sábado, 30 de janeiro de 2010

NOTAS SOLTAS SOBRE A DÍVIDA



O QUE PODE ACONTECER?

Aquilo a que costumo chamar os economistas do establishment não se cansam de nos avisar, a começar pelo Presidente da República, que o nosso nível de endividamento não pára de crescer e, dentro de pouco tempo, tornar-se-á incomportável.
O modo como esses economistas falam e como implicitamente circunscrevem esse fenómeno fazem-nos muitas vezes crer que por detrás do endividamento está uma vontade perversa de alguém que poderia actuar de outro modo e perfidamente não actua, e que o fenómeno é tipicamente português, condescendendo, desde há uns tempos a esta parte, em admitir que agora também é grego.
Todavia se olharmos à volta – mesmo sem falar dos Estados Unidos e do Japão – nós verificamos que o nível de endividamento da União Europeia a 27 não tem cessado de crescer, a ponto de estar cada vez mais afastado dos 60% que o Pacto de Estabilidade e Crescimento prescrevia para os países da zona euro.
Segundo um estudo não publicado da Comissão Europeia, as previsões são de um gigantesco crescimento da dívida daqui até 2020. Nesse estudo, prevê-se que a dívida do Reino Unido atinja 180% do PIB – dívida que em fins de 2008 não ultrapassava os 50% -, a da França cerca de 125% e a da Alemanha um pouco mais de 100%, para citar apenas as três principais economias da UE. Paralelamente, as perspectivas de crescimento seriam baixas, à volta de 1%.
É certo que as previsões a tão longo prazo podem não se confirmar, sendo o erro nas previsões económicas um dos fenómenos com mais estamos habituados a lidar. Todavia, as previsões a prazos bem mais curtos apontam para um endividamento global da UE da ordem dos 83,8% do PIB em 2011 e de 88,2% para os países da zona euro a doze, isto quando em 2008 o nível de endividamento da UE ficava pelos 61,5% do PIB.
A primeira questão que eu gostava de ver debatida pelos economistas era a explicação deste fenómeno. Claro que há a crise, embora o crescimento do endividamento já viesse detrás. Mas com a crise houve certamente necessidade de fazer despesas que doutro modo não teriam sido feitas, quer para relançar a economia, quer para salvar o sistema financeiro.
A grande questão que se põe é saber se as medidas de estímulo produzem o efeito esperado: crescimento e emprego, ou se tais efeitos tardam a aparecer e entretanto se agrava o desemprego e estagna o crescimento. E é por isso que até já há quem diga – embora o tema seja muito polémico – que o que na década de trinta do século passado tirou o mundo da depressão, principalmente a América, não foram as medidas keynesianas, mas a guerra. Seja assim ou não, o que é certo é que se o emprego e o crescimento não surgem e as respectivas despesas de estímulo e as sociais continuarem a aumentar, a dívida vai crescendo e uma parte considerável dos recursos dos países acaba por ser afectado ao seu pagamento, a ponto de esta afectação prejudicar a realização daquelas despesas, cujo nível não pode deixar de baixar sob pena de bancarrota.
Mas se as medidas de estímulo não produzem o efeito esperado ou tardam a produzi-lo, já o mesmo se não poderá dizer – como se está a ver – das medidas de resgate do sistema financeiro. De facto, os banqueiros tendo beneficiado de biliões a taxas muitíssimo baixas ou mesmo de graça rapidamente se recompuseram, sendo em grande medida eles que já estão a fazer os empréstimos para financiar os défices orçamentais a juros cada vez mais elevados, ditados pelas famosas agências de rating, irmãs gémeas do capital financeiro.
Perante este cenário, que toca a todos, embora haja muita gente a assobiar para o lado, o que podem fazer os Estados? E que solidariedade ou, melhor, que coordenação ou falta dela vai haver na União Europeia?
Isto é que eu gostava que os economistas nos explicassem em vez de andarem para aí com discursos de tipo Edir Macedo! Porque uma coisa é certa: alguma coisa vai acontecer… e tudo o que pode acontecer ou já aconteceu é racionalmente explicável.
E se tivermos em conta que a própria crise financeira assenta numa crise de endividamento (dos particulares), fundada na ilusão de democratização do crédito, quando do que realmente se trata é de uma cada vez mais injusta repartição dos rendimentos, então ainda perceberemos melhor como “rola” o sistema capitalista dos nossos tempos…

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

DOIS DISCURSOS PARA UMA MESMA REALIDADE



O DISCURSO SOBRE O ESTADO DA UNIÃO E O ORÇAMENTO PORTUGUÊS PARA 2010

Ao ouvir no mesmo dia as intervenções e os comentários que acompanharam a apresentação do orçamento para 2010 e o discurso sobre o estado da União proferido por Obama no Congresso, todos ficamos a perceber as diferenças que separam as políticas dos dois países em matéria de emprego, de fiscalidade, de tratamento do capital financeiro e especulativo, bem como são encaradas nos dois países as consequências da política neoliberal por sectores ligados ao establishement.
As prestações sociais na América foram incrementadas e os impostos das classes trabalhadores diminuídos (95% das famílias trabalhadoras vão pagar menos impostos; em Portugal, vão receber menos salário e pagar mais impostos, directos e indirectos). O objectivo é evidente para qualquer leigo: se os trabalhadores mantiverem ou subirem os seus rendimentos aumentará necessariamente a procura e, por via dela, diminuirá o desemprego. Aqui não se procede de assim. Os nossos economistas acham que se derem subsídios às empresas ou as desonerarem e simultaneamente diminuírem as prestações sociais dos desempregados e dos reformados e, além disso, baixarem os salários, se recupera a economia.
Como os gurus destas políticas não são estúpidos, a explicação para a sua aplicação tem de ser encontrada noutras razões. E as razões são sempre as mesmas: o capital quer manter ou aumentar a taxa de lucro a curto prazo e sabe que, para o conseguir, em épocas de crise, o terá de fazer à custa de alguém.
Não é no fundo uma razão muito diferente da que leva alguns doutos economistas, com rendimentos simultaneamente provenientes de várias e milionárias pensões e de salários igualmente milionários recebidos regularmente, como acontece, só para citar alguns, com João Salgueiro, Mira Amaral, Campos e Cunha, Manuela Ferreira Leite, etc, etc, a defender o congelamento dos pequenos salários e das pensões baixas, e a manifestarem-se violentamente contra a mísera subida do salário mínimo (com a agravante obscena de algumas daquelas pensões terem sido por eles próprios decididas quanto ao montante e quanto tempo de trabalho necessário para as receber). Eles sabem que para receberem o que recebem, muitos e muitos outros terão que receber muito pouco ou quase nada!
Por outro lado, é também importante sublinhar a atitude relativamente aos bancos. É sabido como este governo os tem protegido e como quase os isentou de impostos durante a maior parte da anterior legislatura, bem como procedeu e procede relativamente às mais-valias bolsistas. É também sabido como actuou quando eclodiu a crise financeira (em Portugal de mãos dadas com as vigarices mais reles) e o que isso vai custar aos trabalhadores portugueses. Pois não obstante, o clima internacional que de Washington a Paris (ver discurso de Sarkozy, em Davos), passando pelo ataque ao capital financeiro e especulativo lançado em Porto Alegre, no Fórum Social Mundial, por Lula da Silva, são inúmeras as resistências que por cá se opõem a algo que toque ao de leve nos lucros dos bancos. Mais: ninguém do establishment se atreve a fazer-lhes a menor crítica. Pelo contrário, são eles que criticam o país com o apoio dos seus vários avençados (jornalistas, professores universitários, economistas) que logo fazem ressonância dessas críticas nos diversos meios de comunicação social.
Finalmente, o governo, os seus apoiantes e, principalmente, os defensores ostensivos ou encapotados do neoliberalismo não se cansam de condicionar a opinião pública, fazendo-lhe crer nas muitas vantagens do sistema e da “prosperidade” que ele trará. Cá não se ouvem palavras semelhantes a estas” Esta recessão aumentou ainda mais o fardo que as famílias americanas suportam desde há decénios: o encargo de trabalhar mais e mais tempo por menos dinheiro; de não poderem aforrar o suficiente para a reforma nem para enviar os seus filhos para a universidade”. Ou ainda: “Não podemos permitir uma nova “expansão” económica como a da última década em que o emprego cresceu mais lentamente do que em qualquer outro período de anteriores expansões, em que o rendimento das famílias caiu enquanto o custo da saúde e da educação alcançava níveis sem precedentes; em que a “prosperidade” se construiu sobre uma borbulha imobiliária e a especulação financeira”.
Quem cá disser coisas semelhantes na linguagem adaptada à nossa realidade é imediatamente ostracizado pelos fazedores de opinião, que logo consideram tais palavras populistas, próprias de partidos de protesto, ideias de gente irresponsável e por ai fora. Ainda um dia destes estava na TV alguém a perorar contra as tíbias medidas que o governo tomou relativamente aos bancos, chamando-lhes populistas, inúteis, demagógicas e ainda por cima injustas por se dirigirem a um sector de actividade altamente competitivo! Não liguei. Pensei que eram de um dos tais jornalistas ou comentadores avençados. Mas passado pouco tempo vim a saber que eram de um “professor universitário” de economia. É claro que com gente desta a educar as novas gerações nunca iremos a lado nenhum!

DISCURSO SOBRE O ESTADO DA UNIÃO

PRIMEIRO DISCURSO DE OBAMA

Pode lê-lo aqui em inglês ou em espanhol, ou ainda ouvi-lo aqui.

A ENTREVISTA DE BELMIRO DE AZEVEDO



NÃO É POSSÍVEL DIZER MELHOR

E como não é, só resta a transcrição deste brilhante texto do Jumento.

HOJE NÃO RESISTO A CITAR-ME



PORQUÊ? PARA ME LOUVAR EM PAUL KRUGMAN

É isso mesmo. Hoje tenho que me citar. Uma das críticas que aqui fiz a Obama, no post, “O maior fracasso de Obama”, estava relacionada com as suas referências a Reagan, baseadas na ideia (indefensável) de que era possível fazer conciliações e arbitrar conflitos, superando as divergências e os antagonismos um pouco à moda de Reagan.
Hoje num post do blog, Paul Krugman fala sobre o assunto.
Quem quiser ficar a saber mais, leia aqui.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

"DIRECTO AO ASSUNTO" II


UMA VOZ LÚCIDA DE ESQUERDA

Já aqui fiz referência ao desempenho de Joana Amaral Dias no programa de comentário político “Directo ao Assunto”. De tudo o que tenho visto e ouvido aos demais representantes da esquerda noutros programas semelhantes, em nenhum deles há uma voz tão lúcida como a dela.
A crítica que fez ao Orçamento e ao défice foi implacável e irrespondível. Sim, é possível reduzir o défice e melhorar a redistribuição dos rendimentos; sim, é possível cortar despesas supérfluas e melhorar as prestações sociais; sim, é possível aumentar a receita sem onerar os rendimentos mais baixos.
Do mesmo modo, ninguém percebe como o défice deslizou. Como é possível que não tendo havido apoios às instituições financeiras, nem às empresas estruturantes da economia nacional, o défice tenha assumido as proporções que hoje tem? E quem beneficiou com ele? Tudo perguntas a que a direita e o governo não respondem.
O governo insiste na política dos últimos dez anos, cujos resultados estão à vista. É um caminho que não se pode trilhar. E porque o faz o governo? Não seguramente por masoquismo, nem por estupidez, mas para garantir no imediato aos mesmos de sempre uma taxa de lucro idêntica ou até superior à dos anos anteriores. Esse é o resultado da política do governo. Resultado pago com desemprego, com congelação dos salários baixos e das pensões. Mas não só. O governo prepara, com esta política, a privatização do que resta ao Estado na esfera empresarial e também a privatização das áreas sociais lucrativas.
Este sim, o resultado da política do Governo! Tudo isto foi denunciado, e bem, no programa acima referido.

