sábado, 22 de maio de 2010

CARLOS BRITO




UM LIVRO SOBRE ÁLVARO CUNHAL

A meio da semana passada alguém me disse que o Carlos Brito iria lançar um livro sobre Cunhal, no qual seriam reveladas confidências, factos que ninguém conhece, assim qualquer coisa a cheirar a sensacionalismo.
A minha reacção foi imediata, não conheço o livro, nem sequer fazia ideia da sua existência, mas conheço Carlos Brito e posso antecipadamente garantir que isso não é verdade.
Conheci Carlos Brito logo a seguir ao 25 de Abril e contactei-o com frequência, principalmente a partir do momento em que eu desempenhava funções oficiais em S. Bento, na sede da Presidência do Conselho de Ministro.
Apreciava no Carlos Brito a delicadeza no trato, a humildade com que discutia todos os assuntos sem dogmatismos nem autoritarismos de qualquer espécie, a sua extraordinária capacidade para compreender o outro, a sensatez das suas análises políticas, o seu profundo humanismo e o carácter não impositivo das suas conclusões.
Era um prazer falar com Carlos Brito. Depois, a Revolução regrediu, os contactos foram escasseando e eu fui acompanhando, como toda a gente, a sua brilhante carreira no Parlamento, creio que por mais de 15 anos, à frente da bancada parlamentar do PCP.
Pelo meio, ainda alguns episódios em que fui interveniente que apenas confirmam a opinião que eu já tinha sobre a inteireza do seu carácter.
Um dia, creio que no fim da década de 70, marcou uma reunião comigo para me convidar, em nome do PCP, a integrar, como independente, um órgão de direcção e superintendência de um órgão de soberania. Foi-me expondo a situação e a dada altura disse-me: “Nós até já tínhamos sondado ou quase convidado a “personalidade X”, mas depois, numa reavaliação que fizemos da situação, achamos que não era a pessoa adequada para o lugar”.
Mal ouvi o nome da dita personalidade, um grande amigo meu, disse ao Carlos Brito: “ A minha decisão está tomada. É não.” E expliquei porquê.
Carlos Brito não contava manifestamente com a resposta, mas depois das minhas explicações aceitou-a sem insistir.
Passado dias telefonou-me e disse-me. “ Não te importas de marcar na tua casa uma reunião com o tal teu Amigo para discutirmos aquele assunto de outro dia”.
Com todo o gosto”, respondi. “Mas atenção, Carlos, eu não vou aceitar”.
Não te preocupes”, foi a sua resposta.
No dia aprazado a reunião fez-se. E então o Carlos Brito explicou à dita personalidade que o Partido tinha mudado de opinião, porque tanto o PS, como o PSD, estavam a nomear militantes com algum peso na hierarquia partidária para integrar aquele órgão e que o PCP face a esta nova situação teria de agir do mesmo modo. E indicou a pessoa escolhida: um deputado, que, se a memória me não falha, era suplente do Comité Central.
À saída, Brito disse-me: “Assim, ficas ao abrigo de qualquer intriga”.
Pois bem. O livro do Carlos Brito que eu comprei na 5.ª feira à noite, na Feira, e de que já li cerca de dois terços, confirma o excelente conceito em que todos os seus amigos o têm. É um livro sério, vibrante, como vibrantes foram os tempos que ele relata, bem escrito e factual.
Não há “ajustes de contas”, não há desforras, não há maledicência despeitada, há grandeza e opinião sobre acontecimentos, de que ele foi também um grande intérprete, exposta com elegância, raras vezes directamente, a maior parte das vezes deixada subliminarmente ao leitor, sem cinismo, nem hipócrita ironia, pelo simples confronto dos factos com as proclamações que os antecediam ou lhes sucediam.
Voltarei ao tema, a propósito de algumas questões relevantes.
(O livro "Álvaro Cunhal, Sete Fôlegos do Combatente, Memórias, editado por "Edições Nelson de Matos" será apresentado na Buchholz, no dia 27 de Maio, às 18h 30m)

4 comentários:

Ana Paula Fitas disse...

Caro amigo JMCorreia-Pinto,
Obrigado por ter comentado o livro... fico sempre com uma certa resistência quando se colocam as hipótese de "ajustes de contas" Aa posteriori"... por isso, o seu texto ajudou-me, de facto, a decidir: vou ler!
Um abraço :)

JM Correia Pinto disse...

Obrigado,Ana Paula, pelo seu comntário.Trata-se de uma época que conheço muito bem e que segui muito por dentro, sem deixar de saber o que toda a gente, à época, poderia saber...por fora.
Mas é uma época sobre a qual foram veiculadas muitas, muitas mentiras que depois se tornaram verdades oficais, de tal modo que, quase quatro décadas depois, quando alguém aparece a relatar os factos, a descrever o que se passou, constitui uma novidade.
Claro que tenho algumas dúvidas sobre certos factos, às vezes porque são complexos, outras porque não são muito racionais - o que é normal numa Revolução - embora para os esclarecer não baste um qualquer papel ou um testemunho, a partir dos quais se faça uma imputação simples.
O livro do Vasco Lourenço também o considero importante e referi-o aqui no Politeia. Assim como acho importante o da Maria Inácia Rezola. No plano dos factos, nada que eu não conhecesse. Mas permitem uma melhor compreensão de certos episódios.
Hei-de voltar ao do Brito para levantar certas questões.

anamar disse...

Zé Manel,
vinda de si ainda fquei mais optimista com o livro de Carlos Brito, cuja sinopse , no Expresso,
me agradou...
Vou registar....
Abraço
Ana

Anónimo disse...

Os amigos s+ao para as ocasiões.
Depois vem aquela frase lapidar ( ou descarada mentira) L Álvaro Cunhal NÃO ERA Stalinista. e perdi TODA a vontade de ler o livro : é que toda a gente ficou absolutamente ilucidada pelas repetidas manofesações públicas de Álvaro Cunhal em repúdio pelo
antigo Presidente da URSS . . .
Portanti da tal *honestidade* e * abertura* do Brito, estamos conversados . . .