domingo, 9 de maio de 2010

GOVERNO RECUA NOS INVESTIMENTOS PÚBLICOS



UM GOVERNO SEM RUMO

Regressado a Lisboa quinze dias depois, é sem surpresa que encontro no topo da actualidade nacional a crise financeira e económica, agora potenciada pelos ataques especulativos aos chamados países frágeis da zona euro (inventaram a metáfora para a aplicar aos africanos e agora aplica-se em casa…).
Quis o acaso que o primeiro contacto com as televisões nacionais tivesse tido por protagonista o professor Jacinto Nunes que, num programa do Gomes Ferreira, era entrevistado sobre o tema do momento. Jacinto Nunes é seguramente um dos poucos economistas que se pode ouvir. Sabe do que fala, conhece os clássicos e os modernos, tem um discurso racional e é sensato. Comparado com essa legião de “generais derrotados”, ouvidos por Cavaco e por Passos Coelho, ou com esses outros “coronéis da economia” que apoiam o governo, vê-se que há uma grande, enorme, distância entre o seu discurso feito de saber consolidado e a vulgata neo-liberal ou pretensamente neo-keynesiana debitada acriticamente por uns e por outros.
Estes nossos economistas do establishment, sem excepção, fazem-me lembrar aqueles marxistas que na década de sessenta e de setenta “estudavam” Marx pelos “Principios Elementales de Filosofia” de Georges Politzer, com a diferença de que este, no final dos capítulos, ainda fazia remissões para os “clássicos”…enquanto as vulgatas que ilustram o “saber” daqueles economistas são ainda mais primárias e nem sequer em português legível estão escritas
Não se quer isto dizer que se concorde com tudo o que disse Jacinto Nunes ou que o seu posicionamento ideológico seja igual ao nosso. Nada disso: apenas se quer dizer que o seu discurso faz sentido, tem consistência e atende à realidade na sua totalidade. E isso, por mais elementar que possa parecer, marca a diferença.
A questão dos grandes investimentos públicos tal como desde sempre foi apresentada pelo Governo, principalmente por Sócrates, pelo Ministro das Finanças e pelos Ministros das Obras Públicas e defendidos pelos tais “coronéis da economia” que apoiam o governo – para ser mais claro: aqueles tipos que o PS tem nas empresas públicas a preparar a sua passagem para o capital privado mais aqueles que estão nas empresas privadas “nomeados” pelo Governo ou que para lá foram depois de terem passado pelo Governo para “facilitar” os negócios – nunca obedeceu a uma lógica económica consistente, nem nunca teve devidamente em conta o contexto económico e financeiro em que teriam de ser realizados.
A ideia com que se ficava, principalmente depois de declarada a crise financeira de 2008 originada na América, rapidamente propagada ao restante mundo desenvolvido e logo a seguir transformada em grave crise económico-social, era a de que o Governo tinha uma vaga crença de que tais investimentos poderiam ajudar ao crescimento económico, eventualmente contribuir para estancar ou fazer diminuir o desemprego, e de que acima de tudo era preciso apoiar as grandes empresas e os bancos por razões político-económicas. Este segundo objectivo é partilhado por todo o PS, sem excepções, que vê no desenvolvimento e consolidação dos grandes grupos económicos a fonte de progresso económico e de prosperidade da sociedade, além de por essa via garantir, como retribuição, um apoio político incondicional. É este “pensamento” económico que leva o PS no Governo às parcerias público-privadas, de que as SCUTS são o exemplo mais emblemático, e a uma protecção sem paralelo do capital financeiro.
Este modelo de investimento público estaria condenado ao insucesso em qualquer contexto económico, mas um contexto de crise económica e financeira como o actual, com manifestações acentuadas na chamada “crise da dívida”, tornam-no financeiramente impossível. Daí que o Governo tivesse de recuar. Só que o recuo do Governo, como sempre, é feito para o pior lado. Ou seja, o Governo abdica dos investimentos que tinha em vista fazer e, em contra-partida, contenta-se com uma política recessiva de nulo crescimento económico, baixos salários e altos níveis de desemprego que necessariamente vai levar a mais sacrifícios e a mais cortes orçamentais em domínios onde cortar é aceitar mudar ou preparar a mudança para um modelo económico ainda mais acentuadamente neo-liberal.
Por aqui se vê como era falsa a tal política neo-keynesiana do Governo. Se o Governo tivesse realmente em vista o relançamento da procura, manteria um nível adequado de investimento público que tivesse por efeito imediato aquele relançamento, de preferência pela via do apoio ao emprego. Abdicando dos grandes investimentos sem nada propor em sua substituição, o Governo escolhe a pior via e acoita-se à protecção das políticas neoliberais recessivas que nada de bom lhe darão de volta e que inclusive ditarão, a muito curto prazo, a sua substituição.

