego, uma divida externa colossal e a aumentar a um ritmo assustador, o PR vem solenemente anunciar aos Portugueses, que membros do partido do governo não lhe deixaram descansar nas férias e que o seu computador tem vulnerabilidades. Logo a seguir vem o partido do governo responder que não! E anuncia "cortar o mal pela raiz" dizendo do PR o que o Maomé não disse do toucinho.
Nota-se que estamos a caminhar rápidamente para o fim de um ciclo e a iniciar no curto prazo outro mais ou menos parecido. Sem "isto" e a "bola" os Portugueses vivem deprimidos. Agora vem o tempo frio; um bagacinho, cigarro no canto da boca, mãos nos bolsos e lá vamos andando. A Europa que se preocupe! Eles que trabalhem

JM Correia Pinto disse...

Respondendo ao primeiro comentário. Reconheço que a questão não é fácil, mas a proposta que formulo não reconduz o presidente a uma figura decorativa e tenta ser uma solução de compromisso entre duas outras hipotéticas soluções que claramente também não nos servem.
Não nos serve um regime totalmente parlamentarista em que o presidente seja escolhido pelo parlamento. A memória da primeira república e os seus insucessos estão muito presentes na história da república em Portugal para se poder regressar com êxito a esse sistema. Por outro lado o presidencialismo, embora pudesse apresentar algumas vantagens num país como o nosso, não resolveria o problema de fundo que o semi-presidencialismo encerra. Infelizmente, os actores políticos portugueses, ou muitos deles, não estão preparados para viver no conflito político, porque entendem a política, como aqui muitas vezes tenho referido, como um jogo de resto zero.
No imaginário político do eleitorado a figura do presidente como figura tutelar conta. E à época do 25 de Abril, além de todas as outras razões, havia na memória a eleição roubada a Delgado e a batota constitucional que se lhe seguiu. Por isso, o presidente não poderia deixar de ser eleito por sufrágio directo e universal. E deve continuar a sê-lo.
É possível encontrar alguns equilíbrios sem transformar institucionalmente o presidente nem numa figura decorativa nem num órgão com tentações executivas, logo um factor de instabilidade. Que uma personalidade como Cavaco é o exemplo paradigmático.

jvcosta disse...

Concordo inteiramente com os argumentos do JMCP baseados no imaginário, na memória das eleições de 58. E também acho, como ele, que, pouco a pouco, devemos ir fazendo aproximações a um parlamentarismo mais vincado.

Segunda nota, sobre a vox populi. Segui hoje 3 programas diferentes daqueles típicos com intervenção telefónica do público. CS foi eleito com grande maioria. Teoricamente, ainda deve ter o aopio da direita. No entanto, entre muitas dezenas de opiniões que ouvi hoje, menos de uma mão cheia o apoiavam. Afinal, o portuga talvez não seja tão parvo como alguns julgam. Talvez reajam como eu ontem, no meu site: "CS está a gozar comigo, a tomar-me por parvo? É coisa de que não gosto, chateia-me, pá"