JÔ SOARES - "UNIDOS POR UMA LÍNGUA COMPLETAMENTE DIFERENTE"




NO VILLARET A PARTIR DE SEXTA-FEIRA

Jô Soares, grande nome da cultura brasileira, teatro, televisão, literatura, artes plásticas, estará a partir da próxima sexta-feira no Teatro Villaret, em Lisboa, para apresentar o espectáculo Remix em Pessoa.
Tendo por pano de fundo o acordo ortográfico, Jô Soares disse, na casa Fernando Pessoa, que iria declamar os poemas de Pessoa com sotaque português, já que não poderia fazê-lo com sotaque brasileiro, porque Pessoa é português, e nós” somos unidos por uma língua completamente diferente”. E acrescentou. “Tem coisas em que a unificação da língua não adianta”.
Apesar de Jô Soares ter dito o óbvio, interessa referi-lo por ter sido dito por quem foi. Quem minimamente conheça o Brasil, a sua cultura, sabe perfeitamente que a verdadeira ligação que existe entre a língua que se fala no Brasil e a que se fala em Portugal é a grafia. Tudo o mais as separa.
O que é estranho é que políticos, diplomatas e certos intelectuais não tenham compreendido isto.
Interessa acrescentar, a propósito das palavras de Jô Soares, que apesar da sua obra literária ser escrita num excelente português clássico, difícil de encontrar em Portugal, ele não tem dúvidas acerca do que une e do que separa a língua falada nos dois países. Porventura, por as conhecer muito bem…
Atrevo-me ainda a dizer, mas aqui é mesmo um grande atrevimento, que o fascínio dos brasileiros por Pessoa não decorre apenas de Pessoa ser universalmente quem é, mas também por haver frequentemente na sua escrita uma cadência muito próxima do modo brasileiro culto de falar o português.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A CANDIDATURA DE ALEGRE E A DIREITA



AS REACÇÕES DO PSD E DA DIREITA DO PS

A candidatura de Alegre não cessa de suscitar reacções da direita, tanto da parte do PSD, como da direita do PS.
Para quem acha que o anúncio foi extemporâneo, esta permanente preocupação de intervir só serve afinal de contas para demonstrar o contrário.
Do lado do PSD, a conversa é conhecida e repetida quase sem variações: Cavaco estava em dificuldades, foi o único Presidente que até hoje não conseguiu alargar a sua base de apoio para concorrer com tranquilidade a um segundo mandato, mas Alegre foi o bálsamo de que ele precisava para se reeleger sem dificuldades. Porquê? Porque Alegre não faz o pleno da esquerda e vai permitir a Cavaco recuperar os apoios perdidos.
Do lado do PS, a conversa é um pouco diferente, embora parta de alguns pressupostos semelhantes. A direita do PS, com o partido sem maioria absoluta no Parlamento, embora não queira reeleger Cavaco, também não quer Alegre para concorrer contra Cavaco. Porquê? Vital Moreira no Público de hoje explica porquê e indica as características que deverá ter um candidato vencedor.
Descontando a circunstância de, por uma questão de bom senso, Vital Moreira ser, nos tempos que correm, a última pessoa habilitada a traçar as estratégias eleitorais do PS, percebe-se das suas palavras que Alegre não serve, antes de mais, porque é preciso retaliar o seu comportamento em 2006 e posteriormente.
Alegre dividiu o partido em 2006, criou dificuldades ao Governo na legislatura finda, não apoia sem reticências o Tratado de Lisboa e defende um “gaullismo” totalmente contrário à compreensão que o PS tem da função presidencial.
Além disto, Alegre não serve porque não é um militante socialista que alinhe sem reservas com a actual direcção do partido, nomeadamente com Sócrates. Na verdade, Alegre opôs-se à aprovação de algumas disposições do Código de Trabalho, reagiu contra a tentativa de privatização dos sectores ricos da saúde, opôs-se “à modernização social-democrata da teoria e da prática política do PS” (isto dito a sério…) e é um candidato mais próximo do BE do que do seu próprio partido.
Por fim, reconhece-se que a eleição presidencial não pressupõe da parte dos partidos que apoiam um candidato um alinhamento total com o programa eleitoral deste.
Deste conjunto de razões incoerentes e assentes em pressupostos factuais falsos, o que sobressai é o facto de a direita do PS não querer Alegre por ele não alinhar a cem por cento com Sócrates. Todos os demais argumentos se reconduzem a esta verdade insofismável. De facto, tais argumentos visam criar no eleitor PS um sentimento de rejeição do candidato quer apelando subliminarmente à ideia de traição, quer inventando uma concepção do exercício da função presidencial que o candidato, na realidade, nunca defendeu.
Mas esta argumentação demonstra também o modo como essa mesma direita entende a função presidencial: como uma simples correia de transmissão do Governo PS. O candidato não serve, não pelo seu demérito ou pela inconsistência do seu programa, mas porque não tem sobre as diversas questões da vida política nacional uma visão idêntica àquela que o PS impõe, a cada momento, aos seus deputados na AR. Ou seja, de alinhamento incondicional com o Governo.
É claro que esta concepção da função presidencial está de antemão votada à derrota. Um candidato que o PS pudesse arranjar para desempenhar esse papel, e não faltarão certamente pretendentes, seria sempre um candidato sem o apoio indispensável para assegurar a vitória. Ele não contaria com os votos da esquerda, nem tão-pouco contaria com os votos de quem não quer em Belém uma sucursal do governo.
O que a experiência das anteriores eleições presidenciais demonstra é que sem o pleno da esquerda não há vitória de um candidato apoiado pelo PS. A escolha de um candidato alinhado com o Governo arrisca-se, com ou sem Alegre na corrida, a uma derrota tão humilhante como a das europeias.
Obviamente, que o argumento avançado pelo PSD segundo o qual, com Alegre, Cavaco recuperaria os apoios perdidos, não faz qualquer sentido, pois por maioria de razão os recuperaria se o candidato oponente fosse um simples alter ego do Governo. Ao PSD interessa minar a candidatura de Alegre exactamente porque a teme, na esperança de que o PS possa avançar com uma candidatura semelhante à defendida por Vital Moreira.

ORÇAMENTO PARA 2010 SEM SURPRESAS




CONFIRMA POLÍTICA DE DIREITA DO PS

Como aqui muitas vezes tem sido referido muitas vezes e comentado com algum azedume por militantes e simpatizantes do PS, o orçamento de estado para 2010 confirma as políticas de direita do governo. A redução do défice orçamental, aliás insuficiente, é feita à custa dos funcionários públicos, dos reformados e dos desempregados.
O orçamento serve os demais partidos de direita, que nem sequer vão ter necessidade de se responsabilizar por ele.
Toda a gente que passou pela administração pública sabe que é possível reduzir o desperdício e pura e simplesmente eliminar despesas que apenas se destinam a alimentar clientelas e a manter falsos mercados.
As parcerias público-privadas são um sorvedouro de dinheiros públicos destinado a alimentar o mercado no sector rodoviário, da energia, do ambiente e da saúde, sem que haja da parte das empresas beneficiadas qualquer contributo para a economia nacional proporcional às vantagens que recebem. É um caminho que ninguém de boa-fé, depois de tudo o que o Tribunal de Contas tem trazido a público, pode continuar a trilhar.
Depois vem o negócio dos pareceres jurídicos dos grandes escritórios de advogados, a que o Estado recorre com muita frequência e desnecessariamente na maior parte dos casos. Em situação semelhante estão os gabinetes de consultores cuja actividade é em grande parte prestada ao Estado. Nestas matérias o Governo não tocou.
A direita está muito preocupada com a fraude porventura existente em algumas prestações do rendimento mínimo garantido ou de inserção, mas não demonstra a menor preocupação com o que se passa nos subsídios concedidos à “lavoura”, que tem recebido milhões e milhões desde a adesão à UE e até tem demitido ministros quando estes não lhes pagam de acordo com as exigências, nem tão-pouco demonstra a menor preocupação com os demais subsídios concedidos também aos milhares de milhões às empresas, subsídios cuja regularidade de uso e avaliação de resultados ninguém da direita reclama.
Também as despesas militares perfeitamente desnecessárias ou inúteis como a participação na guerra do Afeganistão poderiam ser evitadas sem qualquer prejuízo para a economia nacional.
Enfim, era ainda possível aumentar as receitas, onerando os rendimentos mais elevados, nomeadamente os provenientes de prémios e bónus, bem como taxando as operações do capital especulativo.
A economia portuguesa pode crescer e diminuir o nível de endividamento dos agentes económicos se houver uma redistribuição dos resultados mais equitativa e não o contrário, como a experiência tem demonstrado. Evidentemente, que não basta uma mais justa redistribuição para melhorar o desempenho económico, há outros problemas que têm de ser resolvidos, mas sem aquele solucionado nenhum dos outros será eficaz.

sábado, 23 de janeiro de 2010

CONSEQUÊNCIAS DA DERROTA DE MASSACHUSETTS



IRÁ, FINALMENTE, OBAMA ABANDONAR A VIA DA CONCILIAÇÃO?

Lamento, mas não tenho muita paciência para discutir as vicissitudes da candidatura de Passos Coelho a presidente do PSD, nem os seus ziguezagues políticos ditados por taticismos de ocasião. Também não estou muito virado para comentar a negociação do orçamento, não porque não seja importante, mas porque já se percebeu o que se vai pasar e como se vai passar.
Acho mais interessante falar um pouco sobre as consequências da derrota de Massachusetts, que tem a particularidade simbólica de ter devolvido aos republicanos a minoria de bloqueio no Senado. Mesmo assim, numa câmara com 100 membros, os democratas continuam a contar com 59, isto supondo que podem contar com Liebmann, e, portanto, continuar a dominar a política americana, pelo menos, até Novembro. Embora dominar não seja no complexo sistema legislativo americano hegemonizar, as eleições desta semana tiveram uma importância extraordinária não tanto pelo lugar que se perdeu como pela estratégia que se seguiu até o perder. E é isso que está em discussão na América. E, queira-se ou não, o que acontecer na América acaba por ser importante no resto do mundo.
Os republicanos depois de terem hegemonizado a vida política na América desde 1980 (a Presidência de Clinton, embora com algumas nuances, nomeadamente de política fiscal e retóricas, acabou por se integrar naquela hegemonia), foram estrondosamente derrotados, primeiro em 2006, na Câmara de Representantes e no Senado, depois em 2008, igualmente naquelas duas câmaras e também na Presidência.
Porém, não obstante a dimensão daquela derrota, o Partido Republicano, logo que psicologicamente se recompôs dos resultados eleitorais, moveu uma guerra sem quartel a tudo o que vinha do Presidente ou mesmo às propostas dos democratas no Congresso por mais matizadas que umas e outras fossem. Fora das instâncias políticas, nos media que lhes são afins e até nos chamados imparciais, bem como na própria rua, sempre que necessário, a guerra ainda foi mais violenta.
Do lado do Presidente e dos congressistas democratas do centro para a direita a atitude continuou a ser de conciliação.
Hoje, os republicanos cantam vitória e atribuem a perda da maioria qualificada dos democratas à sua política de intransigência. Esta política manifestou-se no Congresso pelo voto em bloco contra todas as propostas dos democratas, facto raro na América, apesar da viragem introduzida pelos neo-conservadores na disciplina de voto.
Por seu turno, os democratas parecem desorientados. Há quem abertamente advogue uma radicalização da luta, sem concessões, e atribua a viragem do eleitorado em zonas tão progressistas como as da Nova Inglaterra, ao espírito de conciliação reinante no último ano. E há quem faça contas à vida e procure posaicionar-se de acordo com a melhor forma de salvaguardar, já em Novembro próximo, o lugar que agora ocupa.
É certo que na política americana há um factor que na Europa Ocidental não faz parte das análises políticas e que lá é decisivo a ponto de condicionar a intervenção política e a própria compreensão que dela temos. Refiro-me ao recenseamento eleitoral. Na América, o recenseamento eleitoral é voluntário e há mil e uma maneiras de o boicotar. A regra sociológica em matéria de recenseamento é a seguinte: quem é mais educado e ganha mais está recenseado; quem não tem instrução ou tem uma intrução rudimentar e ganha pouco, não está recenseado. Depois, dentre os recenseados, quem vota é uma minoria, apesar de o exercício do voto se ter vindo a alargar nos últimos tempos.
Daqui decorre uma consequência muito importante: se uma administração faz uma política abertamente favorável àqueles sectores menos protegidos, acaba eleitoralmente por não ganhar nada com isso. E este tem sido o segredo das vitórias republicanas e, principalmente, do apoio às suas políticas. Todavia, como estas políticas criaram clivagens e abriram fossos em estratos sociais que antes beneficiavam de uma outra situação, também elas têm contribuído para mudar o panorama eleitoral americano nestes últimos anos.
Não obstante todas estas limitações ou talvez apesar delas, a “guerra” com os bancos vai ser a questão decisiva para se perceber para que lado vai pender Obama. Se Obama atacar o capital financeiro e especulativo, como fez Roosevelt há setenta e tal anos, o panorama político na América vai seguramente mudar. Se Obama se mantiver nas “encolhas”, a derrota será mais que certa, não apenas para os congressistas democratas, mas também para ele.
Basta ver as estações de TV americanas, e Jon Setwart faz todas as noites um excelente resumo sobre o que lá se passa, para se perceber o nível de violência verbal e ideológica posto no – ia dizer debate, mas na realidade não é disso que se trata – combate travado pelos republicanos.
Deste lado de cá do Atlântico há muito a tendência para esbater as diferenças e medir tudo pelo mesmo diapasão. Trata-se de uma potência imperial, logo, digam o que disseram, a política também será imperial. Continuo a supor que esta análise é errada e se o Império Romano (República Romana incluída) fosse tão conhecido hoje como era antes da Guerra Fria seguramente haveria mais gente a pensar de maneira diferente sobre o que acontece na América.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