5 comentários:

Anónimo disse...

Sobre as diversas Vulgatas, entre elas o livro do G.Pulitzer e outro(?), como elas simplificam a vida!
Sobre a nossa situação, não encontro ninguém que não se tenha enganado em análises e previsões, incluindo os mais "sensatos" como Silva Lopes e Jacinto Nunes. Ninguém previu este desenvolvimento. Quando os "agoirentos" (poucos) se atreviam a falar dos choques assimétricos do endividamento etc, a que respondeu um optimista(?) do tempo de Guterres com aquela famosa saída de que "ninguém na Baviera estava preocupado com as contas de região com o exterior (qualquer coisa do género), esses pessimistas apenas previam como consequência o empobrecimento relativo e o perigo de os credores "executarem" os seus créditos tornando-se donos de activos. No fundo a maioria de nós acreditava que tínhamos entrado num barco muito grande. Não se viu que o barco era feito de compartimentos estanques e, com maior ou menos dificuldade, autonomizáveis. E agora, onde estão, quem tem propostas concretas para quebrar o ciclo vicioso que liga a nossa expansão a uma pressão insustentável no endividamento? Na minha modestíssima opinião não há alternativa ao estímulo selectivo, muito selectivo, de actividades que aumentem as exportações ou substituam as importações. Uma verdade de mr. La Palisse mas que os portugueses têm dificuldade em entender, veja-se, por exemplo, que enviesamentos, até semânticos, se usam para distribuir (atribuir) os dinheiros do QREN!

LG

Jorge Almeida disse...

Uma boa análise, quanto a mim.

Desmistifica bem a ideia do Governo em manter o investimento público, sob uma capa de neo-keynesianismo, mas que parece constatar-se que era mais para defender outros interesses porventura publicamente inconfessáveis.

Se não é assim, assim o parece.

Se o governo estivesse convicto das teorias neo-keynesianas, teria feito finca-pé nos investimentos.

Só não concordo com o exemplo que dá das SCUT's. Para além de não perceber porque é que são aquelas que vão passar a ser portajadas, (em vez dum IC19, duma CRIL, duma VCI ou duma Via do Infante, todas elas situadas em zonas geográficas com bem maior PIB per capita que o Litoral Norte), para além de não haver alternativa real àquelas estradas (o que atenta à liberdade de circulação de pessoas e bens, tão cara à nossa Constituição e à UE - para quem pense que EN13, EN16 e outras que tais são alternativas, que circulem por elas que vão ver o tempo que vão demorar - a EN13, de Viana para Sul, é uma avenida de 50 kms, que só não tem passeios dum lado e doutro num máximo de 20 Kms, que passa no meio de cidades como Esposende, Póvoa de Varzim e Vila do Conde, tem 2 pontes interditas a pesados, inúmeras rotundas, semáforos de velocidade, semáforos normais, passadeiras, a maior parte do trajecto limitado a um máximo de 50 Km/h, etc ...)

Quem vem do Porto, para chegar a Esposende, só indo nesta via. Enquanto que, para ir para o Porto, o pessoal de Viana ainda tem o comboio, e o pessoal da Póvoa e de Vila do Conde têm o Metro do Porto, Esposende só tem esta estrada. Para além de ser um verdadeiro imposto sobre os habitantes deste concelho, trata-se de condenar um pobre concelho a uma pobreza ainda maior.

Com 2 pontes interditas a pesados (Ponte de Fão e Ponte Velha de Viana), para além de passar no meio de 3 cidades, a EN13 não é para este tipo de veículos, como tal, tais portagens passaram a ser um imposto para estes veículos.

Se quiserem poupar com as SCUT's sem ser por quererem ir ao bolso dos utilizadores, mantenham-nas como SCUT's, publiquem os nºs de carros que passam nessas estradas nos jornais, e ponham máquinas de contagem de viaturas em cada nó rodoviário (com a GNR a monitorizar essas contagens).

Assim, teríamos a certeza que o que se paga aos concessionários das SCUT's é o justo, e não um valor inflacionado a que o Governo parece fechar os olhos.

JMCPinto disse...

