sábado, 19 de setembro de 2009

NO RESCALDO DAS ESCUTAS

A CONCLUSÃO QUE SE IMPÕE

Nada de verdadeiramente novo aconteceu de ontem para hoje no famoso caso das escutas, salvo a confirmação, de que ninguém ontem já duvidava, da participação de Cavaco Silva na “Notícia” do Público. O próprio Pulido Valente não tem dúvidas em afirmar que Fernando Lima, homem da máxima confiança de Cavaco há muitos anos, nunca iria ter com o director do Público sem a sua autorização.
O que é espantoso é que o mesmo comentador ache normal que o Presidente da República tendo suspeitas de um acto gravíssimo, que estava na sua mão resolver, recorra aos meios de baixa política para criar na opinião pública um clima de rejeição do governo em vez de o tratar no local próprio e pelos meios adequados.
O acto em que está implicada a Casa Civil do Presidente da República é grave, por todas as razões que em posts anteriores já foram invocadas, mas também porque, a avaliar pelos elementos que vieram a público, as suspeitas parecem assentar em factos normalíssimos a que uma mente sadia não atribuiria qualquer relevância. O próprio jornalista do Público contactado para “montar” a conspiração tem plena consciência disto mesmo e apenas atribui grande importância ao caso por ele ser revelador do estado a que chegaram as relações Belém/S. Bento.
E aqui intervém uma outra consideração que não pode deixar de fazer-se e que também não pode constituir novidade para ninguém com um mínimo de experiência política. Cavaco lida muito mal com a diferença. Foi assim durante todo o tempo em que foi Primeiro-ministro e é assim agora. Cavaco foi formado no regime salazarista, como toda a gente da sua idade, sem que se conheça durante os longos anos que viveu em ditadura qualquer manifestação contra o regime. Vamos aceitar o facto e considerá-lo, se não normal, pelo menos insuficiente para fazer um juízo sobre seu apego aos valores democráticos. Há muita gente que fez a aprendizagem democrática depois do 25 de Abril e não devemos em homenagem a nenhum tipo de direito histórico fazer uma diferenciação entre os democratas anteriores e posteriores à Revolução dos Cravos, com óbvia salvaguarda dos casos de manifesto oportunismo.
Para quem exerce altos cargos políticos a aprendizagem democrática faz-se no confronto permanente de ideias e, principalmente, na adversidade, quando se está em minoria. Enquanto esteve no Governo, Cavaco desvalorizou o Parlamento e raramente lá aparecia para defender a sua política, salvo nos poucos casos em que a Constituição o impunha. Depois, quando deixou de ser governo, nunca esteve no parlamento, em minoria, a ter que se defrontar no dia-a-dia com a maioria parlamentar. Afastou-se para preparar pelo silêncio e pela criação do mito do homem providencial a eleição para Presidente da República. Confrontado com a maioria absoluta de um partido cujo ideário detesta, não obstante a similitude de pontos de vista em tantas e tantas áreas, Cavaco não se sente à vontade a não ser com os “seus”. Ou seja, com aqueles sobre os quais exerça uma autoridade indiscutida e indiscutível e que, no essencial, o sigam sem hesitações.
Enquanto o PSD era governado por gente que ele considerava “moeda fraca”, não teve outra alternativa senão entender-se com o governo. A partir do momento em que no PSD apareceu “gente sua”, a crispação relativamente ao governo não se fez esperar.
Não está em causa a defesa deste governo, nem das suas políticas. O que está em causa é a atitude do PR relativamente ao executivo e à vida política em geral. É por isso que se impõe como tarefa primordial e prioritária de todos os democratas preparar com tempo e com êxito uma alternativa a Cavaco Silva na Presidência da República.

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