A CANDIDATURA DE ALEGRE ENTRA NA AGENDA POLÍTICA



QUANTO MAIS A AFASTAM MAIS ELA SE INSTALA

Não adianta dizer que as presidenciais não estão na ordem do dia ou que não constituem neste momento a preocupação fundamental do país, como disseram Cavaco Silva e Mário Soares, porque a candidatura de Alegre já está no terreno e as suas manifestações de fim-de-semana dão para encher a semana toda.
De resto, estar ou não na agenda, depende da agenda de cada um. Aqueles que dizem que a candidatura não está na agenda, o que verdadeiramente querem dizer é que não lhes convêm que a candidatura de Alegre esteja na agenda.
O PS é o partido mais preocupado com o avanço de Alegre. Com o governo em minoria no Parlamento e os deputados e ministros divididos quanto ao candidato a apoiar, pouco espaço vai haver para manter por muito mais tempo a ambiguidade. Sócrates bem aspira a que haja por ai alguma coisa bem importante que ponha um pouco de sombra nesta questão. Mas não vai ser fácil, a menos que se trate de mais alguma coisa que directamente lhe diga respeito. Pois se até durante a aprovação do orçamento, assunto sem cuja resolução o PS nem sequer pode governar, a questão das presidenciais não cessa de aumentar de importância, poder-se-á imaginar o que vai acontecer depois daquele assunto estar resolvido.
Como aqui se previa, a animosidade contra Alegre por parte de algumas tribos do PS é tanta, que até resolveram pôr de parte velhas questões que as dividem, para em conjunto o atacarem. Mas, a acreditar no que dizem os jornais, as soluções alternativas que propõem ou não têm qualquer viabilidade ou só serviriam para dividir ainda mais o partido.
Gama não será candidato sem unanimidade partidária e, mesmo assim, só avançaria com o apoio da esquerda, o que parece muito difícil de conseguir com Alegre no terreno. Vitorino está muito mais interessado na profissão e nos negócios do que nas presidenciais, aliás a sua intervenção política de há 5 ou 6 anos para cá parece só ter por objectivo potenciar a “facturação”. Freitas do Amaral é o único que aceitaria…porque Freitas não só aceita qualquer coisa que lhe dê projecção como também não tem grande capacidade política para avaliar o que deve ou não fazer. Uma vida recheada de derrotas não lhe tem servido de nada. É pior que os Bourbons.

POR QUE NÃO EMIGRAM?



LÁ PODERÃO ENCONTRAR O QUE CÁ NÃO TÊM

Já começa a ser cansativo ouvir a todo momento e a propósito de tudo as inconsoláveis vozes daqueles que vêem na América todas as virtudes e que na Europa só encontram defeitos. Já era assim com Bush – e que felizes eles se sentiam! – e começa a ser assim também com Obama.
Eles queixam-se da fraca participação dos europeus no Afeganistão, e acima de tudo da sua desmotivação, lastimam a não integração da União Europeia na NATO, lamentam que a Ucrânia lhes esteja a fugir, não compreendem por que não põem os europeus mais empenho no alargamento da NATO a leste e ao Cáucaso e agora até estão muito tristes por a União Europeia não ter desembarcado uns milhares de homens armados no Haiti.
Uma dessas vozes infelizes, a Sra. Teresa de Sousa, escreve hoje um artigo lamentável no Público sobre este seu drama. Essa Sra. deveria saber que a União Europeia foi fundada com dois objectivos principais: o primeiro, assegurar a paz na Europa entre as potências que no último século e meio (para não ir mais para trás) se tinham digladiado sem cessar; e, em segundo lugar, para conter o comunismo a leste.
Resolvido, pela própria natureza das coisas, este segundo objectivo, resta o primeiro, que continua muito importante e actual. E quem fundou a “Europa” foi ainda de opinião, depois juridicamente consagrada nos respectivos documentos constitutivos, que a liberdade de comércio e a igualdade de acesso ao mercado constituíam o principal antídoto contra as tentações da guerra.
Foi para isto que a União Europeia foi fundada. O que veio depois deve-se mais à preocupação de preservação desta conquista, do que propriamente à vontade de avançar noutros domínios, como a prática dos últimos dez anos tem amplamente demonstrado.
Portanto, não vale a pena estar a “chorar” por a UE não ter ocupado militarmente o Haiti ou não se empenhar, como tal, no Afeganistão. Fazê-la caminhar nesse sentido seria matá-la.
Depois é preciso também não tomar a nuvem por Juno. Quem ocupa militarmente o Haiti, ou quem profere declarações altissonantes sobre o que é necessário lá fazer, não é necessariamente quem mais ajuda. Às vezes até não ajuda nada e prepara-se para tirar muito mais do que aquilo que lá pôs. Tem sido assim em todo o lado: na Palestina, em África, no Afeganistão, e de uma maneira geral em todos os países que precisam de ajuda.
Quem tem desde Reagan baixado drasticamente as ajudas ao desenvolvimento são os Estados Unidos. Esse é um dos pontos fortes da teorização neoconservadora. Basta lê-los para se perceber o que é que eles acham sobre isso.
Se aqui os nossos “guerreiros” querem guerra e tropas de ocupação, que emigrem, estejam eles nos jornais, como a Sra. Teresa de Sousa, ou no Governo. E os que estão nos jornais até pode ser que arranjem um emprego na Fox News onde poderão dar largas ao seu espírito belicoso. Se não for como jornalistas, pelo menos como amanuenses. Ou a América não seja a terra das oportunidades de que eles tanto falam!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

SOARES CONCORDA COM CAVACO EM MATÉRIA DE PRESIDENCIAIS


TUDO O QUE POSSA ENFRAQUECER A CANDIDATURA DE ALEGRE É BOM

Quando aqui há dias analisei a posição do PS relativamente à candidatura de Alegre preocupei-me fundamentalmente com a identificação e caracterização dos meios ligados à plutocracia e desprezei uma outra componente que no PS, tal como em algumas sociedades africanas, tem uma grande força: as tribos. Não quero com isto dizer que algumas dessas tribos não estejam igualmente ligadas ao grande capital ou não tenham em relação a ele uma posição de grande compreensão e benevolência. O que quero dizer é que os interesses que unem os membros da tribo e os laços de solidariedade que existem no seu seio se caracterizam fundamentalmente pela fidelidade incondicional ao chefe da dita.
Se o chefe da tribo já foi desrespeitado por um membro isolado do clã, a vingança será inapelável. As ofensas dos membros tresmalhados são muito mais graves do que as ofensas de um régulo rival, porque estas podem ter uma solução política de acordo com a correlação de forças existente. As outras não. As outras têm de ser vingadas.
E o PS tem muitas tribos: tem a de Mário Soares, que não tem visto os seus membros multiplicar-se pelas próprias limitações que a natureza impõe à capacidade reprodutora dos seus membros; tem a de Gama, onde existem hoplitas de peso, como José Lello; e tem a de Sampaio, que paira entre o Procópio e sua displicência, e uma incontida vontade de protagonismo que impele os seus membros para as luzes da ribalta a qualquer preço.
Soares não concorda com a candidatura de Alegre e, por isso, tal como Cavaco, acha que não é altura para se falar de presidenciais. Soares acha que em 2006 foi derrotado por Alegre e não o contrário, portanto não será de estranhar que, tal como em 1980, favoreça o candidato da direita contra o seu inimigo de ocasião. Só que em 1980 enganou-se: Soares Carneiro não ganhou. Em 2011, voltará a enganar-se.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O MAIOR FRACASSO DE OBAMA



DUAS MANEIRAS DE ENTENDER A MESMA REALIDADE

Acabei de ler num blogue especializado em política americana que o maior fracasso de Obama foi a sua incapacidade para estabelecer pontes com os Republicanos e com os sectores mais conservadores do Partido Democrata, sendo incapaz de superar um forte bipolarismo sócio-politico que se verifica na América.
Deixando de parte a relativa incoerência da afirmação, o maior fracasso de Obama parece exactamente ter residido nessa sua utópica obsessão de procurar conciliar o essencial das suas promessas eleitorais com o programa político do Partido Republicano e não ter sido capaz unir o Partido Democrata em torno de um programa progressista mais audaz e, principalmente, executado com mais prontidão.
Durante a campanha eleitoral, Obama, não obstante a sua brilhante inteligência, já havia deixado alguns indícios de que não tinha compreendido muito bem o que se tinha passado na América desde 1980, embora verdadeiramente o começo da grande viragem tenha começado bastante mais atrás, no tempo de Johnson, quando os democratas perderam definitivamente o sul e os neoconservadores iniciaram um processo de conquista do Partido Republicano e depois do Poder, que se iniciou com Reagan, se consolidou nas presidências subsequentes, Clinton incluída, e atingiu o apogeu com Bush/Cheney.
Durante a campanha eleitoral, Obama frequentemente aludiu à superação do bipartidarismo, apontando Washington como uma espécie de encarnação do mal, e chegou a referir-se a Reagan, como um exemplo a seguir para se alcançar a unidade do povo americano. Um exemplo sem sentido e até obsceno para um afro-americano, já que a famosa “união” conseguida por Reagan foi em grande medida a união do homem branco (WASP) contra os “preguiçosos” dos guetos raciais, dos latino-americanos, dos sindicalizados, dos emigrantes, enfim, foi a “união” de todos aqueles que estavam predispostos a aceitar a ideia de que os seus impostos só serviam para alimentar o despesismo do governo que gastava em programas sociais o que devia ser alcançado pelo trabalho de cada um!
Talvez porque nunca tenha vivido noutra época, talvez por não ter um conhecimento profundo do que foi a América de Roosevelt a Lyndon Johnson, talvez por sobrestimar as suas capacidades de conciliador, Obama escolheu como modelo um paradigma inaplicável à sua governação. A conciliação com os republicanos, estando em maioria qualificada no Congresso (Senado e Câmara dos Representantes), como esteve até ontem, foi um erro que ele pagará bem caro.
O partido republicano é hoje um partido monolítico de direita que não admite heterodoxias dentro das suas fileiras, como o comprovam os estudos de ciência política, quanto mais acordos de regime com os “radicais de esquerda”. Apesar da ampla liberdade partidária de que gozam os senadores e congressistas (deputados) americanos, os estudos das votações nas duas Câmaras demonstram que, desde 1980, praticamente não há senadores nem deputados republicanos a votar à esquerda da votação do senador ou deputado mais à direita do Partido democrata. Uma ou outra excepção que possa existir respeita a individualidades que, pelo seu poder económico ou pelo seu excepcional prestígio político, conseguiram sobreviver, nas primárias, aos elevados financiamentos com que as fundações neoconservadoras brindavam os seus apoiantes. E quem no Congresso fugisse à linha, e não estivesse no tal lote restritíssimo de personalidades capazes de sobreviver por si, já sabia que na próxima eleição não contaria com “as forças vivas” do partido para se reeleger.
Perante um panorama desta natureza, que Obama não podia desconhecer, tentar encontrar aliados do lado republicano ou procurar conciliar com ele em vez de se empenhar em unir os eleitos do Partido Democrata à volta de um programa que desse satisfação às promessas eleitorais acabou por se tornar numa debilidade e até num factor de descrédito do Presidente. Ele perde o apoio dos seus e não ganha o apoio nem o respeito dos adversários. Esse sim, o grande fracasso de Obama!

