sexta-feira, 28 de maio de 2010

ÁLVARO CUNHAL SETE FÔLEGOS DO COMBATENTE




MEMÓRIAS, ESCRITAS POR CARLOS BRITO

Já aqui tinha feito referência ao livro de Carlos Brito e ao seu autor, dois dias após a saída do livro.
Manuel Alegre fez hoje a principal apresentação do livro, na Livraria Buchholz, num painel que contava com outros oradores.
Foi uma exposição brilhante, objectiva, pontuada aqui e além com observações e opiniões pessoais, além das justíssimas palavras de apreço dirigidas a Carlos Brito, pelo livro, pela sua militância exemplar e pelo seu estimável contributo para a implantação do regime democrático em Portugal.
Há, porém, duas observações polémicas, como ele próprio admitiu, relativamente às teses de Carlos Brito, na interpretação que faz de dois momentos marcantes da acção política de Álvaro Cunhal e da intervenção do PCP na vida política portuguesa depois da Revolução de Abril.
Começando pela última, Alegre entende, contra a opinião de Carlos Brito, que o regresso, de facto, de Cunhal à direcção do Partido em 1999 e a derrota imposta à ala renovadora do “Novo Impulso”, constituiu o oitavo fôlego do grande resistente anti-fascista e do incansável lutador por uma sociedade socialista.
Alegre baseia-se na História. Cunhal receou que o “Novo Impulso”, tal como se veio a revelar com o “Grupo dos seis” ou com a “Terceira Via”, e mais ainda com a experiência dos partidos comunistas europeus posterior à Queda do Muro e à desagregação da União Soviética, acabasse por descaracterizar completamente o Partido e levasse mais ano menos ano ao seu inexorável fim.
Como Cunhal era acima de tudo um leninista, continua Alegre, o Partido, para ele, estava acima de tudo. E mais valia preservá-lo, mesmo com a sangria de muitos milhares de quadros, do que expô-lo aos riscos de uma renovação, que se sabe onde começa, mas nunca se sabe onde acaba. E até agora a História tem-lhe dado razão, concluiu Alegre.
Como se sabe, Carlos Brito e os renovadores não concordam, antes de mais porque nenhum elemento deste grupo se “social-democratizou”, no sentido relativamente pejorativo que hoje se tem do conceito, mas também porque acalentavam fundadas esperanças de dar um novo impulso ao Partido Comunista.
Estas é das tais discussões que nunca se vai saber quem tem razão, vistas as coisas numa perspectiva pragmática e avalorativa.
A segunda divergência tem a ver com a interpretação do “segundo fôlego” e suas consequências.
Alegre entende, contrariamente a Carlos Brito, que o denominado segundo fôlego, coincidente com o VII Congresso do PCP, realizado no Pavilhão dos Desportos de Lisboa, a 20 de Outubro de 1974, não consistiu numa amenização das orientações mais radicais da “Revolução Democrática e Nacional”, mas antes numa aceleração do processo revolucionário fundamentalmente traduzida na preferência dada à Aliança Povo-MFA, o mesmo é dizer, PCP-MFA, em detrimento das diferentes forças democráticas, nomeadamente o PS. E que tal opção haveria de marcar definitivamente o processo político português.
Esta é também uma discussão que não tem fim e que nunca poderá ser inteiramente compreendida nos seus pressupostos e desenvolvimentos sem atender a aspectos muito mais recuados da vida dos dois partidos.
Do lado de Manuel Alegre, diz-se o que acabamos de ler. Do lado de Soares – que diz em cada momento aquilo que fizer falta - até se chegou a dizer: “O que nos separa não é o marxismo, nem mesmo o leninismo. O que nos separa é o estalinismo”!
Do lado do PCP, o que se diz (melhor, o que se pensa) é que as alianças com o PS eram praticamente impossíveis. As posições do PS eram tão recuadas, nomeadamente nas questões económicas, e a sua incompreensão, durante a Revolução, pelos ideais que animaram o MFA era tão notória que qualquer entendimento com o PS representaria uma deslegitimação do MFA ou mesmo o seu colapso. No fundo, o PS, principalmente Mário Soares, queria uma coisa muito parecida com o que temos hoje. E ninguém, do outro lado, aceitava sequer pôr esse objectivo como hipótese.
Eu penso que o profundo fosso programático e ideológico que existiu e que continua a existir entre os dois partidos não tem solução, a menos que um dos partidos mude por completo a sua natureza, o seu código genético (o que é impensável), porque ele assenta em causas objectivas muito profundas que nenhum entendimento pode superar, melhor, que nenhum entendimento permite superar.
Pode haver aproximações meramente tácticas, em momentos muito particulares da vida política portuguesa, mas nas raras vezes em que tal aconteceu, passado pouco tempo, de um lado ou do outro, houve logo a preocupação de fazer regressar as coisas ao ponto de partida ou até mais para trás, para não haver dúvidas sobre o posicionamento de cada um.
Este afastamento não assenta na perversidade dos dirigentes políticos de um partido ou do outro, nem na possível instrumentalização das alianças políticas (que é um risco e um factor comum a todas as alianças), mas na génese dos dois partidos.
Se o PCP tivesse nascido de uma cisão do PS, como partido operário, como nasceu a maior parte dos partidos comunistas europeus, tudo seria indiscutivelmente diferente. Poderia haver ou ter havido lutas fratricidas, como houve noutros lados, poderia haver tudo ou ter havido o que se conhece da história do movimento operário europeu, mas haveria uma base comum, até uma linguagem relativamente semelhante. Certamente que os meios de um e de outro partido seriam diferentes, mas haveria uma, nem que fosse ténue, analogia de fins e de princípios que permitiriam, no mínimo, a recíproca compreensão
Nada disto se passa entre o PS e o PCP.
O PS (compreendendo os seus antecessores) nasceu nos escritórios de advogados das ruas da Baixa e sempre teve como matriz fundamental da sua acção política, a queda da ditadura (de preferência pelo golpe de Estado) e a democracia política, sem outras condimentações.
O PCP nasceu do movimento operário e anarco-sindicalista e sempre teve como objectivo fundamental, além da queda do salazarismo, a Revolução Socialista.

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