A Troika regressou a Portugal para avaliar a execução do
programa de austeridade imposto pelo Memorandum de Entendimento “acordado” entre o Governo português e
a União Europeia, o FMI e o BCE.
À semelhança do que aconteceu das vezes anteriores, os
agentes dos credores que cá se deslocaram irão dizer que o Programa está a ser
executado com êxito, verterão umas lágrimas de crocodilo pelo desemprego,
manifestarão muita preocupação pelo endividamento das empresas públicas de
transporte, não ficarão totalmente satisfeitos com o acordo firmado entre o
governo e as empresas de energia e concluirão pela necessidade de adopção de
novas medidas com vista ao cumprimento das metas acordadas.
E, todavia, a situação portuguesa é calamitosa. O desemprego
sobe para números inimagináveis, as falências sucedem-se, a receita fiscal
diminui, o produto continua a cair e a situação das pessoas está a tornar-se
insustentável.
Esta realidade tem sido externamente escamoteada,
contrariamente ao que se passa na Grécia, em Espanha, na Irlanda e na Itália,
muito por culpa daqueles que têm privilegiado na sua actuação uma imagem
exterior da situação portuguesa feita de grande consenso, paz social e “inteligente
compreensão” das dificuldades que o país atravessa. Daí que o estado em que os portugueses se encontram nunca ou
quase nunca seja referido quando algum articulista ou comentador estrangeiro
traça o quadro geral resultante da aplicação dos programas de austeridade nos países intervencionados
ou sujeitos a fortes medidas restritivas.
Ou seja, apesar de sofrerem internamente as consequências das
brutais medidas de austeridade, os portugueses não têm dado, por causa daquele "consenso", a contribuição que poderiam dar ao movimento que na Europa vai ganhando força contra as medidas de austeridade como solução para a crise.
Está à vista de todos a ineficácia dos programas de
austeridade e todavia eles continuam a ser defendidos e aplicados com a firmeza e a
convicção de quem não tem dúvidas sobre a sua eficácia. Porquê? Porque tais programas são acima de tudo
instrumentos para levar à prática uma certa concepção de sociedade tanto mais
fácil de alcançar quanto mais consensual for no seio do governo que os aplica o
modelo de sociedade em questão. E neste aspecto Portugal tem sido, mais do que qualquer outro
país da Europa, o terreno de eleição para a aplicação de tais programas. A
austeridade conta com o apoio incondicional do Governo, todo ele
ideologicamente imbuído do mesmo espírito da Troika se não mesmo mais
fundamentalista do que a própria Troika, conta também com a serena aquiescência
do PS, que faz uns pequenos reparos sem contudo se opor ao
essencial, e goza ainda da colaboração activa da UGT que deu corpo, com a sua
assinatura, ao tal consenso social triunfantemente exibido pelo Governo no
estrangeiro.
Não admira por isso que tal programa, não obstante os efeitos
verdadeiramente devastadores que está tendo na sociedade portuguesa, ainda não
tenha sido maioritariamente repudiado pelo povo português. De facto, por força
da permanente propaganda em todos os meios da comunicação social sobre as
virtudes da austeridade, os portugueses ainda acreditam que da consolidação das
contas públicas resultará o crescimento.
Dentro de pouco tempo, tanto pelo que se passa cá como pelos
exemplos que vem de fora, irão contudo compreender que nem a dita consolidação
ocorrerá – a dívida continuará a aumentar e os juros manter-se-ão em níveis
estratosféricos – nem as medidas de austeridade tenderão a abrandar. Pelo
contrário, agravar-se-ão por força da tal espiral recessiva por ela própria provocada.
Socialmente insensível, o Governo, porém, continuará sereno e
optimista, mantendo o rumo traçado com vista à edificação de uma sociedade que
faça desaparecer o Estado da maior parte dos sectores onde ainda se encontra.
Na verdade, o tal equilíbrio orçamental por que o Governo aspira, bem como a
desoneração fiscal que tem em mente, pressupõem um orçamento exclusivamente
virado para aquilo a que eles chamam as “funções tradicionais” do Estado,
deixando que os recursos, segundo eles, hoje indevidamente absorvidos
pelo Estado, sejam libertados para a sociedade civil para que esta com a sua
criatividade e operosidade promova o crescimento à margem do papel do Estado.
Esta a visão utópica do neoliberalismo tal como é entendido
por Passos Coelho, Gaspar e Álvaro!
Para os ideólogos do Governo, até talvez mais do que para os
burocratas da Troika, o facto de os ciclos económicos poderem ser directamente
influenciados pelo Estado constitui uma aberração a que pretendem pôr cobro.
Segundo eles, Portugal está em recessão porque a economia está-se a ressentir
da falta do Estado em áreas onde, por direitas contas, ele nunca deveria ter estado e, por isso, deixará de estar. O
objectivo dos programas de austeridade é mesmo esse. É tirar o Estado dos
lugares que lhe não competem. E é por essa razão que Gaspar nem sequer disfarça
a insensibilidade pelos números do desemprego, salvo no que respeita à sua
incidência nas contas públicas, sendo também por essa mesma razão que Passos
Coelho entende o desemprego como uma oportunidade redentora. O desempregado será,
neste contexto, mais um que vai ter a oportunidade de se desligar da tutela
asfixiante do Estado e de encontrar nas suas próprias capacidades o antídoto
indispensável para combater a situação em que temporariamente se encontra!
E é também por Gaspar e Passos Coelho não terem qualquer
espécie de dúvida sobre a ineficácia do dito “Apêndice sobre o Crescimento” ao
Tratado Orçamental, tal como está a ser apresentado entre nós, que ambos
agora afirmam não terem objecções à discussão do assunto, contanto que
se mantenha o princípio de que o crescimento somente poderá resultar da
consolidação orçamental.
Este o pensamento da gente que nos governa – uma gente
perigosa que não hesita em sacrificar uma ou até mais gerações e o futuro do
próprio país às suas convicções ideológicas.
É um erro supor que esta gente por ter poucos conhecimentos
práticos e teóricos, como é o caso de Passos Coelho, ou por se deparar com
dificuldades de monta, como é o caso de Gaspar, poderá vir a arrepiar caminho,
acabando por ser vencida pelas duras realidades da vida. A história demonstra
exactamente o contrário: quanto mais a convicção ideológica do militante se
fundamenta na vulgata da doutrina que defende, maior é o seu fanatismo e a sua
incapacidade para ver a realidade.
E é por não ser capaz de perceber isto, por estar a alinhar
no essencial desta política, por não rasgar o acordo com a Troika, que o PS se arrisca a um futuro semelhante ao do PASOK!
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