AMÍLCAR CABRAL: FOI HÁ 37 ANOS



UM RUDE GOLPE PARA O FUTURO DA GUINÉ


Foi há 37 anos que Amílcar Cabral foi assassinado em Conacri por gente ligada à PIDE. Quem estava na Guiné não esquece as estranhas movimentações de sinistras personagens que lá aportaram pouco depois do início do ano e a seguir se sumiram ser deixar rasto.
Amílcar Cabral gozava de grande prestígio na Guiné e em Cabo Verde, bem como junto dos demais movimentos de libertação e de todos os que em África incentivavam a luta pela independência. Em Portugal e no mundo em geral, beneficiava da simpatia generalizada dos que apoiavam a luta dos povos coloniais. Mesmo no teatro das operações, onde então me encontrava, Amílcar Cabral gozava ainda de uma aura mítica que atingia os próprios apolíticos e até os que lutavam convictamente (muito poucos) pela “integridade da pátria”. Era um adversário muito respeitado, por uns e por outros.
Foi com grande consternação e apreensão que na Guiné se tomou conhecimento da morte de Amílcar. Havia a generalizada convicção de que nada passaria a ser como dantes. E, de facto, assim foi. A morte de Amílcar acelerou a ofensiva do PAIGC, a norte e a sul, terá mesmo antecipado a declaração unilateral de independência, em Setembro do mesmo ano, e levou à substituição de Spínola.
A morte de Amílcar intensificou a luta e a derrota da política colonial do Estado Novo, mas acabou por ter, a prazo, efeitos muito nefastos sobre o futuro da Guiné. Ele era o cimento que ligava todas as etnias e que com a sua acção e doutrinação quotidianas ia forjando a própria nação. A sua herança ainda perdurou por algum tempo, mas a sua morte prematura acabou por abrir brechas que nunca mais se fecharam.
Com a morte de Amílcar morreu também o sonho de uma África diferente.
A democracia portuguesa também deve o seu tributo à luta do PAIGC e a Amílcar Cabral. Verdadeiramente, foi na Guiné que o MFA nasceu. Foi na Guiné que os jovens oficiais das Forças Armadas Portuguesas se consciencializaram de que a guerra não tinha solução e de que somente seria possível pôr-lhe termo substituindo o governo e mudando o regime, o que veio a acontecer cerca de 15 meses depois de 20 de Janeiro de 1973!

DERROTA HISTÓRICA DOS DEMOCRATAS EM MASSACHUSETTS



EM PERIGO A REFORMA DA SAÚDE


Tudo aponta para uma derrota histórica dos democratas em Massachusetts na eleição para o lugar no Senado que pertencia a Edward Kennedy. Desde há 38 anos que a direita não elegia um senador naquele estado. O lugar em disputa pertenceu a John Kennedy e era do seu irmão mais novo, recentemente falecido, desde 1960.
A candidata democrática, Marta Coakley, partiu com uma enorme vantagem nas sondagens, ainda há cerca de um mês tinha cerca de 30 pontos de diferença, mas foi perdendo gradualmente apoio até chegar à situação em que está hoje, vários pontos abaixo do seu opositor, Scott Brown, do partido republicano.
Para além do que a derrota representa do ponto de vista simbóloco, num estado que tradicionalmente não vota republicano, ela pode inviabilizar a reforma da saúde. Com efeito, o texto aprovado pelo Senado na véspera de Natal não é igual ao que foi aprovado posteriormente na Câmara de Representantes, tendo, por isso, de voltar ao Senado.
Teoricamente os democratas ainda teriam uma chance de aprovar a reforma, antes que a minoria de bloqueio, agora com 40 votos, começasse a funcionar. Para isso teriam de aprovar a reforma antes que a eleição de hoje seja confirmada, o que leva cerca de um mês. Mas isso constituiria um enorme escândalo e ainda agravaria mais a situação de Obama e dos democratas para as eleições de Novembro.
Obama não poderia ter pior ocorrência para comemorar o primeiro aniversário da sua eleição. O que se está a passar na América é uma grande lição para quem suscita grandes expectativas...e depois fica a meio caminho, acabando por não agradar a ninguém: nem a quem o apoiou, nem a quem o combateu.
Se é certo que o partido democrático está longe de ser tão monolítico como é hoje o partido republicano, dominado pelos neoconservadores, não sendo, por isso, fácil impor-lhe uma linha política, também não é menos verdade que Obama tem responsabilidades no que se está a passar por ter sido excessivamente conciliador em muitas matérias onde poderia ter sido mais incisivo. Além de ter colocado no seu governo, em lugares fulcrais, personalidades que nada tem a ver com a prometida mudança.
O colapso da reforma da saúde, se ocorrer, abalará a credibilidade do Presidente e a sua aceitação junto dos seus apoiantes.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A CANDIDATURA DE ALEGRE E A DIREITA DO PS



A DIREITA DO PS TENTA BOICOTAR A CANDIDATURA

O anúncio feito por Manuel Alegre há uma semana de que estava disponível para se candidatar à Presidência da República deixou a direita do PS numa situação embaraçosa. Quando esta direita se preparava para lançar um nome que a representasse na Presidência, Alegre adiantou-se e deixou-a, para já, sem solução. Porque já se viu, em eleição anterior, que Alegre tem condições para disputar uma parte significativa do eleitorado do PS contra um candidato do aparelho.
Na impossibilidade ou na dificuldade de encontrar uma solução que a satisfaça, essa direita publicamente representada por Vitorino, Vitalino Canas, José Lello, Correia de Campos, Vital Moreira e outros vai tentando desacreditar a candidatura dizendo que ela não tem condições para ganhar, porque não conquista o centro. E Vitorino, perfidamente, vai mesmo mais longe: procura desacreditar o discurso da Alegre exactamente nos tópicos em que ele mais agrada ao eleitorado de direita.
Como aqui repetidamente tem sido dito, o PS tem no seu seio uma componente que reage vivamente a qualquer discurso político que defenda aquilo a que poderíamos chamar a democracia económica. Essa componente do PS muito ligada aos meios plutocráticos, de que são exemplo indiciário as transferências de Pina Moura e de Coelho para a presidência de grandes empresas oligopolistas, reage com todos os meios que tiver à sua disposição para impedir qualquer tipo de repartição mais equitativa de rendimentos.
Esta componente, em que Vitorino igualmente se insere não apenas ideologicamente, mas também pela sua voraz apetência pelo mundo dos negócios, é dominante no PS no plano governamental. Sócrates e a sua relação privilegiada com todas as grandes empresas, sejam elas da construção civil, da banca, dos seguros, das energias, representa no governo essa componente que frequentemente coloca o partido na contradição sentida por milhares de militantes e apoiantes entre os princípios que afirma defender e a prática política que na realidade prossegue.
A luta desta componente, dominante no PS, contra Cavaco Silva e contra o bloco conservador que o apoia não é uma luta ideológica decorrente de uma visão muito distinta sobre a forma de entender a governação nos planos económico e social. Mais ou menos investimento público, mais ou menos dívida, mais ou menos apoios sociais a quem já perdeu tudo e praticamente vegeta na sociedade sem direitos efectivos, eis no que consistem as diferenças. Depois haverá outras, que, embora tenham aparentemente um grande peso ideológico, não são muito decisivas e se manifestam em matérias que não custam dinheiro ou que têm limitado peso económico, como o regime do divórcio, a interrupção voluntária da gravidez ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em que de facto o PS de uma maneira geral, inclusive com o apoio da sua componente direitista acima referida, se distingue de Cavaco e da política do PSD e do CDS.
Mas o que verdadeiramente opõe Sócrates a Cavaco é a luta pelo poder. É decidir quem o tem e quem o exerce. Sociologicamente esta contradição assume grande relevo quando na sociedade não há, proveniente doutras forças antagónicas, uma ameaça verdadeiramente séria, como é actualmente o caso, não apenas em Portugal, mas na maior parte do mundo capitalista avançado.
E o que vai ser decisivo na escolha de Sócrates em matéria de candidatura presidencial é a sua avaliação sobre dois factores: a possibilidade de uma vitória por maioria absoluta em eleições legislativas antecipadas (evento que Cavaco no actual mandato vai tentar a todo o custo impedir), caso em que jamais apoiaria Alegre; e a possibilidade, fora daquela hipótese, de Alegre poder bater Cavaco, caso em que haveria alguma chance de esse apoio se verificar, nomeadamente se houver uma certa pressão do eleitorado PS nesse sentido.

ALGUNS ESCLARECIMENTOS SOBRE O AFEGANISTÃO



HÁ MUITA CONFUSÃO NO AR

Apesar de estar muito ocupado durante uns dias com outros assuntos inadiáveis, não posso deixar de voltar à questão do Afeganistão, depois de ter lido algumas incorrecções quer sobre o que aqui se tem escrito, quer sobre o que parece ser a estratégia ocidental.
Como muitos se recordarão, o objectivo invocado pelo Estados Unidos quando intervieram no Afeganistão, em Outubro de 2001, era o desmantelamento do Estado talibã, pela sua ligação com a Al Queda, de modo a evitar que essa ligação se reforçasse e pudesse favorecer os actos de terrorismo.
Qualquer que tenha sido o móbil do ataque da administração Bush, e não seria de pôr de parte uma ideia de retaliação pelos atentados de 11 de Setembro, a razão invocada foi aquela. E, como é óbvio, ao alcançar-se aquele objectivo, ficava também razoavelmente satisfeito o desejo de vingança.
Conforme todos igualmente se recordarão, o desmantelamento do Estado talibã foi facilmente conseguido pela operação Liberdade Duradoira (apesar de esta continuar em curso). Escorraçados os talibãs do Estado, Bush pediu o apoio dos seus aliados (e é aí que entra a NATO, além de outros) para garantir a segurança do país e a sua reconstrução, objectivo de que se ocupa a ISAF.
E a ideia que saiu da Conferência de Bona, de Dezembro de 2001, foi, no fundo, a de fazer do Afeganistão um Estado “ocidentalizado”. Um Estado democrático, respeitador dos direitos humanos, um Estado em que imperasse a igualdade entre os sexos e que combatesse o narcotráfico.
Karzai seria o homem do leme que com o apoio da ISAF criaria um novo Estado, com exclusão dos talibãs.
Mais de nove anos depois, a conclusão a que se chega é que este objectivo de construir um Estado à nossa imagem é completamente irrealista, daí o enorme falhanço da ISAF e mesmo o outro objectivo, o de continuar a combater os talibãs até à sua completa neutralização, a cargo da Liberdade Duradoira, também está longe de conseguir ter êxito, porque uma coisa foi afastar os talibãs do governo (formal) do país, outra muito diferente é afastá-los do Afeganistão e eliminar a sua influência.
Hoje não se sabe bem qual é a estratégia das forças ocidentais. E sem objectivos claros, realizáveis, e uma adequada estratégia para os alcançar ninguém ganha uma guerra.
A primeira coisa que a América e os seus aliados deveriam ter percebido é que os atentados consumados (e foram vários e graves), frustrados ou tentados pela Al Queda depois do 11 de Setembro, entendendo-se por Al Queda os combatentes “Jiahadistas internacionalistas”, passe o pleonasmo, ocorreram depois de desmantelado o Estado dos talibãs. Isto não quer dizer que não haja talibãs, como há sauditas, yemnitas, egípcios, etc, etc, militantes da Al Queda, o que quer dizer é que é um erro confundir uns com os outros.
A Al Queda, nunca é demais repeti-lo, aparece no Afeganistão, apoiada pelos americanos, aliada aos talibãs, para combater os soviéticos. E dessa aliança táctica resultou alguma proximidade, mas não ao ponto de os talibãs e os demais senhores da guerra do Afeganistão se deixarem dominar pela Al Queda. Por isso, a convicção de quem se opõe à guerra do Afeganistão é a de que quanto mais tropas estrangeiras lá houver, quanto mais civis a ISAF e os soldados da operação Liberdade Duradoura matarem, mais se reforça a aliança entre os talibãs e a Al Queda.
Se os afegãos forem entregues a si próprios acabarão, mais tarde ou mais cedo, por entender-se. E acabarão também por evoluir com o tempo, porventura necessitando de muito tempo, o que acaba sempre por ser preferível a qualquer tentativa de impor essa evolução a partir de fora e contra o sentir da própria sociedade.
O objectivo actualmente prosseguido pelas tropas ocidentais é confuso e irrealista. É confuso, porque não obstante a retórica que actualmente justifica a sua presença no Afeganistão, continua tributário da ideia de que é preciso impedir a todo o custo que os talibãs alcancem novamente o poder. E é irrealista porque jamais se pode impor um modelo de Estado contra a vontade dos seus nacionais. Por isso, todas as análises lúcidas chegam á conclusão de que o modo de governo que os ocidentais estão a impor no Afeganistão não sobrevive à sua saída.
Basta ler as declarações e as entrevistas que Stanley McCrystal tem dado sobre o que pretendem as tropas sob o seu comando para se perceber que a sua ideia não é assim muito diferente dos que no fim da guerra do Vietname preconizavam a vietnamização do conflito ou da daqueles que no estertor das guerras coloniais “sonhavam” em pôr lá a governar alguém que, sendo formalmente da “casa”, na realidade os representasse!
Ligar o Afeganistão ao terrorismo é uma grande simplificação, que a realidade diariamente desmente. Por essa lógica muitos outros países vão ter de ser ocupados. O que quer dizer que o terrorismo tem de ser combatido por outros meios e de outro modo.
Se a próxima Conferência de Londres prosseguir na mesma senda, e dificilmente deixará de o fazer, depois de Obama em Washington haver claudicado, não se augura nenhum futuro feliz para a ISAF no Afeganistão.

