OU MUDA OU ACABA
Neste mais de meio século de existência que leva esta Europa,
hoje chamada União Europeia, nunca houve uma situação tão vantajosa para a
Alemanha como a actual. Ela não só tem tido a última palavra sobre todos os assuntos importantes como ainda passou a ter, nestes últimos tempos, a primeira e
indicadora palavra sobre o que nela se discute e como se discute. Esta primazia política que a Alemanha tem
exuberante demonstrado assenta numa prosperidade económica sem precedentes
potenciada pelo mercado único e pelo euro. De facto, as vantagens da criação do
mercado único reverteram desproporcionadamente a favor da Alemanha: a balança
comercial é excedentária relativamente a todos os países da União Europeia e as
transacções no mercado de capitais não lhe poderiam correr melhor: financia-se
a custo zero ou quase (depende do prazo) e empresta a juro várias vezes
superior. Além do mais, continua a cobrar regularmente todos os seus créditos
apesar da crise.
É por isso perfeitamente compreensível que não queira mudar…
Esta Europa construída ao longo de meio século e
acelerada no seu desenvolvimento institucional a partir da criação do mercado
único e da adopção da moeda única (Maastricht) não gerou os equilíbrios internos
que ainda há cerca de vinte anos se supunha estarem em franco desenvolvimento
nem tão pouco assentou a sua prosperidade numa base sólida capaz de consolidar a
progressiva repartição equitativa do crescimento não apenas entre os seus
membros mas também entre os seus cidadãos. Pelo contrário, na primeira grande
dificuldade que surgiu rapidamente se percebeu que o progresso daqueles que
tinham partido atrás era apenas aparente e que ao crescimento global correspondia
uma cada vez maior desigualdade não apenas entre os seus membros como também
entre os seus cidadãos.
Houve, portanto, um duplo falhanço: um falhanço na
progressiva harmonização económica e social dos Estados que a compõem e um outro
falhanço não menos importante na progressiva repartição equitativa dos
rendimentos entre os seus cidadãos.
Embora ambas as consequências estejam intimamente ligadas às políticas
neoliberais que a União Europeia inscreveu na sua “matriz constitucional” a
partir de Maastricht, acabou por ser a sua política monetária a trazer dramaticamente
à luz do dia uma realidade que permaneceu encoberta até à crise financeira internacional
que em finais de 2007 rebentou na América.
Por força dos desenvolvimentos da própria crise na Europa,
nomeadamente do estancamento do fluxo de capitais, tornando-os escassos e caros,
evidenciou-se um conjunto de situações assentes num endividamento excessivo que
se foi sucessivamente agravando em consequências de políticas radicais de
austeridade económica impostas pela Alemanha numa base simultaneamente moral e
ideológica – era, por um lado, necessário punir os que “viveram acima das suas possibilidades”
e, por outro, aproveitar a crise para impor um modelo de sociedade moldado
sobre os princípios do neoliberalismo.
Acontece que a situação da Grécia ao cabo de três anos de
privações e restrições de toda a ordem acabou por se impor não somente aos
próprios gregos, mas também um a um número cada vez maior de europeus como uma
irracionalidade que não poderia continuar. Mas não é somente na Grécia que a
situação é dramática: ela é-o também em Espanha pelo número brutal de
desempregados e pela grave crise do sistema financeiro, insusceptível de ser resolvida
pelo Estado, impossibilitado de se financiar no mercado de capitais em virtude
da exorbitância dos juros, não obstante as duras medidas restritivas que têm
sido adoptadas; é-o igualmente em Portugal pelas razões por todos conhecidos e
tende a todo o momento a agravar-se na Itália se nada for feito para alterar a situação
dos países em crise.
Se a bancarrota de qualquer destes países tende a
inviabilizar a manutenção do euro, não é difícil imaginar o que seria uma
reacção em cadeia ditada pela falência de qualquer deles.
Está-se portanto chegado a uma situação que ou se atalha ou
a prazo não muito distante vai ter consequências irreversíveis.
Atalhar a situação significa baixar drasticamente os juros da
dívida pública dos países que hoje se financiam no mercado a preços usurários; recapitalizar
os bancos a juros igualmente baixos; acabar com as políticas de austeridade;
pôr rapidamente em prática políticas de crescimento económico dirigidas pelo Estado; e estabelecer
prazos para a redução do défice condizentes com as taxas de crescimento.
Estas medidas são indispensáveis para pôr termo à actual
situação, mas não são suficientes para combater o desequilíbrio existente no seio
da União Europeia, que é em última instância o grande responsável pela situação
a que se chegou.
Se para as medidas de emergência bastará alterar a natureza
do banco central e, preferencialmente, mutualizar as dívidas, para corrigir
consistentemente os desequilíbrios causadores da actual situação vai ser
necessário um trabalho muito mais profundo que levará anos a concluir e terá necessariamente
de apontar para a refundação da União Europeia em domínios que até agora têm constituído
a sua imagem de marca.
É certamente por força da gravidade do contexto que envolve
uma parte significativa do Estados da União Europeia e pela sua mais que
provável propagação a outros países que se começaram a ouvir na Europa vozes
diferentes daquelas que ainda há bem pouco tempo falavam em uníssono uma
linguagem que a encaminhava para a catástrofe.
Como a situação é muito grave e desencadeará certamente
consequências irreversíveis se não for rapidamente atalhada, é provável que
haja mudanças significativas na política da União Europeia. Obviamente que todos
aqueles para os quais a presente situação constituía uma oportunidade ímpar
para implantar um novo tipo de sociedade, como é o caso do governo português,
não deixarão de se unir à Alemanha numa política de resistência, embora tudo
indique que tendem a ficar cada vez mais isolados.
De facto, não deixa de ser significativa a mudança que nestes
últimos dias se operou em Espanha. Rajoy, que começou por marcar as suas
distâncias em relação a Hollande, muito provavelmente por força de um mal entendido
sobre a recapitalização dos bancos, e de tentar consolidar uma aliança com
Merkel, depois do almoço no Eliseu e do Conselho Europeu de Bruxelas, passou a
manifestar uma clara preferência pelas propostas de Hollande por servirem
directamente os interesses de Espanha. O mesmo se passou com Monti, não obstante
o pendor conservador da sua formação política.
Face a este quadro era muito importante que o PS, não
obstante as incríveis concessões que já fez, repudiasse a sua ligação ao Memorandum da Troika, deixando o governo completamente
isolado nas políticas de austeridade e a braços com uma aliança antipatriótica.
2 comentários:
Não vale a pena insistir com o PS. Não tem conserto. Qualquer que seja o rumo dos acontecimentos, com estes dirigentes acontece-lhe o mesmo que ao PASOK.
V
O PS é o problema, sempre foi,não a solução...
Não adianta nem chorar, nem ter ilusões sobre isso.
A.M.
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