O ABISMO ESPERA-NOS SE...
Dificilmente se vivem tempos como os actuais. Tanto pela experiência de vida como pela história podem viver-se ou conhecer-se épocas marcantes, qualquer que seja o critério adoptado. Períodos de euforia, de luta, de esperança, de desânimo, de guerra, enfim, os mais variados acontecimentos que o género humano e a natureza são capazes de proporcionar.
Mas dificilmente se terá vivido, considerando o nível de desenvolvimento moral e civilizacional já atingido pela humanidade, um período em que se assista a um saque tão escandaloso do património da maior parte da sociedade por um punhado de especuladores que, dominando o capital financeiro, transformaram a generalidade dos governos em verdadeiros lacaios dos seus interesses, incapazes de um gesto de independência relativamente a esse domínio.
Enquanto os mercados de capitais não forem atacados com a mesma eficácia e com a mesma convicção com que se ataca um bando de ladrões não voltará a haver tranquilidade no mundo. Cada um tem de fazer a sua parte, tendo sempre presente que não pode contar com os governos nem com qualquer apoio institucional para travar este combate.
Mas como isto não vai lá com palavras, têm de ser os povos à medida que vão sendo atingidos pelo saque e vão ganhando consciência da magnitude do que está em jogo a travar essa luta com todos os meios que tiverem à mão sem outra preocupação que não seja a de obter um resultado: derrotar o capital financeiro!
Para que se faça uma ideia: nos últimos anos, a economia mundial cresceu à volta de 4%; o comércio mundial 4,5%; e o movimento de capitais 60%! Como é possível conviver com um sector financeiro que em algumas décadas cresceu várias vezes mais do que a economia real?
É neste contexto que se inserem as novas medidas acordadas em Bruxelas para Portugal e outros países. Através dessas medidas não se trata, como a experiência já demonstrou, de fazer conjunturalmente sacrifícios para garantir a médio prazo o crescimento da economia, o desenvolvimento económico, o fomento do emprego, enfim, aqueles objectivos que justificariam um sacrifício presente para alcançar uma vantagem futura.
Nada disso. O resultado destes sacrifícios é estagnação económica, mais desemprego, menores salários, mais encargos. E quem ganha com isso? Antes de mais vão ganhar todos aqueles que tiverem de pagar menores salários, aqueles para os quais forem transferidos os bens públicos rentáveis e, obviamente, o capital financeiro que, continuando a fazer empréstimos a preços especulativos, duplicará, triplicará, facilmente os lucros e terá por aquela via garantida o reembolso da dívida…que não cessará de crescer.
Por outro lado, a Europa no seu conjunto enfrenta um problema de competitividade tal como o mundo é entendido. E se neste contexto há questões a curto, médio prazo, incontornáveis, como a questão demográfica, outras há que somente são questões porque o capital organizou a vida das pessoas e das sociedades de tal modo que transforma num problema de competitividade aquilo que à partida não o era. Referimo-nos fundamentalmente aos movimentos de capitais, à actividade financeira no seu conjunto, mas também aos produtos agrícolas, pecuários e manufacturados oriundos de países terceiros, nomeadamente emergentes.
Em primeiro lugar, a dificuldade em atacar estas questões resulta de estarmos a lidar com um grande espaço económico livre que não está sujeito a uma direcção política única. Contrariamente ao que se passa com outro grande mercado – o dos Estados Unidos – onde se podem tomar medidas de natureza política uniformes a partir de um único centro de decisão, na Europa isso não acontece: não há qualquer governo uniforme da economia. O único governo que existe é a ausência de governo.
Enquanto as coisas continuarem assim os países europeus, uns mais do que outros, mas todos em geral, vão continuar a agravar os desequilíbrios nas suas balanças de pagamentos e comerciais de nada valendo o chamado equilíbrio orçamental que, sendo feito nos moldes preconizados por Bruxelas, ainda contribuirá para agravar mais aquele desequilíbrio. Alguns podem momentaneamente mascarar esses desequilíbrios à custa da criação de desequilíbrios dentro da própria União, como em certa medida se está a passar com a Alemanha, mas isso não resolve o problema, como a crise dos países do sul amplamente ilustra, já que por essa via se mantém o desequilíbrio estrutural do conjunto apenas o transferindo geograficamente de um país para outros
Em conclusão, as medidas anunciadas ou a anunciar pelo Governo apenas servem para consolidar o saque acima referido sem que entre elas e o chamado interesse geral haja qualquer coincidência. Não é que este governo seja particularmente perverso, ou que outro do mesmo quadrante sistémico possa fazer diferente, o que se passa é que este é o lacaio de turno.
Por outro lado, tais medidas e tudo o que lhes está associado demonstram que o voto popular perdeu sentido e de nada vale perante os poderes da finança, como de resto o ministro Santos Silva com a sua conhecida falta de talento e de vergonha já se encarregou de confirmar.
Só que esta conclusão engendra outra. Se de facto o voto nada vale, porque o seu sentido pode ser mudado por via de um poder que o condiciona e desvaloriza, então este problema não pode ser resolvido através do voto. Tem que ser resolvido por outra via!
6 comentários:
A análise está certa. O mesmo é dizer que é a que eu faço. Fazer o diagnóstico certo é meio caminho andado falta agora o remédio.
O marxismo continua bom instrumento para o diagnóstico: os governos europeus são meros empregados do grande capital financeiro até no sentido estrito os ministros, uns vieram da banca outros esperam para lá ir quando forem relevados na tarefa. Para os bancos ou para as grandes empresas deles dependentes ou a eles associadas ou fazendo parte do mesmo corpo. Que pode fazer um ministro das finanças ou um 1ºM se o que mais ambiciona é, após uma governação como "bom aluno" arranjar um job que lhe dê os tais 1, 2 ou 3 milhõezitos ao fim do ano. E como alcançar tal prémio se não fizer no Governo o que os patrões da finança lhe mandam fazer ou ele mesmo se esforça por adivinhar.