sábado, 16 de janeiro de 2010

AINDA O AFEGANISTÃO



ESTAVAM MESMO À ESPERA DO APOIO RUSSO

A guerra do Afeganistão é uma guerra sem saída. Quase com dez anos de guerra tudo tem piorado. Os americanos e a NATO vão ter a mesma sorte da União Soviética e do Império Britânico, esta tão eloquentemente comentada por Eça de Queiroz, em artigo aqui já reproduzido.
O apoio que duas importantes personalidades russas deram esta semana à guerra do Afeganistão encheu de júbilo aqueles que só estavam à espera de um pequeno pretexto para manifestar o seu apoio aos americanos e à guerra.
De facto, a questão não está em saber se os talibãs são ou não obscurantistas ou o que pode acontecer ao Afeganistão se a Nato e os americanos de lá saírem. A questão está em que a guerra não pode ser ganha, os afegãos não querem lá os ocidentais e, por isso, o que se impõe é sair bem enquanto isso pode ser feito.
Como a história não tem “ses” também não adianta estar agora a responsabilizar aqueles que armaram e apoiaram os talibãs, como menos adianta ainda estar a tentar reparar hoje as asneiras feitas há trinta anos. Quem tem de se ver livre dos talibãs, se esse for o seu desejo, são os afegãos.
Os que frequentemente sublinham a importância deste combate para a nossa segurança ou os que só estavam à espera que surgisse uma oportunidade diferente das habituais, oportunidade que os articulistas russos lhes proporcionaram, para continuarem a apostar numa guerra perdida e sem sentido, fazem-me lembrar os defensores da guerra colonial. Também estes continuavam a guerra quando já era evidente que a não podiam ganhar, todavia à medida que esta ideia se generalizava eles iam formulando novos argumentos para justificar a continuação da luta. Também então era a defesa da civilização ocidental que estava em causa ou até o futuro das próprias populações que importava pôr a salvo da influência nefasta dos “terroristas”.
Enfim, tudo muito parecido…

MANUEL ALEGRE CANDIDATO A BELÉM


ALEA JACTA EST

Já não há recuo, Manuel Alegre será candidato a Belém, conforme se esperava depois da entrevista da passada semana ao Expresso.
Como convém a uma candidatura presidencial, também esta foi lançada com tempo suficiente para se afirmar. Cavaco vai ficar nervoso e a candidatura de Alegre vai condicionar muito a sua actuação até que anuncie a sua candidatura. Se o PSD ainda existir daqui a uns meses, e se estiver a ser dirigido por alguém com um mínimo de capacidade política, Cavaco vai ser pressionado a decidir-se com alguma antecedência, nomeadamente se as sondagens não lhe forem completamente favoráveis. É que a direita, apesar das desavenças pessoais que reinam no seu seio, até tem melhor candidato do que Cavaco, embora ninguém se atreva a fazer-lhe frente antes que decorra um prazo razoável.
Do lado do PS só um nome poderia fazer frente a Alegre, embora o seu lançamento pressuponha agora uma jogada muito arriscada: refiro-me a Sócrates. Houve momentos nesta legislatura em que pareceu que Sócrates não desdenharia medir-se com Cavaco. Agora, com Alegre já em palco, a hipótese de Sócrates perde terreno. Assim sendo, o PS ou repete 2006 ou apoia Alegre, qualquer que seja a opinião da sua ala direita.
Como se viu nas últimas presidenciais, o Bloco não tem grande peso autónomo neste tipo de eleições, embora o seu eleitorado das legislativas apoie claramente Alegre, que vai ter de fazer algum esforço para não se deixar colar excessivamente ao Bloco.
Do lado do PCP não se compreendeu muito bem uma parte das declarações de Ruben de Carvalho. Dizer que o PCP não prescinde de apresentar o seu próprio candidato é normal e nada tem de novo relativamente ao que se passou em todas as presidenciais. Mas avançar com a consideração de que nem sequer é seguro que Alegre faça o pleno do PS e da esquerda é que já parece despropositado, pelo menos no que se refere ao PS. De qualquer modo, Ruben não é para este efeito a voz do partido…
Por último, Alegre é o único candidato de esquerda que pode recolher votos anti-cavaquistas de direita, sendo nisso muito ajudado pelo seu discurso sinceramente patriótico e vagamente nacionalista que a direita aprecia.

AFEGANISTÃO: UM ARTIGO SURPREENDENTE




MAIS CONSELHOS RUSSOS

O Monde de hoje dá conta de um artigo surpreendente publicado no New York Times de 11 deste mês (depois reproduzido no Internacional Herald Tribune de 12), assinado por dois altos responsáveis russos: Dmitri Rogozini, Embaixador da Rússia na NATO e Boris Gromov, actual governador da região de Moscovo e comandante do 40.º exército soviético no Afeganistão.
Ambos se dizem muito preocupados com a sorte da NATO no Afeganistão, considerando que a aliança perderá a sua base moral e a sua razão de ser se não cumprir a sua tarefa no Afeganistão. Vão mesmo ao ponto de afirmar que uma saída do Afeganistão sem uma vitória poderia provocar um colapso das estruturas de segurança ocidental.
Curiosamente, também referem terem sido eles, os soviéticos, os primeiros a defender a civilização ocidental no Afeganistão contra os muçulmanos fanáticos, facto que ninguém lhes agradeceu.
Na resposta que dei a um comentário sobre o último post que escrevi sobre o Afeganistão referi esse aspecto para o contrastar com o facto de terem sido exactamente os americanos que armaram, treinaram e apoiaram os talibãs obscurantistas, baseados no princípio de que tudo valia para lutar contra a União Soviética e o comunismo, esquecendo-se que socialismo e capitalismo são duas variantes da cultura ocidental, uma contradição secundária, na terminologia marxista, quando comparada com o verdadeiro choque civilizacional que hoje existe entre o mundo ocidental tal como os muçulmanos o vêem e o Islão que lhe resiste, tal como os ocidentais o entendem – essa sim, uma contradição verdadeiramente primária.
O Monde continuando hoje com a linguagem da Guerra Fria não tem qualquer problema em, passados mais de vinte anos, veicular uma série de mentiras como se estivesse em plena época McCartista e deixar implícito que no Afeganistão dantes estavam os “maus” e agora estão os “bons”..
Mas voltando ao artigo das personalidades russas. O que é surpreendente não é tanto o facto de a sua análise divergir consideravelmente de outras análises russas, como a circunstância de ambos recearem que a derrota da NATO acarrete o colapso das estruturas da segurança ocidental. E é surpreendente porque Rússia tem visto na NATO, e principalmente na sua extensão a leste, uma ameaça à sua própria segurança.
Duas explicações parecem possíveis. Uma, a pérfida, que vê na exortação da continuação da luta, que se sabe perdida, o caminho mais rápido para a desagregação da NATO. A outra, não assente na teoria da conspiração, que aponta para uma análise de dois responsáveis políticos que realmente temem uma derrota da NATO no Afeganistão, antes de mais pelas consequências que essa derrota poderia acarretar para as repúblicas da Ásia Central, limítrofes do sul da Rússia.
Esta segunda explicação também ajudaria a demonstrar que, afinal, a tal falta de liberdade de que frequentemente se fala permite apesar de tudo que dois altos responsáveis da Rússia exponham a respeito da NATO posições claramente contrárias à doutrina oficial.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

UCRÂNIA: DOMINGO PRIMEIRA VOLTA DAS PRESIDENCIAIS



SEGUNDA VOLTA A 7 DE FEVEREIRO

O actual presidente da Ucrânia, Iuschenko, candidato às eleições presidenciais do próximo domingo, não terá, segundo as sondagens, mais do que 3,5%. A actual primeira-ministra, Júlia Timoschenko, deverá ficar entre 19% e 22%. Yanukovich, muito forte no sul e no leste do país, deverá ser o mais votado na primeira volta, embora a vantagem que as sondagens lhe atribuem oscila dentro de um grande intervalo (26% a 42%).
O PIB ucraniano teve em 2009 uma queda de 15%. Não há politicamente ninguém que resista a uma situação destas. Mesma assim, alguma imprensa ocidental já vai falando em possíveis fraudes eleitorais, sendo todavia muito pouco provável que desta vez haja terceira volta…

A GRÉCIA, A ALEMANHA E O EURO



A PREOCUPAÇÃO DA ALEMANHA

Já neste blogue chamámos a atenção para o facto de a Alemanha ter introduzido na Lei Fundamental uma disposição imperativa sobre o montante máximo admissível de défice na Federação e nos Länders.
Que me recorde, não li na imprensa portuguesa nem ouvi nos comentários televisivos, nomeadamente de economistas, qualquer referência àqueles factos. Na altura em que tais disposições foram aprovadas comentámos o significado político daquelas normas. É evidente que a questão do euro é uma questão fundamental para a Alemanha. Tal como acontecia com o marco, a RFA também não abdica de um euro forte.
A situação da Grécia com um défice declarado de 12,7%, mas que toda a gente admite ser muito superior, tem causado grande preocupação em Berlim. Por vontade da Alemanha, a Grécia teria de tomar imediatamente medidas com vista à redução drástica daquele desequilíbrio. Como o não pode fazer, vai dizendo que não prevê tempos fáceis para o euro nos próximos anos.
É claro que a situação da Grécia, como seria ou será a de Portugal, não inibe a Alemanha de se pronunciar, mas o que a Alemanha verdadeiramente teme é um desequilíbrio estrutural noutros países, de outra dimensão económica, como a França, a Espanha e a Itália.
Se a falta de competitividade da maior parte das economias do euro continuar a acentuar-se – facto que até agora tem atingido apenas as economias dos países periféricos – o conflito entre os que defendem um euro forte e os que pretendem um euro que torne as economias mais competitivas vai necessariamente ocorrer.

