quarta-feira, 26 de maio de 2010

AINDA O ARTIGO DE JURGEN HABERMAS




O QUE NINGUÉM QUIS VER

O artigo de Habermas citado no post anterior é a vários títulos notável. O grande filósofo alemão retrata com grande rigor o novo posicionamento da Alemanha na Europa, as suas causas e as suas mais que prováveis consequências.
Quem está familiarizado com as relações internacionais há muito detectava indícios do que estava para acontecer logo que as condições estivessem reunidas.
O primeiro importante indício foi o acórdão do Tribunal Constitucional Alemão, sobre a ratificação do Tratado de Maastricht. Logo aí estavam à vista as linhas mestras do que iria ser a política alemã no quadro comunitário, nomeadamente no que respeita à moeda única.
Vale a pena recordar um pequeno episódio indiciador da importância que o caso mereceu nos meios políticos portugueses.
Quando Guterres organizava as suas hostes para derrotar o Cavaquismo, muita gente que nunca tinha estado ligada ao PS participou nesse amplo movimento de mudança que urgia introduzir na vida política portuguesa. Numa das reuniões em que participei, sobre assuntos comunitários e internacionais, falei naquele acórdão, no que ele tinha de novo relativamente à política alemã do pós-guerra e até levava para distribuir pelos presentes, todos, ou quase todos, ministeriáveis, vários exemplares fotocopiados de um interessante artigo, de cerca de uma dezena de páginas, que o resumia e comentava, publicado num número da Geopolitique todo ele dedicado à nova Alemanha reunificada.
Com excepção de Medeiros Ferreira, ninguém ligou absolutamente nada ao assunto, de tal modo que guardei as fotocópias e somente a ele lhe deixei uma (ainda um dia destes falámos disto por e-mail).
Bastante mais tarde, no início do Governo Durão Barroso, lembro-me também de ter trocado correspondência com Luis Amado, ao tempo na América, em Georgetown, sobre aquilo a que então chamei o “Grito do Ipiranga” da Alemanha, então já muito patente na política de Schröder, viragem que poderia passar relativamente despercebida por estar mesclada por uma onda de simpatia que na Europa acompanhava as posições anti-Bush e anti-Guerra do Iraque e de, inclusive, haver, objectivamente, uma sintonia daquela política com a francesa de Chirac.
A verdade é que a Alemanha, como Habermas reconhece, nunca mais foi a mesma na Europa. Viragem que o recente acórdão do Tribunal Constitucional sobre o Tratado de Lisboa (cujo significado e sentido que os media portugueses e alguns políticos, estes não sei se por má fé ou por ingenuidade, interpretaram exactamente ao contrário do que ele politicamente queria dizer), acabou por consagrar dando lugar a posições nunca antes assumidas por nenhum Estado da União Europeia.
A famosa tese jurídico-política da rejeição ultra vires de tudo o que vier de Bruxelas que não caiba no quadro das estritas delegações de competência que os tratados recolhem, levou, em nome da soberania popular e da autonomia do povo alemão, a que passasse a haver uma espécie de visto prévio do Parlamento alemão sobre toda a acção comunitária relevante.
Esta profunda alteração estrutural da política europeia, resultante do novo posicionamento alemão, tem as suas causas na própria Alemanha, como Habermas sublinha, desde logo na reunificação e suas sequelas, nas mudanças geracionais, e em vários outros factores endógenos, mas também indiscutivelmente na atitude dos seus parceiros europeus. Antes de mais na França e em Sarkozy que, com a sua hiperactividade volátil e completa ausência de uma consolidado linha política coerente, muito tem contribuído para a situação actual. Depois, há as causas directamente económicas, a vertigem neoliberal que a Inglaterra e os seus aliados potenciaram e impulsionaram com vista à substituição de uma ideia política de Europa por um vasto mercado livre sem regras, nem freios. E, finalmente, a completa subserviência e ausência de iniciativa política dos demais, nomeadamente depois de se terem apercebidos das fragilidades francesas.
Alguns preferiram gerir o quotidiano, outros sonhavam com a relação transatlântica, enquanto a Alemanha ia fazendo o seu caminho.
Não me admiraria nada, pela feição que as coisas estão a tomar, que ainda venha a ser a Inglaterra a pôr algum travão nisto…

1 comentário:

Anónimo disse...

Se tivesses feito uma visita no domingo ao GZ, já o tinhas encontrado.

Abraço.

RN