O que está em causa nas SCUTS é o modelo de financiamento, as tais parcerias, em que o Estado assume os riscos e os privados os lucros.
As estradas podiam e deviam ter sido construídas de outra maneira. Nos termos em que o foram vão "estrangular"os contibuintes já a partir de 2013.
CP

Jorge Almeida disse...

1º) Boa análise, a que foi feita no comentário anterior.

Pena é o anonimato.

2º) Para quem não viu (e quer ver), e para quem viu (e quer rever) a entrevista ao Professor Jacinto Nunes:

http://sic.sapo.pt/programasInformacao/scripts/videoplayer.aspx?ch=negocios%20da%20semana&videoId={FD541F7D-DFCA-427D-A832-AEC0FDB2A37E}

"Engraçado", quando criticou o aumento de 2,9% em 2009, para, depois, vir a dizer que precisamos de aumentar a capacidade de poupança. É mais fácil poupar quando recebemos menos?

Onde mora o Sr? Deve ser perto do Porto, para o vizinho apanhar "low costs". Em Lisboa não é, de certeza ...

"Interessa mais construir barragens que o TGV". Pensamento tipicamente salazarista.
Não foi no tempo deste senhor no governo que construiram-se as barragens que deram cabo do Douro, e duma série de pinturas que estavam no leito do Douro como estão no leito do Côa? A técnica salvou esse património? Porque é que sugerem que travou-se a construção de barragens só porque travou-se a construção da barragem de Foz Côa? Porque é que o Terreiro do Paço não cumpre com as promessas que fez em investir na zona, e promover aquele parque arqueológico em termos de turismo internacional?

Gomes Ferreira, em vez de opinar, devia ser um moderador isento.

3º) Por outro lado, parabéns ao administrador do blogue, em não ter escrito nada sobre a vitória do SL Benfica no campeonato.

Dou-lhe os parabéns por não ter escrito nada, não por falta de merecimento do SL Benfica (mereceram ganhar o campeonato, ganharam-no), mas porque, enquanto os benfiquistas comemoravam, o governo anunciava um "possível" aumento de impostos, numa manobra tipo de "vamos lá fazer passar esta mensagem enquanto eles estão distraídos".

Foi para o que serviu a festa dos benfiquistas: de "cortina de fumo" para o anuncio de "possível" aumento de impostos.

Jorge Almeida disse...

Quanto às SCUT's, diga-me lá (se souber):

- porque não põem portagens na VCI, 2ª circular, CRIL e Via do Infante?

Não garantiriam maior receita que as estradas já anunciadas? Porventura, estas estradas não gastam mais em manutenção ao Km que as estradas anunciadas para ter portagem?

- porque é que nunca anunciaram os nºs de viaturas que passam em cada SCUT (conforme prometeram quando começaram a construir as SCUT's)?

O que é opaco levanta muitas dúvidas! E todos nós sabemos o histórico das ligações do "lobbie" das Obras Públicas ao financiamento partidário. Ou será que tenho de lembrar o escândalo da ex-JAE?

Temos, no Litoral Norte, uma região bastante povoada, logo gera imenso tráfego que entope uma estrada nacional em bom estado (muito mais estradas nacionais que são autênticas avenidas). Para o Terreiro do Paço, daqui a bocado, até os carreiros onde passam os animais são alternativas às auto-estradas! Acumulando a isto, é a região do país com mais desemprego, e com uma situação social crítica (Vale do Ave, Qimonda, etc ...).
E é, precisamente, nesta região, que o governo quer meter autênticos "impostos rodoviários".

Caro CP, o problema é o montante despendido, sim senhor, mas não da maneira que está a pensar. Assim, como eles querem, começa-se por estas estradas, mas o problema não vai ficar resolvido, pois o dinheiro que daí vier não será muito, e o abuso das contribuições para as restantes SCUT's manter-se-á. Por isso, e seguindo esta via, não tardarão muito a meter portagens também na VCI, 2ª circular, CRIL e Via do Infante, e noutras, com a desculpa que "vocês concordaram com as portagens nas anteriores SCUT's". Este problema do dinheiro gasto nas SCUT's só se resolve fiscalizando os nºs de viaturas que passam em cada uma destas estradas, nisso não há volta a dar-lhe.

Até lá, condena-se um pobre concelho de 30.000 habitantes a uma pobreza ainda maior, e os pesados a terem de pagar um "imposto de circulação" naquela via.

Que solução dá o Terreiro do Paço para o problema de acessos ao concelho de Esposende? Ide a pé?