"DIRECTO AO ASSUNTO"



VALE A PENA VER

São muito raros os programas de comentário político que verdadeiramente compensem o tempo que se perde com eles. De uma maneira geral os comentadores oscilam entre aquilo que é consensual no grande bloco central e as pequenas disputas de ocasião para justificarem que são diferentes. Mas na realidade não são. E os programas acabam por ser uma coisa insípida sem nenhuma ideia nova e realmente diferente.
Não é assim que as coisas se passam no “Directo ao assunto”, transmitido na RTP N e que eu costumo ver nas madrugadas de 5.ª feira (é natural que passe a uma hora mais apresentável…). Este é um programa mais vivo que os restantes muito por responsabilidade e mérito da Joana Amaral Dias, cujas intervenções constituem uma verdadeira lufada de ar fresco neste clima bafiento que é o do comentário político português.
Além de que ela é muito firme nas suas opiniões, muito segura e de uma maneira geral bem preparada. Num clima ideologicamente hostil, não se deixa minimamente intimidar nem faz qualquer tipo de concessão à maioria que a rodeia. Deve dizer-se em abono da verdade que o Carlos Amorim, sendo um neoliberal crítico, intervém com alguma margem de independência relativamente aos sectores políticos em que ideologicamente se situa. Já Emídio Rangel é de um alinhamento tão acrítico com o poder que está sempre a correr o risco de ser ultrapassado pelas cedências que o PS se vê forçado a fazer em consequência da nova situação em que se encontra. Ainda não se adaptou…
É estranho que a Joana Amaral Dias não tenha um lugar de maior relevo no BE. Sem querer minimamente questionar as regras de democracia interna do partido, mas tentando antes perceber esta relativa marginalização, não creio que ela esteja a ser vítima de qualquer complexo obreirista, porque o Bloco é tudo menos obreirista, também não creio que seja qualquer preconceito elitista que a afasta, já que o eleitorado do Bloco é bastante mais elitista do que o dos restantes partidos. Talvez ela esteja a pagar o tributo do seu próprio glamour…Mas, se for isso, quem fica a perder é o Bloco.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

ARTUR SANTOS SILVA NA SIC NOTÍCIAS



UMA ASSINALÁVEL DIFERENÇA DE TOM

Artur Santos Silva, Presidente da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República, esteve hoje na SIC N para falar das comemorações e também da situação do país.
Sobre a situação do país falou sobre o défice, a dívida e os investimentos públicos. Apesar de ter dito o que porventura outros já terão dito, houve na sua intervenção uma clara diferença de tom quando comparada com a da generalidade dos economistas que por lá tem passado.
Em primeiro lugar, é preciso que se diga que Santos Silva não é economista de formação. A sua formação é jurídica e apesar de em Coimbra ter leccionado, como assistente da Faculdade de Direito, cadeiras da valência económica da licenciatura, há sempre uma considerável diferença de estilo entre os juristas e os economistas quando abordam temas económicos.
Santos Silva marcou a diferença entre o défice e a dívida, nomeadamente a externa, facto que os economistas passam frequentemente por alto, lembrando que as medidas para atacar um não produzem efeito na outra. E quanto aos investimentos públicos, recusou-se a concretizar, por não dispor de toda a informação de que necessitaria para opinar, limitando-se a dizer que a situação económica exige que se restrinja o investimento público.
Enfim, o que achei diferente na sua intervenção foi o facto de não ter ostensivamente identificado os destinatários directos das medidas de redução do défice orçamental, da dívida e dos investimentos.
Não admira que Santos Silva, oriundo de uma família de largas tradições democráticas e ele também com passado democrático no tempo da ditadura, tenha abordado aqueles temas com a delicadeza política que eles merecem. Pode dizer-se que o simples facto de não ter apontado os alvos é pouco. Talvez, mas no presente contexto em que há uma clara ofensiva no sentido de fazer pagar a crise aos mais fracos, aquele silêncio não pode deixar de ser interpretado positivamente.
Bem vistas as coisas não é de estranhar, para quem o conhece, que tenha actuado assim. Pertencente a uma certa “aristocracia” burguesa do Porto, comprometida com os valores da democracia e da cidadania, ele está pela sua origem de classe e pela sua formação a léguas desses economistas lacaios do grande capital que diariamente nos debitam, sem qualquer originalidade, as receitas habituais qualquer que seja a situação sob análise.

"CONTAS À VIDA" NA TVI 24



BREVES CONSIDERAÇÕES

“Contas à vida” é um programa de economia da TVI 24. Hoje de madrugada, por mero acaso, tomei contacto com ele, creio que numa transmissão em repetição.
Estavam presentes Braga de Macedo, Pina Moura e João Rodrigues. O moderador era o Peres Metello. Se o programa tivesse apenas como intervenientes Braga de Macedo e Pina Moura, teria pura e simplesmente feito zapping para preservação da minha saúde mental, ainda por cima àquela hora da noite. Mas estava lá João Rodrigues, e eu, que só o conheço dos Ladrões de Bicicletas e dos artigos nos jornais, tinha curiosidade em o ver debater temas económicos com aqueles dois senhores.
Como não podia deixar de ser, discutiu-se o orçamento, o défice, a dívida e também o euro. Braga de Macedo defendeu o que seria normal que defendesse. Pina Moura, como economista teórico, é primário. Nada do que diz tem consistência teórica e o seu discurso, acentuadamente ideológico, é típico de um político que diz aquilo que é conveniente que politicamente se diga.
João Rodrigues tinha coisas importantes e diferentes para dizer. Mas não sabe falar em televisão. E fica prejudicado por isso. Em televisão os raciocínios têm que ser directos e as frases têm de concluir-se. É mais importante concluir uma frase e completar uma ideia do que tentar simultaneamente expor várias ideias, por maior conexão que haja entre elas, sem acabar nenhuma frase nem completar qualquer ideia. Isso dá força ao oponente e não transmite a mensagem devida ao ouvinte.
Não sei se ele é comentador residente ou se foi lá por acaso. Mas se é habitué da próxima vez, por favor, conclua as frases e as ideias e não deixe que o seu raciocínio seja frequentemente interrompido por orações intercaladas, também elas incompletas, que retiram a atenção do principal e acabam por não esclarecer o acessório.

UMA CRÓNICA SUBLIMINARMENTE RACISTA E XENÓFOBA




PEDRO LOMBA NO PÚBLICO DE HOJE

No Público de hoje Pedro Lomba escreve uma crónica sobre os eventos da Calábria que opuseram os emigrantes estrangeiros a milícias calabresas em várias batalhas campais de proporções pouco habituais em países europeus.
Claro que o sul de Itália passa por uma grave crise. Mas essa situação é crónica, pelo menos, desde a II Guerra Mundial. Lá como cá, há trabalhos que os nacionais não querem fazer. Por outro lado, a emigração é hoje cada vez menos uma saída para as populações do sul da Itália e da Sicília.
Curiosamente, é nestes territórios que, também desde a II Guerra Mundial, a direita italiana se abastece de votos sem que por lá haja grande penetração dos partidos de esquerda, mesmo do próprio PCI, nos seus tempos mais gloriosos. Paradoxalmente, estes italianos do sul são claramente discriminados pelo Norte, que desde a reunificação considera que recai sobre si o encargo de pagar a “preguiça” do mezzogiorno.
Esta estranha aliança da direita do Norte com a direita do Sul tem como grande intermediário a Máfia (seja ela a Camorra da Campânia, a Ndrangheta da Calábria ou Cosa Nostra da Sicília). Foi assim durante a Democracia Cristã, é assim com Berlusconi, com a diferença de que agora as ligações são praticamente às claras e processam-se com o maior descaramento e impunidade.
Berlusconi tem protagonizado uma política racista e xenófoba (como alguém dizia, a Itália de Berlusconi, se ninguém fizer nada, será o futuro espelho da Europa), que apesar das manifestações de hostilidade e de censura de que tem sido alvo por parte das forças progressistas italianas e até do próprio Vaticano, tem gozado da silenciosa cumplicidade da União Europeia, tanto das instituições de Bruxelas, como dos respectivos Estados Membros, com raras e honrosas excepções, entre as quais figura a Espanha de Zapatero.
É opinião corrente que por trás dos conflitos com os emigrantes está a Máfia Calabresa. E por trás da Máfia Calabresa está o caldo de cultura que Berlusconi e a racista Liga do Norte tem vindo a disseminar na sociedade italiana.
Pois, o que diz Pedro Lomba? Omitindo tudo isto, começa por defender, apoiando-se numas ingénuas declarações de Prodi (insuspeito, claro!), a peregrina tese de que a Itália não estava habituada a viver com estrangeiros! Cada italiano habita mentalmente um espaço restrito e por aí se confina!
Se há povo na Europa que pela sua história milenária sempre manteve contactos com estrangeiros, e mais tarde, fez da emigração uma constante da sua vida em comunidade, esse povo é o italiano. De qualquer modo, mesmo que estes factores fossem irrelevantes, por a emigração que os italianos hoje recebem os obrigarem a tipo de contacto com estrangeiros diferente daquele que resultava das suas anteriores experiências, a situação italiana não tem nada de original quando comparada com o que se passa noutros países europeus de grande concentração emigrante, como o Reino Unido, a Alemanha, a França, a Espanha, a Holanda, entre outros, onde, não obstante a existência de alguns conflitos, não existe uma doutrinação oficial racista e xenófoba, destinada a difundir na comunidade um sentimento anti-emigrante semelhante ao que existe na Itália.
Finalmente, Lomba depois desta incursão sócio-antropológica, refugia-se na etimologia latina para justificar aquela hostilidade, esquecendo-se que essa mesma etimologia o afastaria igualmente dos hospitais, que apesar de serem um lugar que ninguém deseja frequentar, constituem muitas vezes a única esperança da continuação da vida.
Por todas estas razões, a crónica de Pedro Lomba no Público de hoje pode, a justo título, considerar-se uma manifestação subliminar de racismo!

O IRAQUE E A HIPOCRISIA EUROPEIA



AS “INVESTIGAÇÕES” NA GRÃ-BRETANHA E NA HOLANDA

Não há ninguém com um mínimo de conhecimentos políticos que não soubesse em Março de 2003 o que sabe hoje sobre a guerra que Bush e os seus aliados estavam para desencadear no Iraque.
A guerra do Iraque nada tinha a ver com as tais armas de destruição em massa, que os americanos afirmavam existir, e que as equipas da ONU, no terreno, nunca confirmaram, mas antes com uma estratégia americana, intimamente apoiada pelos ingleses, para o Médio Oriente, na qual aparecia como factor determinante o controlo das riquezas energéticas da região.
O facto de Saddam Hussein governar em ditadura e se ter mostrado implacável com os seus inimigos internos, bem como com o movimento separatista curdo, não constituía em si uma preocupação para os americanos que sempre conviveram muito bem com as ditaduras mais execráveis.
Houve na altura tempo mais do que suficiente para desmontar as pseudo-provas que a América e a Inglaterra afirmavam possuir sobre a existência das tais armas, houve debates parlamentares em todos os países, houve reuniões do Conselho de Segurança, houve manifestações em todo o mundo, como há muito não se viam, condenando a iminente invasão, havia portanto, toda uma informação muito completa sobre as intenções de Bush e sobre as manobras que a sua diplomacia estava tentando pôr em prática para assegurar uma réstia de legitimidade ao crime que estava em vias de ser perpetrado.
A Europa da NATO, com as honrosas excepções da França (Jacques Chirac) e da Alemanha (Schröder), apoiou sem reticências a aventura americana, embora com intensidade diferente de país para país. O entusiasmo guerreiro de Bush e de Blair, acolitado pela Espanha de Aznar, pela Polónia (de todos) e pela generalidade dos países do Leste, mesmo dos que não faziam, nem fazem, parte da NATO, como a Ucrânia e a Geórgia, hipocritamente atenuado por outros, começa agora a ser questionado um pouco por toda a parte.
Este ajuste de contas, de resto sem grandes consequências práticas, é um típico exercício de hipocrisia em que os europeus são peritos. Se tudo tivesse corrido bem, o assunto teria morrido e teria sido enterrado com o êxito da operação político-militar. Como correu mal, a Europa, que sabia exactamente o que se estava a passar, põe agora o seu ar mais ingénuo e diz para a História que foi enganada pelos serviços secretos, pelo primeiro-ministro, enfim, por aqueles que estavam mais próximos de Bush.
Com toda a franqueza, estas investigações sobre a guerra do Iraque são uma farsa tão mal encenada como as investigações sobre os voos da CIA.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

UCRÂNIA: AVIZINHA-SE O FIM DA "REVOLUÇÃO" LARANJA


UNM FINAL ESPERADO
Se as sondagens não estiverem completamente erradas, no próximo domingo, a auto-intitulada “revolução” laranja terminará na Ucrânia.
O pró-americano Victor Iuschenko parece não ter qualquer possibilidade de ser reeleito, apesar de se continuar a considerar como grande defensor da independência nacional e acusar os seus adversários, Julia Timoshenko, actual primeira-ministra, e Victor Yanukovich, anterior presidente da república e também primeiro-ministro, como agentes do Kremlin.
O país está quase na bancarrota, aliás, já estaria se não tivesse negociado um empréstimo com o FMI e não se perspectiva nos tempos mais próximos uma modificação na situação económica.
A presidência de Iuschenko, manifestamente anti-russa, não logrou obter o apoio dos ucranianos. É impossível apagar o facto histórico de a Rússia “ter nascido” na Ucrânia e apesar de tudo o que se passou na Ucrânia, no século passado, durante década de 30 e a seguir à ocupação nazi, continua a haver uma grande ligação entre os dois países e os dois povos. Uma política hostil à Rússia é uma política contra-natura e os resultados estão à vista. Por outro lado, a situação económica, em grande parte consequência daquela hostilidade artificial, também não ajudou Iuschenko a consolidar a sua política.
Quem no Ocidente supunha que a Ucrânia era uma espécie de Polónia enganou-se.