Pois, a revolução. Mundial, ou continental.Mas está tudo muito difícil a curto prazo.Nem doutrina, nem lideranças e muito circo para entretar e anestesiar.
Há ali algo que não é muito claro:
"nos últimos anos, a economia mundial cresceu à volta de 4%; o comércio mundial 4,5%; e o movimento de capitais 60%! Como é possível conviver com um sector financeiro que em algumas décadas cresceu várias vezes mais do que a economia real? Movimento de capitais tem natureza e alcance diferente. Movimento financeiro aumentou talvez alguns centos de vezes se tivermos em conta que os capitais agora movem-se ao toque de uma tecla dia e noite. Há que "esmiuçar" melhor a comparação.
Parabém pelo blog. Se oferecer as análises ao Público ou ao Expresso, já nem digo ao Sol, à imprensa livre, aposto que lhas compram :)
Zé do Rebanho (Um dos que aguarda a tosquia).
Subscrevo!
Não restam dúvidas de que os governos não governam mais. Mesmo que quisessem governar – o que não é certo que todos queiram - estão atados de pés e mãos a uma teia que, na sua acção alastradora e açambarcadora, lhes é quase indiferente. Hoje, os governos têm que lidar de forma muito desigual com duas grandes ameaças que lhes consomem a grande fatia da sua acção: a comunicação social e os interesses que a dominam, e a especulação financeira. Se juntarmos a isto a natureza e formação de grande parte dos nossos políticos, facilmente concluímos sobre qual o resultado esperado.
No caso europeu, o disparate ainda foi maior: entendeu-se que a integração resultante dos compromissos e interesses políticos resolveria o resto. Tentar meter no mesmo saco, culturas, economias e realidades sociais tão diversas de forma tão precipitada, só porque politicamente era … conveniente, apenas podia dar asneira. Estamos vendo o resultado. E ainda vamos ver mais e pior!
E onde estão os responsáveis? A maioria em altos cargos nacionais ou internacionais, recebendo chorudos rendimentos e contribuindo para o aumento da circulação dos capitais estéreis, geradores de “riqueza” improdutiva e não sustentada. Que lhes acontecerá? Nada. A não ser ficarem cada vez melhor de vida, pagando aquilo a que chamam “custos políticos” e escrevendo os mais diversos disparates tentando justificar que, afinal, fizeram tudo bem tendo em conta a conjuntura. O problema, afinal, é o de sempre: a conjuntura. E assim andamos, de conjuntura em conjuntura.
JR
Há muita gente que não quer acreditar, mas tudo o que estamos a passar faz parte dum plano descrito no livro "CLUBE BILDERBERG, TODA A VERDADE" (do Russo-Canadiano Daniel Estulin, Edição Europa-América), que consegue arranjar na FNAC por 23,90 €.
Quem não leu o livro, e ouviu falar nesse clube, pensa que é mais uma teoria da conspiração, mas, se é assim, o que é que Balsemão, Sócrates, Paes do Amaral, Santana Lopes, entre outros, andam lá a fazer?
Leiam, leiam, que só vão ficar esclarecidos.
Portanto temos dois problemas principais:
-Crise Geral do capitalismo, assumindo este características únicas na história, concordo, em grande nedida conseqiÊncia da "queda do muro", é o capitalismo qual cavalo sem freio.
-Crise especial resultante da arquitectura da UE, em que também concordo com a análise do autor.
Agora os problemas específicos dos países do Sul resultam em boa parte de condicionantes culturais. Isto não é politicamente correcto mas é o que se pôde constatar em Portugal nas últimas décadas: A falcatrua, a vigarice, o chico-espertismo, o desleixo, a indolência, uma certa maneira de ver o Estado (que consideramos uma coisa alheia) etc. etc. Exemplo: -Novas Oportunidades- basta ler os prospectos de divulgação dos "centro de acreditação", uma vigarice monumental, no entanto está toda a gente satisfeita porque, do pé para a mão, mesmo se analfabeto, se obtêm a equivalência a qualquer coisa.
A crise pode ser geral e de Sistema, mas nós adicionámos-lhe ingredientes que a tornaram explosiva.
Concordo genericamente com os comentários, que agradeço, e muito especialmente com os tais "ingredientes" que os países do Sul acrescentam à crise.
A título de exemplo: se é verdade o que o Público hoje noticia a respeito das carruagens da CP enviadas, em bom estado, para a sucata do Godinho, o mínimo que se pode dizer é que há uma presunção de delinquência de quem está á frente ou ou lugares de direcção das empresas públicas ou partiucipadas, presunção extensível em grande medida a quem governa ou administra aos mais diversos níveis.
Em conclusão: assim é difícil!
Esta sua análise vem ao encontro daquilo que eu tenho pensado ultimamente e que é o seguinte: se são os "mercados" que mandam, para que é que votamos em políticos? Parece que é/era para nos governarem ...
Então, se são os "mercados" que nos governam, porque é que não passamos a votar neles?...
Não vai ser fácil dar a volta a esta sociedade.
Já agora, uma outra ideia, se o problema do mundo é sempre a falta de dinheiro, porque é que em vez de fecharem as fábricas não as põem a produzir dinheiro? Há um terramoto no Haiti é preciso dinheiro, há uma tempestade na Madeira é preciso dinheiro, etc., etc.. Façam dinheiro até encherem a barriga!
Carlos Marques
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