sexta-feira, 18 de maio de 2012

A FRANÇA E O TRATADO ORÇAMENTAL



AS NÚVENS E JUNO

 Diz-se que a França não ratificará o tratado orçamental enquanto não houver acordo sobre o crescimento. Se a França dissesse que não ratificava o Tratado Orçamental, tratar-se-ia de uma decisão interessante, dado o contexto político-económico que levou à sua negociação e posterior assinatura, embora tal decisão tivesse efeitos práticos limitados. Ou seja, ficava tudo como está hoje. Vigoraria o Pacto de Estabilidade e Crescimento, bem como as consequências associadas ao seu incumprimento. E é bom não esquecer que foi a partir das consequências ligadas à violação do PEC que se enveredou na Europa por políticas de austeridade fortemente recessivas, geradoras de desemprego e gravemente nocivas da situação de milhões e milhões de pessoas. A única novidade ligada às consequências resultantes daquelas violações consiste no facto de elas terem sido impostas pela Alemanha com a cumplicidade da França, disfarçada numa falsa aliança, em vez de terem sido aplicadas pela Comissão, como seria normal e regulamentar. Mas nada disto será agora alterado, tanto relativamente ao que já foi feito, como ao que virá a ser feito relativamente àqueles que já sofreram aquelas consequências. Andou-se tanto para a frente que já não é possível encarar qualquer hipótese de recuo. Embora esta seja uma questão importante - saber quem decide -, dificilmente o centro de decisão se deslocará num sentido, digamos, mais democrático.

Mas voltando ao tema inicial. O que vai acontecer não é a não ratificação do Tratado Orçamental. O novo governo francês não diz isso.  O que o novo governo francês diz é que não ratificará enquanto não houver acordo sobre o crescimento. E a gente sabe como são esses acordos na União Europeia. Teoricamente começam por estar em confronto posições politicamente incompatíveis. Veja-se o caso do estatuto do BCE e das reservas que a França levantou à institucionalização de um banco central que tivesse por único objectivo o controlo dos preços. Como é que as reservas da França se acomodaram no texto então negociado? Mantendo o controlo da inflação como objectivo primeiro do banco e acrescentando-se, sem prejuízo daquele objectivo, que o banco deve apoiar as políticas económicas gerais da Comunidade.

Dirão os defensores desta adenda: mais vale isso do que nada. Pois, só que este exemplo é a todos os títulos paradigmático. Foi assim que tudo aconteceu na União Europeia mesmo quando os socialistas estavam em maioria no Conselho. Foram eles que sempre se afeiçoaram aos ditames neoliberais e nunca o contrário. Uma boa negociação, no exemplo dado, seria ter-se estabelecido que o Banco tem por função apoiar as políticas económicas da Comunidade, nomeadamente o crescimento e o emprego, devendo também, sem prejuízo deste objectivo, assegurar o controlo dos preços.

Só mesmo os ingénuos poderão supor que desta vez vai acontecer algo de muito diferente…

Dito de uma forma mais brutal: da França com seu novo governo e o seu novo presidente não virá nada de muito diferente do que conhecemos até aqui. O que não significa que eles sejam iguais aos anteriores. Não são. Aliás, muito dificilmente seriam. Sarkozy, embora não seja uma excrescência política, já que ele há-de representar uma parte significativa do que é hoje a sociedade francesa, é, no quadro da V República, uma excepção. Não há nada no passado que, de perto ou de longe, a ele se possa comparar. Ele é fruto de uma conjugação difícil de acontecer: a prevalência de uma certa herança “balladouriana”, de feição marcadamente neoliberal, associada a um certo “lepenismo”, de cariz populista e demagógico, conjugados na acção política por uma hiperactividade errática tanto de princípios como de propósitos.

Os socialistas de Hollande estão obviamente longe desta matriz. Mas nem por isso virão a desempenhar um papel decisivo no futuro da Europa. Serão os factos, a dura crueza dos factos, muito provavelmente a impor o fim abrupto desta aventura iniciada há mais de meio século. Se alguns, insuspeitos de “amores perversos”, nostalgicamente suspiram por uma impossível União Soviética que lhe assegurasse a coesão política e mantivesse a Alemanha domada, muitos outros realisticamente apenas sabem que o fim está próximo, embora desconheçam o que venha a ser o “dia seguinte”.

E é para o “dia seguinte” que temos de nos preparar, fazendo com que esse seja o nosso dia…

1 comentário:

Anónimo disse...

Já não consigo situar no tempo mas num mês de Julho entrei em Paris de comboio da manhã e deparei com uma parangona no Le Monde: "Un orage d'été sur la France" Tinha havida uma borrasca financeira naquela noite e os franceses mostravam-se, ainda que contidamente, agastados pela falta de "solidariedade" do Bundesbank ou seja da RFA. Também me lembro que, num dos dias seguintes, (não sei se então ainda chanceler) Helmut Schmidt dizer que a Alemanha se deveria concentrar na economia e deixar a política para a França. Parece-me no meu muito limitado entendimento da situação que a questão para os alemães, neste momento, é saber se ainda têm que deixar a "política para a França" e aceitar, na perspectiva de muitos deles, um novo pequeno Versailles. E isso deve saber-se muito em breve.
LG