HAITI - HOJE É DIA DE LUTO MUNDIAL




UMA CATÁSTROFE EM CIMA DE MUITAS OUTRAS

O Haiti parece de há muito estar a pagar a ousadia de ter sido um dos primeiros estados independentes da América e de ter abolido a escravatura bem cedo num continente que a manteve até ao último quartel do século XIX.
O Haiti impressiona pela sua extrema pobreza mesmo a quem está habituado a lidar com a pobreza nos quatro cantos do mundo. À sua condição de país sem esperança, o Haiti assistiu ontem a uma catástrofe de proporções cósmicas, cujos efeitos se vão prolongar por muito tempo.
Se efectivamente existisse a tal “comunidade internacional” de que a Sra. Clinton tanta fala como algo diferente de um simples apêndice da política externa americana, o Haiti seria o local ideal para ela demonstrar a sua vitalidade e expressar a sua solidariedade a um povo que ficou numa situação sem qualquer hipótese de recuperação pelos seus próprios meios.
O Haiti justificaria uma espécie de declaração de calamidade pública internacional coordenada pelas Nações Unidas com competência para gerir toda a ajuda internacional. Infelizmente, quando os holofotes que buscam desgraças para alimentar os noticiários se apagarem, o Haiti vai ficar entregue aos seus parcos recursos e à boa vontade, e não menos escassos recursos, daqueles que pouco mais podem oferecer que o seu apoio moral.

A PRESIDÊNCIA ESPANHOLA, O TRATADO DE LISBOA E A COMISSÃO DE BARROSO



COMO É QUE SE VÃO ENTENDER TODOS?

No começo do ano, ou talvez em fins de Dezembro, Jean Marie Columbani escreveu um interessante artigo no Le Monde em que chamava a atenção para a grande confusão institucional que pode resultar da aplicação do Tratado de Lisboa. A imagem de marca do Tratado era a resolução da questão institucional. E os seus autores empregaram-se tão a fundo nessa tarefa que nem se aperceberam dos problemas que poderiam resultar dos vários eixos de poder que entretanto criaram ou institucionalizaram.
Com efeito, temos para começar o Presidente do Conselho Europeu e a Alto Representante para a política externa; depois a presidência de turno (que continua a existir) do Estado-membro respectivo; a seguir Durão Barroso e a sua Comissão; finalmente, o Conselho de Chefes de Estado e de Governo (órgão que antes não existia institucionalizado).
O Presidente do Conselho Europeu preside ao Conselho de Chefes de Estado e de Governo, mas na realidade não domina a agenda, que é elaborada no Comité de Representantes Permanentes, presidido, como no passado, pelo Embaixador do país que tiver a presidência.
O mesmo se passa com o Conselho dos Assuntos Exteriores que, sendo presidido pela Alto Representante, vai ter de lidar com a agenda fixada no Comité de Representantes Permanentes, sendo certo que tanto neste caso como no anterior, o Conselho de Assuntos Gerais, igualmente presidido pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros do país que exercer a presidência, também interfere na sua fixação.
Para complicar ainda mais as coisas, todos os demais conselhos são presididos pelos respectivos ministros sectoriais do país que exercer a presidência. A ideia que foi passada para a opinião pública de que as presidências dos Estados-membros terminariam com o Tratado de Lisboa é falsa, como falsa é a ideia de que estes deixariam doravante de presidir aos conselhos comunitários. Somente o Conselho Europeu e o Conselho de Assuntos Exteriores são presididos pelas duas novas figuras criadas pelo Tratado de Lisboa. Todos os demais continuam como estavam.
A Comissão mantém no essencial os seus poderes, mas agora não tem que se coordenar apenas com o Estado que exerce a presidência, mas também com o Presidente do Conselho Europeu e o Alto Representante, relativamente aos conselhos presididos por estes. E não vão ser poucos os conflitos entre estes e aqueles, porque sendo, em última instância, a agenda dos conselhos elaborada pelos EM e cabendo a presidência àquelas duas personalidades estão criadas objectivamente as condições para o surgimento de uma situação potencialmente conflituosa.
Depois, vem ainda a força dos Estados Membros, representados ao mais alto nível, no Conselho Europeu, órgão que nos últimos anos adquiriu grande peso em virtude da deriva intergovernamental da União.
O grande número de Conselhos e cimeiras propostas por Espanha para realização durante a sua presidência foi encarado com alguma apreensão em Bruxelas. Embora o governo Espanhol, e principalmente Zapatero, diga que não quer retirar protagonismo a ninguém, a verdade é que tal acto foi tido como afirmação de força de uma presidência que quer continuar a ser como antes.
Entretanto, Barroso lá vai esperando o resultado da audição dos seus comissários no Parlamento Europeu. Catherine Ash foi ouvida segunda-feira e não entusiasmou ninguém. As respostas foram muito simples e banais. Mais ágil tem sido ela na constituição do gabinete, onde para já, nos lugares importantes, só há ingleses! Depois seguir-se-á a enorme burocracia da instalação dos “embaixadores” da União.
Ouvido também já foi o Comissário finlandês dos Assuntos Económicos e Monetários, Olli Rehn, que pediu uma posição europeia única nos organismos (institucionalizados ou não) económicos e financeiros internacionais, e o controlo da dívida pública dos EM, considerada insustentável
Enfim, se “aquilo” já era confuso, mais confuso e burocratizado vai ficar.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

CRESPO, SOLÍCITO, CHAMA JOÃO SALGUEIRO




E SALGUEIRO, COMO SE ESTIVESSE DE FORA, DEBITA O DISCURSO CATASTROFISTA

Evidentemente que existe uma situação grave em Portugal. Ela é da responsabilidade política dos que têm dirigido o país e daqueles mais directamente influenciam os governantes. João Salgueiro está nos dois grupos. Ele tem uma grande responsabilidade na situação económica do país, quer como governante, quer como empresário, quer intelectual do regime.
Todavia, fala como se nada tivesse a ver com o que se passa. E mais do que isso: faz críticas demagógicas a soluções que ele próprio ajudou a tomar. A desqualificação da administração pública e o ataque aos funcionários públicos fez parte da estratégia neoliberal de enfraquecimento do Estado.
João Salgueiro é e foi um dos seus grandes propagandistas. Pois agora é o mesmo João Salgueiro que se vem lamentar da falta de competência técnica dessa mesma administração, da sua substituição pelos boys dos gabinetes e do recurso a gabinetes de consultores para substituição de uma e de outros. E é esse mesmo João Salgueiro que agora se vem queixar da ausência de acompanhamento científico dos empresários agrícolas por essas valências do Ministério da Agricultura terem sido praticamente desactivadas.
João Salgueiro apoiou, como praticamente todos os economistas do establishment, a adesão ao euro. Pois é esse mesmo João Salgueiro que agora vem dizer que essa adesão pressupunha um nível de competitividade que na realidade não tínhamos nem temos.
Salgueiro fala ainda na dívida, como se a dívida resultasse da decisão perversa de uns quantos que querem comprometer o futuro do país, e não fosse antes a consequência de um processo de acelerada concentração capitalista e de iníqua distribuição de rendimentos, que somente mediante o recurso permanente ao crédito se pode manter. De facto, tendo o capitalismo neoliberal acabado com qualquer hipótese de democracia económica, mas tendo simultaneamente criado a ilusão de que ela existe, o recurso ao crédito apresenta-se como o único meio possível de manter os níveis de consumo e crescimento de que o sistema necessita para sobreviver.
A dívida não é, portanto, apenas do Estado, mas também das empresas e das famílias. Se o recurso ao crédito cessar, mantendo-se os actuais parâmetros de distribuição de rendimentos, o sistema colapsa.
Este capitalismo não tem saída. Mas já se viu que ninguém o consegue mudar por um processo idêntico ao do New Deal. Hoje, os interesses que se opõem à mudança são consideravelmente mais fortes do que eram na década de 30 do século passado. E os agentes de transformação social são incomparavelmente mais fracos.
Não haja ilusões: o mal está a tocar todos os países capitalistas, a começar pela América. Mas já se alastrou a toda a Europa. Primeiro atinge os mais frágeis, mas a seguir virão os outros. As grandes crises económicas e sociais arrastam consigo transformações políticas inevitáveis. Mas não há nenhuma razão para supor que essas transformações irão no sentido progressista. As transformações progressistas não surgem do nada, surgem da luta. E como essa luta não existe, nem tem condições para tão cedo se estruturar, as modificações políticas que ocorrerem irão certamente no sentido oposto, campo onde o consenso ideológico é muito mais facilmente alcançável

MARCELO REBELO DE SOUSA VAI DEIXAR "AS ESCOLHAS DE MARCELO"




PORQUE VITORINO VAI PÔR TERMO ÀS “NOTAS SOLTAS”

A decisão da RTP é incompreensível. Política e empresarialmente. Não falta quem queira Marcelo como comentador. É inteligente, criativo, divertido, irónico, perverso, enfim, reúne todos os atributos para captar audiência. Vitorino, pelo contrário, é um “soda”.
Esteve 5 anos (!!!) na RTP e ninguém deu por ele. Vitorino, depois do que lhe aconteceu com Durão Barroso, ficou politicamente diminuído. Não por ter sido com Durão Barroso, que até é melhor do que ele, mas por se ter deixado ludibriar politicamente daquela maneira.
Insisto, não se compreende a decisão da RTP. A ERC diz que não tem nada com o caso. Então, quem tem? A direcção da RTP? Com base em que critérios? A única explicação parece estar no facto de Vitorino, chamado pelos negócios, não ter tempo para dedicar às “Notas Soltas” e a RTP, para manter o equilíbrio e agradar ao “patrão”, ter decidido acabar com o programa de Marcelo.
Mas que equilíbrio? Em primeiro lugar, não há qualquer equilíbrio entre os dois programas. Um vale pelos seus méritos; outro foi imposto. Em segundo lugar, onde está o equilíbrio relativamente aos demais partidos políticos?

A DEFESA DE CARLOS CRUZ

MAIS DECÊNCIA

Ontem, a defesa de Carlos Cruz queixou-se da morosidade do processo, falou em direitos do homem e protestou veementemente contra os ajustamentos introduzidos na acusação decorrentes da audência de julgamento.
Toda a gente sabe que o processo Casa Pia vai no seu quinto ano de julgamento (ou mais, não sei bem) por culpa, antes de mais, do Código de Processo Penal que permite aos arguidos todo o tipo de manobras dilatórias e outros expedientes destinados a fazer prescrever o processo. Mas por culpa também dos arguidos que usam essses expedientes para impedir o normal funcionamento da justiça.
E como muito bem disse o advogado da Casa Pia, não se compreende a queixa da defesa de Carlos Cruz quando ela é a exclusiva responsável pelo não andamento do processo.
Criou-se na sociedade portuguesa a ideia de que vale tudo. E se o fim em vista for alcançado não há censura que faça recuar quem assim procede. O resultado é sempre mais importante do que os meios a que se recorreu para o alcançar!

