segunda-feira, 22 de março de 2010

ALGUMAS NOTAS PARA A COMPREENSÃO DO "MODELO ALEMÃO"




A ALEMANHA E A CHINA: ALGUMAS SEMELHANÇAS

Depois da reunificação e durante cerca de dez anos, a Alemanha procurou reabsorver e integrar na sua economia, a economia do Leste, o que não foi tarefa fácil dada a grande diferença de níveis de desenvolvimento entre os dois territórios. Durante esse período, como dizem os historiadores, a Alemanha ocupou-se fundamentalmente dela própria. De 1989 a 1998 as exportações alemãs não cresceram e as importações até as superaram.
Com a chegada ao poder de Gerhard Schröder tudo mudou. Na Alemanha, como em muitos outros países da Europa, foram os socialistas e os social-democratas os primeiros a pôr em causa o modelo social saído da consolidação económica que se seguiu ao fim da segunda guerra e a adoptar as políticas neoliberais que, com matizes diferentes, dominam ainda hoje a generalidade das economias europeias.
Schröder, com base no famoso slogan: “mais vale que sejamos nós a fazê-lo do que a direita”, pôs em causa as políticas social-democratas tradicionais, nomeadamente o pacto-social em que assentou o chamado “milagre económico alemão, e conduziu uma política orientada para a compressão ou diminuição dos custos do trabalho e para a limitação dos custos dos sistemas sociais considerados muito generosos (duração do subsídio de desemprego, idade da reforma, etc.).
Schröder, de parceria com os Verdes, pôs em prática uma política que a direita não se atreveria a concretizar e que nem sequer Blair, apesar de navegar em algumas das mesmas águas, ousou levar tão longe. Esta política que colheu o aplauso generalizado dos grandes patrões levou, como todos se lembram, a uma debandada do SPD com desfiliações em massa do mais velho partido operário da Europa. Quase 50% dos militantes abandonaram o partido.
Sem um partido minimamente identificado com os interesses de quem trabalha, estavam criadas as condições para a chantagem permanente do patronato sobre os sindicatos: "ou os salários se comprimem ou é o desemprego o que nos (vos) espera"!
A mesma política continuou a ser seguida pela Grande Coligação, agora com Merkel ao leme, embora de modo menos brutal. Mesmo assim, o governo subiu três pontos percentuais a taxa do IVA, o que, obviamente, penalizou o consumo e as importações.
Mercê desta política, entre 1998 e 2008, os custos salariais unitários na Alemanha cresceram 4,4%, algo sem paralelo na União Europeia: na zona euro o crescimento médio foi de 19% e no Reino Unido de 28%! Por outro lado, a componente salarial na taxa de valor acrescentado baixou na Alemanha muito mais do que noutras grandes economias, como por exemplo a francesa, o que significa que os ganhos de produtividade não reverteram para a massa salarial na mesma proporção.
É esta brutal compressão salarial, sem paralelo na Europa, que leva a uma diminuição considerável da procura interna e das importações e a um aumento significativo das exportações para a zona euro.
O consumo interno da Alemanha que era muito superior ao da França em 1995 (cerca de 56% superior) desceu brutalmente para cerca de 17% (superior), apesar de a Alemanha ter mais 28% de população do que a França!
As exportações, pelo contrário, passaram de 24% do PIB em 1995 para 47% em 2008. Se a isto juntarmos as deslocalizações de indústrias alemãs para o leste europeu e a subcontratação de trabalhadores do centro e do leste da Europa (e também portugueses), aqui teremos a explicação para os excedentes alemães e para o modelo que os engendrou, bem como as crescentes desigualdades sociais existentes na Alemanha.
Da mesma maneira que a China perturba a economia mundial (entre outros factores) com uma moeda subvalorizada, assentando a sua competitividade numa falsa taxa de câmbio, assim também a Alemanha com a brutal compressão salarial e a consequente compressão da procura interna transforma os seus superávides em défices da maior parte dos países da zona euro que com ela economicamente se relacionam.
É natural que esta política e as muitas vicissitudes que ultimamente a têm acompanhado acabem por levar a uma desvalorização do euro, da qual a Alemanha será indiscutivelmente a maior perdedora.
Mas é preciso não confiar excessivamente no automatismo dos mecanismos económicos e ir fazendo a luta, sem medo, dentro da zona euro.
A política de diabolização ou de enxovalhamento da Grécia que os responsáveis políticos portugueses, e alguns comentadores do regime, tem insistido em veicular não passa de uma rematada estupidez! Mas, não há nada, como ouvir mais logo o Ministro das Finanças para ficarmos a perceber até onde vai a nossa ousadia!

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