quinta-feira, 3 de abril de 2008

BUSH ESTRAGA PLANOS DE AMADO


A CONFERÊNCIA DA NATO EM BUCARESTE

Bush aterrou em Bucareste disposto a deixar a Rússia completamente cercada pela NATO (ver post anterior) e logo no primeiro dia insistiu no seu propósito de batalhar a favor da entrada da Ucrânia e da Geórgia na organização. Esta obstinação de Bush, ainda por cima em fim de mandato, só serve para irritar os aliados que nem em voz baixa querem por agora ouvir falar dessa eventualidade. Até o errático e hiperactivo presidente francês se opõe a essa proposta.
Amado, que tão empenhadamente tem trabalhado o desenvolvimento do Novo Conceito Estratégico da NATO com vista à integração nela da União Europeia, embora esteja de acordo com o objectivo de Bush, sabe, porém, que não é agora altura de falar no assunto e que esta insistência do presidente americano, inclusive rechaçada pelo Secretário-geral da organização, Hoop Scheffer, só serve para criar anticorpos na Europa e afastá-la de uma excessiva proximidade com a América, já que depressa se cria a convicção entre os Estados europeus que os americanos, em política externa, têm muita dificuldade em aceitar qualquer posição que não seja a sua. Que saudades de Clinton, nem que seja um Clinton de saias.
Mas a verdade é que as coisas não estão muito viradas para as congeminações estratégicas de quem pretende integrar a União Europeia na NATO. Vejamos o que se passa com no Afeganistão.
Bush considera a campanha no Afeganistão como mais uma frente da guerra contra o terrorismo. Conseguiu, na sequência do clima emocional gerado pelos acontecimentos do 11 de Setembro, meter lá a NATO (erro que vai ser pago bem caro), depois de derrubado o regime dos talibãs. Se numa primeira fase tudo parecia correr sobre rodas, hoje a "International Security Assistance Force" (ISAF) da NATO, para o Afeganistão, começa a defrontar-se com as mesmas dificuldades já experimentadas, embora num contexto muito diferente, pelos ingleses no século XIX (ver, Cartas de Inglaterra, Eça de Queirós) e, um século depois, pelos soviéticos. De facto, a NATO não consegue reforçar em 12 mil homens a força da ISAF, actualmente com 47 mil soldados.
Bush, que tem no Afeganistão mais de 20 mil homens, anunciou em Bucareste o reforço das tropas americanas em 3500 marines e pediu aos aliados que reforcem igualmente a sua participação com forças suplementares. Apesar de se estar – e vai ser essa certamente uma das pedras angulares da nova estratégia da NATO para o Afeganistão – a caminhar para a “afeganização”, algo que recorda a vietnamização, não estará para breve o regresso das tropas da NATO a casa. Muito pelo contrário, segundo o Secretário-geral da NATO, vai ser necessário permanecer lá por muitos anos. Ora, é exactamente esta perspectiva e o modo como o conflito se tem desenvolvido que assusta os europeus e os torna reticentes no envio de mais tropas, porque a experiência lhes diz que quantos mais soldados lá tiverem, mais dificuldades terão em sair.
A posição dos aliados europeus é, muito sumariamente, a seguinte: Portugal, diga o Ministro o que disser, vai desinvestir: envia um avião C-130 e 15 homens especializados em formação militar, mas em Agosto regressa a unidade de comandos integrada na força de reacção rápida da ISAF. A Espanha, que no passado reforçou a sua participação, para contrabalançar a retirada do Iraque, e que agora tem lá 750 efectivos, está muito renitente em aumentar as suas tropas e em levantar os caveats (limitações), que impedem o deslocamento de tropas para o sul, área de mais intensa actividade dos talibãs, ou a sua participação em acções ofensivas. A Alemanha poderá aumentar, mas não significativamente, as suas forças e somente a França, embora com grande contestação interna, se propõe fazê-lo. De qualquer modo, nunca se atingirá o número de reforços pedidos.
Actualmente, há no Afeganistão cerca de 60 mil soldados estrangeiros, dos quais 47 mil são da ISAF, a que se juntam cerca de 70 mil soldados afegãos, embora este número seja, segundo o comandante daquela força, Dan McNeil, francamente insuficiente para os fins em vista, já que um território como o do Afeganistão exigiria nunca menos que 400 mil soldados.
Tudo isto para concluir que a obstinada persistência do Ministro dos Negócios Estrangeiros na NATO, como pedra angular de toda a política europeia, parece votada ao fracasso e de nada vale enfatizar a viragem da política francesa, já que muito provavelmente ela não passará de uma chuva de verão…
Ponto interessante a analisar no futuro é de saber se há em Portugal, como já sugeri em post anterior, duas políticas externas, uma do Ministro (e, eventualmente, também do Governo, o que, em alguns casos, me permito duvidar) e outra do Presidente da República, nos domínios da sua competência constitucional. Pode também dar-se o caso de haver apenas uma retórica, infirmada pelos factos, sem força política para se impor.

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