A ENTREVISTA DE MANUEL ALEGRE


UM TEXTO RARO NA POLÍTICA PORTUGUESA

Ainda não tinha tido possibilidade de ler a entrevista de Manuel Alegre ao Expresso. É um documento extraordinário, notável, raro na política portuguesa. Surpreendeu-me e superou tudo o que dele poderia esperar.
Conheço Manuel Alegre desde 1963, de Coimbra, das lutas académicas contra a ditadura, bem como toda a sua obra, que na generalidade admiro, com grande proximidade afectiva da Praça da Canção e do Canto e as Armas.
Nem sempre estive de acordo com Alegre e a discordância chegou mesmo a raiar o conflito durante a fase final do PREC e dos meses que se seguiram ao 25 de Novembro. Nesse período Alegre cavou um fosso muito doloroso com muitos daqueles que sempre o admiraram, independentemente de estar ou não no PCP. Joaquim Pessoa num poema memorável (o Canto e as Lágrimas), cantado por Carlos Mendes, exprimiu como só um poeta sabe fazer a desilusão que Alegre nos causara.
O tempo foi passando, as feridas cicatrizando, algumas deixaram marcas. Marcas que já não doem, mas que avivam a memória.
Na última eleição presidencial, uma eleição que eu considerava à partida perdida para a esquerda, não votei Alegre.
Depois dela, Alegre fez o que pôde no difícil contexto da governação de maioria absoluta de Sócrates. Talvez nem sempre tenha feito tudo o que podia, talvez não tenha sido inteiramente coerente com as suas proclamações. Mas fez o que ninguém fez dentro do PS. Quem estuda e aprofunda os mecanismos do totalitarismo sabe que os mecanismos do poder lhe estão próximos, embora num grau de gravidade que para muitos inviabiliza a comparação. Mas ela deve existir não tanto no plano das consequências da dissidência, mas nos mecanismos psicológicos que gera e dos quais os seus actores se sentem prisioneiros.
Alegre foi a única voz dissonante dentro do PS contra a prepotência de Sócrates, sem nunca perder ou postergar a suas referências partidárias. O tempo foi fazendo o seu caminho…
Frequentemente me questionei sobre o perfil do candidato presidencial, mal me apercebi dos perigos objectivos que rondam a democracia com um segundo mandato Cavaco. Esses perigos estão hoje à vista, mais do que nunca, embora o Governo os não veja.
Admitia a possibilidade de um candidato jovem, da área do Partido Socialista, que nunca tivesse estado na órbita de Sócrates, e tivesse capacidade para congregar a esquerda, sem perder o apoio do eleitorado PS. Mas onde estava esse candidato? E, se porventura existia, onde estava a autónoma vontade de se candidatar com um programa convincente?
Lendo a entrevista que Alegre concedeu ao Expresso, percebo que ele é o único candidato possível. E também o melhor. Portugal precisa de um Presidente como Alegre. E no presente momento somente Alegre pode desempenhar esse papel. Ninguém como ele tem uma ideia política e cultural do país. Ninguém como ele pode congregar as forças necessárias para reverter a situação que o país atravessa. Ninguém como ele saberá reduzir à sua insignificância as vozes que querem fazer da política uma tecnocracia. Por isso Alegre terá de ser o nosso candidato. O candidato de quem se não resigna à mediocridade!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O ACORDO NA EDUCAÇÃO E A FLAD



RECOMPENSAS OU MAIS DO QUE ISSO?

O sector mais reaccionário do PS encarou de mau humor o recente acordo alçado na educação entre a Ministra Isabel Alçada e os sindicatos, nomeadamente a FRENPROF.
A desvalorização passa pela sobrevalorização da actuação da anterior Ministra. Sem o anterior conflito não teria havido acordo agora, dizem. Esta é uma das tais afirmações que ninguém pode provar e que costuma ser avançada como explicação ou justificação de comportamentos futuros sempre que o meio através do qual se alcançou a solução a solução provoca um indisfarsável ressentimento.
Sim, porque o que realmente está em causa é o meio por via do qual se alcançam soluções em democracia. Esse meio, que é a negociação que leva ao compromisso, os sectores mais reaccionários do PS não o aceita nem para a Educação nem para qualquer outro domínio da governação, nomeadamente para a resolução das grandes questões nacionais.
Os que agora valorizam o conflito para apoucar as vantagens da negociação são exactamente os mesmos que durante quatro anos proclamaram que não havia reformas possíveis com a colaboração dos reformados. As reformas, por definição, têm de ser impostas.
Isabel Alçada e os sindicatos provaram exactamente o contrário. A negociação verdadeira e própria é um processo que não conduz a um resultado de resto zero. Todos podem ficar a ganhar, exactamente por as soluções alcançadas não satisfazerem integralmente, mas apenas parcialmente, os interesses das partes em confronto. Ambos, Isabel Alçada e os sindicatos, deram ao país uma grande lição de democracia, que teima em não ser bem aceite por todos os que defendem um poder sem partilha.
Curiosamente, a anterior Ministra da educação, Maria de Lurdes Rodrigues foi nomeada para presidir à FLAD (Fundação Luso-americana para o Desenvolvimento), ao fim de 25 anos (!!!) de mandato de Rui Machete. Esta nomeação abre novas luzes sobre a personalidade política da antiga Ministra. De facto, mesmo na administração Obama, não é qualquer pessoa que pode ser nomeada para aquele cargo. A presidência da FLAD será um cargo para pessoas como Luís Amado se não estivesse no governo ou outras personalidades com idênticas credenciais. Disse-se que Maria de Lurdes Rodrigues, a seguir ao 25 de Abril, integrou grupos de extrema-esquerda. Quem sabe se não estará nesse inócuo facto a credencial necessária para a sua nomeação?

JOÃO SALGUEIROS PEDE AOS CREDORES DE PORTUGAL AUMENTO DE JUROS



O QUE PRETENDEM ESTES ECONOMISTAS?

João Salgueiro foi hoje recebido em Belém, como “simples cidadão” e à saída traçou o quadro mais negro de que há memória para o futuro do país.
Se continuarmos assim, disse, como vamos poder pagar as reformas, como vamos poder manter o emprego dos funcionários públicos, como vamos impedir que as empresas saiam de Portugal, como vamos poder pagar os juros da dívida pública, numa palavra, como vamos impedir a bancarrota. Depois acusou o Governo de mentir ao país.
Ao declarar também que muito brevemente Portugal vai ser colocado numa posição idêntica à da Grécia pelas agências de rating, Salgueiro fez um apelo claro a estas entidades para que através da subida dos juros coloquem o país numa situação económica difícil.
Convém lembrar alguns factos para depois tentar a compreensão desta investida dos economistas de que este é apenas mais um episódio.
Salgueiro era adversário declarado de Cavaco quando este chegou à Figueira da Foz, em 1985, para fazer a rodagem do carro novo que tinha acabado de comprar. Esta animosidade manteve-se durante todo o tempo em que Cavaco foi Primeiro-ministro. Salgueiro foi frequentemente desconsiderado por Cavaco, como sendo um daqueles que só falam mas que nunca fizeram nada pelo país.
Aí Cavaco só tem parcialmente razão. Salgueiro depois de chegada da democracia tem acumulado grandes empregos, boas e múltiplas reformas e não se tem cansado de prever e de pregar o fim de todos os direitos que impedem a livre “expansão das actividades económicas”.
Antes do 25 de Abril, porém, Salgueiro colaborou com a ditadura e serviu-a sob o pretexto de a querer “modernizar”.
Esse continua a ser hoje o seu grande sonho. E nele é acompanhado pela maior parte dos economistas do establishment, ocupem ou não lugares institucionais, que vêem na democracia e nos direitos dos cidadãos, nomeadamente dos trabalhadores, o grande obstáculo ao progresso económico do país.
Quem supuser que estes permanentes ataques à democracia feitos sob a forma de “previsão económica” são o resultado de análises económicas dos seus autores, engana-se redondamente. Trata-se de intervenções políticas destinadas subliminarmente a criar na opinião pública inculta a convicção de que o país não tem saída nem futuro no actual regime político.
O Governo, como é seu hábito, desvaloriza a verdadeira essência política destes ataques e continua a ver na esquerda o seu principal adversário político. Aliás, se o Governo tivesse um mínimo de coragem atacava fiscalmente os altos rendimentos de parasitas como João Salgueiro, cuja actividade se situa ou situou exactamente naquela área económica responsável pela actual situação do país.

ÉRIC ROHMER


FILMES QUE SE NÃO ESQUECEM

Alguns filmes de Rohmer estão nessa categoria: na dos filmes que nunca se esquecem. Não sei se apenas pela qualidade dos filmes, se também pela idade com que foram vistos.
Nunca aconteceu nas múltiplas viagens por estrada na Europa passar em Clermont-Ferrand. Aqui há cerca de dois anos e meio vinha de carro com o Jorge Torgal, pelo centro de França, em direcção a Portugal. Ao passarmos perto de Clermont-Ferrand, numa noite de Primavera (não, não era Natal), ainda tentei passar pela casa de Maud. Mas ele estava com pressa e acabámos por ficar em Brive-la-Gaillarde, que não tinha graça nenhuma…

PORTUGAL ENTRA NA GUERRA CONTRA A ETA?




O QUE SE DEVE FAZER E O QUE SE NÃO PODE FAZER

Portugal não tem que ser um santuário da ETA na sua luta contra a Espanha pela independência do País Basco. Mas também não pode ser uma extensão do governo de Espanha na sua luta contra a ETA.
Portugal compreende melhor do que qualquer outro povo peninsular o que significa o centralismo castelhano e a arrogância que lhe anda associada. A guerra da ETA contra a Espanha e da Espanha contra a ETA é uma guerra de que Portugal se deve manter equidistante.
Se membros da ETA, ou simples cidadãos do País Basco de nacionalidade espanhola praticaram crimes em Portugal, devem ser julgados e punidos em Portugal, segundo as leis portuguesas. As simples suspeitas de que sejam membros da ETA não legitimam a sua extradição para Espanha.
A simples designação de ”terrorista”, a partir das qualificações feitas por certas organizações internacionais (sempre regionais, nunca universais!) ou por certos serviços de poderosas potências imperiais sobre quem é ou não terrorista, desencadeia irracionalmente uma série de actos condenatórios que escapam a qualquer juízo crítico, frequentemente influenciados por considerações geopolíticas. Que a Estónia e a Letónia se tenham tornado independentes à margem da opinião dos muitos milhares de russos que lá vivem é um facto completamente irrelevante para o establishment da Europa Ocidental ou da União Europeia. Como irrelevante é o facto de o Kosovo, berço histórico da Sérvia, ter seguido o mesmo destino. Que a Espanha impeça, por via democrática, a autodeterminação do País Basco e, além disso, vá inviabilizando juridicamente a simples representação democrática dos movimentos afectos às correntes separatistas para por essa via assegurar a maioria das representações “castelhanas” é também assunto com o qual a dita Europa se não preocupa.
Em todos os casos citados, e em muitos outros que se poderiam citar, o que conta é o FACTO. Mas se o que conta é o facto, ninguém se pode espantar que haja quem lute contra o facto, por qualquer meio, com o único objectivo de o alterar.
É preciso não ter medo de dizer que a ETA desempenhou um papel fundamental na democratização de Espanha, ao ter inviabilizado a sucessão escolhida por Franco, pouco depois de o ditador espanhol – um dos maiores criminosos políticos do século XX – ter condenado à morte por garrote dois jovens militantes da organização separatista basca. De então para cá a ETA não mais deixou de lutar pela independência do País Basco pela via militar. Como sempre acontece quando se usa a guerra para prosseguir certos fins nem sempre os meios são aceitáveis e muitas vezes merecem a reprovação generalizada. Mas, infelizmente, a guerra é isto mesmo, procurando quem nela entra demonstrar a justiça das suas posições e justificar a opção escolhida por as demais se terem tornado inviáveis. Também no País Basco se vai ter de se esperar pelo fim da guerra para se saber quem tem razão, já que a história não regista derrotas injustas…mas apenas vitórias justas!