sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

HOJE ESTOU SEM TEMA




PROCURO ASSUNTO E NÃO ENCONTRO

Eu sei que a culpa é minha. Assuntos não faltam. Mas não me motivam. Ou eu estou aquém dos que me motivam.
Claro que há toda a polémica à voltado casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas como vou participar nessa discussão se o casamento não regula os afectos? O António Hespanha aqui há anos proferiu uma interessantíssima “oração de sapiência” sobre a relevância do amor no Direito. Infelizmente não tenho o texto à mão. Se o procurasse, provavelmente encontrá-lo-ia, mas como estou “sem motivação” não estou para aí virado. Mas recordo-me bem de algumas ideias, muito interessantes. É o Código Civil que regula a repartição dos trabalhos domésticos entre os cônjuges? Quando há uma divergência, o cônjuge que se sente prejudicado saca do CC e obriga o outro ao comportamento devido? Ou vai para tribunal? Pois é, quando o Código Civil entra em casa, normalmente um dos cônjuges sai…
Podia ainda falar da abertura democrática de Sócrates relativamente aos “seus” deputados. Podia, mas para quê se todos sabemos que Sócrates é um amante da liberdade. Gosta tanto da liberdade que até tem dificuldade em compreender como é que pode haver gente que não esteja de acordo com ele…
Podia também falar de Obama, do Iémen, do Afeganistão, da CIA, da segurança aérea, mas certamente não iria dizer nada que já não tenha dito ou que outros disseram muito melhor do que eu. E, além do mais, para quê, se os republicanos já conseguiram convencer Obama de que ele está em guerra com o mundo que não concorda com América e que não tem outro remédio senão combatê-lo. Uma das grandes lições que aprendemos com Kapuscinski foi a de que quem luta, luta sempre por alguma coisa. E é preciso compreender muito bem por que lutam as partes em confronto, para se tentar alcançar a paz. Na União Europeia a fraseologia é mais hipócrita. Vai directamente para a consequência que justifica o confronto: e fala-se em “Estado falhado” normalmente antecedido pelo “Estado frágil” e ai temos nós a superioridade moral que tudo justifica.
Podia falar de poesia como fazem muitos dos nossos confrades quando os temas escasseiam. Mas li e ouvi tanta poesia de Lorca nestes últimos dias, numa interessantíssima conjugação de coincidências, que já não me sinto com o direito de recorrer ao You Tube e fazer vários links para La Casada Infiel, Prendimiento…e Muerte de Antoñito El Camborio e, principalmente, Romance De La Guardia Civil (isto para ficarmos no Romancero Gitano). Por falar em Lorca, alguém já reparou nestes versos de Romance Sonámbulo (“El largo viento dejaba en la boca un raro gosto de hiel, de menta y de albahaca…) e estes outros (“meu amor disse que eu tenho na boca um gosto a saudade e uns cabelos onde nascem os ventos e a liberdade…”). Les bons esprits se rencontrent.
Falar talvez de literatura. Em Espanha publicou-se no ano que passou quase tudo de Vasili Grossman. Os Anos de Guerra, Tudo Flui, Por uma Justa Causa e Vida e Destino. Muito haveria a dizer sobre Grossman. Como não sou especialista no ramo posso atrever-me a dizer que Vida e Destino é a obra-prima da literatura do século XX.
A edição portuguesa, da Inquérito, de 1985, feita a partir da primitiva edição francesa, é má e está incompleta. É má porque a tradução é má e não por ter sido feita a partir do francês, e está incompleta porque à época ainda se não tinha tido acesso a todo o manuscrito. A recente edição espanhola e a francesa são muito boas. Há em livro de bolso, muito manuseável, apesar das suas mil e tal páginas!

5 comentários:

Ana Paula Fitas disse...

Adorei!!!... Excelente texto!... vou integrá-lo no próximo Leituras Cruzadas (entre sábado e 2ªf).
Um grande abraço e votos de um excelente 2010!

anamar disse...

Para quem está "desmotivado", meu amigo, belo texto....
Hoje está é com mimo... e pô-lo cá para fora....
Abracinho
:))

Anónimo disse...

OBRIGADA

VM disse...

Olha, sabes que mais? Quando estou assim fico melhor se ler a "Carta a El-Rey Dom Manoel Sobre a Achaçam do Brasil" ou as "Cartas a Gorki". Mas isso sou eu que nunca escrevi uma carta.
Abraço.
VM

VM disse...

...e só não confesso que também vou ao "E Deus Criou a Mulher" com receio de que os meus amigos do PS e do BE achem que na actual conjuntura isso é politicamente incorrecto e me chamem reaccionário.
VM