quarta-feira, 3 de março de 2010

NADA DIMINUIRÁ A OBRA DE KAPUSCINSKI




O QUE ELE ESCREVEU E COMO ESCREVEU ASSEGURARÁ A SUA IMORTALIDADE


Na reaccionária Polónia dos nossos dias, seja ela a dos manos Kaczynski, seja a do liberal Donald Tusk, todos os pretextos são bons para ostracizar grandes nomes da cultura polaca. Se aprofundarem muito ainda vão descobrir que o Cardeal Woytila mantinha contactos duvidosos com as autoridades polacas antes e depois de ter sido feito bispo de Cracóvia. Como já descobriram ou insinuaram que o mesmo se passava com o beatíssimo Lech Walesa.
Desconheço se ainda se mantém em vigor a lei que obrigava os polacos a declarar que tipo de relacionamento tinham tido com as autoridades comunistas, sob pena de perderem direito à reforma ou o vínculo à função pública. Uma das grandes vítimas desta lei foi, como se sabe, Bronislaw Geremek, falecido em 2008, em acidente de automóvel de difícil explicação.
Agora é o biógrafo de Kapuscinski, que põe em causa ele não sido salvo de ser fuzilado (nas terras por onde andou…) por quatro vezes…mas, provavelmente, apenas por três…E como é que ele andou tanto tempo no estrangeiro…E que relações mantinha com o poder…E que informações prestaria ao governo do seu país…E se tudo o que ele narra se passou rigorosamente assim…
Quem conhece a obra de Kapuscinski não pode deixar de qualificar estas questões como imbecilidades irrelevantes.
O que interessa em Kapuscinski, como em Heródoto (único porventura ao seu nível), é a sua literatura. E essa literatura, quando se situa nos níveis superiores da genialidade, pode perfeitamente efabular para potenciar a força dramática da narrativa.
Kapuscinski passou anos e anos a fio a escrever relatos curtíssimos para as agências, sem ter tido oportunidade para deixar aparecer o grande artista que a sua alma encerrava. Mas ele surgiu, enfim, nos livros que nos legou e que para sempre o imortalizarão.
O que diferencia Kapuscinski de todos os repórteres nem é tanto a sua forma de escrever, mas a de descrever os factos: o seu olhar único sobre o outro, que é sempre o centro da narrativa, sem julgamentos, nem juízos morais.
Dava-se com os comunistas? Não acreditava no capitalismo? E depois…? Acontece que isto nem é bem assim, mas que importância tem?

1 comentário:

JMCPinto disse...

Para que conste. Cerca de 15 dias depois de escrito este post, a P2 do "Público" (15/03/10) traz um artigo assinado sobre este tema...artigo que é uma cópia fiel do vem escrito noutros jornais, nomeadamente no El País. Ora aí está a originalidade de quem a reclama nos outros! E o seu A. até parece desconhecer um recente artigo de um conhecido reaccionário inglês, com grande audiência na imprensa europeia, tabém ele muito preocupado com a factualidade da obra de Kapuscinski.
CP