quinta-feira, 10 de maio de 2012

AS FALSAS DIVERGÊNCIAS ENTRE O PS E O PSD SOBRE A EUROPA



AS ELEIÇÕES NA FRANÇA E NA GRÉCIA



Nos últimos dias, principalmente depois de conhecidos os resultados das presidenciais francesas, tem-se assistido a uma falsa polémica entre o PS e o PSD sobre a política económica europeia no actual contexto da crise do euro.

O PS, que não se opôs ao “Tratado Orçamental”, e se propunha fazer-lhe uns inócuos aditamentos sem qualquer eficácia prática no contexto da actual “arquitectura” institucional do euro e da própria concepção do Banco Central Europeu, para parecer que não se mantém completamente fiel ao “Memorando de Entendimento” assinado com a Troika, bem como às consequências económicas e sociais que dele resultam, voltou a insistir na mesma tecla, agora com a proposta de uma resolução autónoma que não altera rigorosamente nada a política em curso, já que não há qualquer hipótese de conciliar a presente politica de austeridade com uma política desenvolvimentista capaz de inverter a actual situação económica.

Não há qualquer possibilidade prática nem teórica. Sabendo isso, o PSD depois de ter assegurado o essencial – reforço das políticas neoliberais por força da inevitável austeridade decorrente da aprovação do “Tratado orçamental” - resolveu trocar as voltas ao PS e apresentar autonomamente um projecto de resolução idêntico ou quase idêntico ao dos socialistas.

Mário Soares tendo bem presente o que se está a passar na Europa, principalmente na Grécia, acha que o PS para sobreviver à hecatombe que ai vem tem que ser – isto é, parecer – um partido de esquerda quando está na oposição. E como isso só é possível rompendo com a Troika aconselha o partido a rasgar o Memorandum para capitalizar eleitoralmente o descontentamento popular e não permitir que os votos dos descontentes do PS vão cair nas mãos da esquerda. Depois, quando o PS voltar ao Governo logo se verá, ou seja, ver-se-á certamente algo de semelhante ao que se passou com o próprio Soares quando se opôs, pela esquerda, à Aliança Democrática de Balsemão e aos governos de iniciativa presidencial para, uma vez no poder, se coligar com a direita e aplicar o programa do FMI!

De facto, nem da actual posição do PS sobre a Europa – de resto igual à que sempre teve – se pode esperar nada de verdadeiramente positivo no combate à crise, nem tão-pouco se percebe o que outros socialistas, como Hollande, querem fazer de inovador em política económica e monetária.

Convém recordar muito brevemente o “pré- Maastricht” para se perceber o que está em jogo. O euro, é bom recordá-lo, é uma invenção dos franceses. Para Mitterrand, bem como, antes dele, para Giscard, a única forma de quebrar a hegemonia económica alemã era acabar com a “tirania” do Bundesbank. A reunificação alemã, ocorrida no quadro da desagregação da União Soviética contra a vontade da Inglaterra e da França, praticamente assegurada depois de a América ter recebido garantias de que a Alemanha não abandonaria a NATO, acabou por ter no plano europeu como moeda de troca a aceitação de uma moeda comum europeia.

A Alemanha, forçada a abandonar o marco para garantir a reunificação e, mais do que isso, para não criar um clima de crispação na Europa (Helmut Kohl chegou a dizer internamente que a moeda única era uma questão de guerra e paz), acabou por aceitar a nova moeda contanto que o Banco Central Europeu não passasse de uma réplica do Bundesbank.

Com esta exigência, a Alemanha não apenas punha cobro à pretensão francesa de comandar politicamente o Banco, como na prática acabava por estender a toda a Europa a concepção de banco central perfilhada pela República Federal. Daí que o tratado de Maastricht afirme que o principal objectivo do banco central é “manter a estabilidade dos preços”, o mesmo é dizer, a segurança da moeda. Contudo, por pressão do Governo francês, completou-se a definição da competência do banco com a seguinte frase: “sem prejuízo da estabilidade dos preços”, o banco “deve apoiar as políticas económicas gerais da Comunidade”.

Este aditamento era do ponto de vista dos franceses o “cavalo de Tróia” por meio do qual se procuraria subverter a estrita concepção monetarista imposta pela RFA.

E é isto que, com crise ou sem crise, continua a separar as duas concepções em confronto sobre a natureza do BCE. Sem crise, a Alemanha acabou por impor, praticamente sem objecções, a sua concepção sobre o papel do Banco, tendo sido no essencial de acordo com a sua concepção  que ele foi gerido tanto sob a presidência do holandês Win Duisenberg como do francês Jean-Claude Trichet (que, como se sabe, ascendeu à presidência no quadro de um compromisso político ao mais alto nível que previa o afastamento “voluntário” de Duisenberg a meio do mandato).

Durante este período, a balança comercial alemã que era deficitária relativamente à EU tornou-se largamente excedentária, o que só prova que a tal “tirania” do marco de que falavam os franceses não só se manteve com o euro como se agravou drasticamente em relação a todos os países da zona euro.

Com a crise, o BCE, tanto por intermédio de Trichet, como agora de Mario Draghi, tem ido um pouco além daquilo que os alemães gostariam que fosse. Mas, mesmo assim, tem sido a Alemanha a controlar a política monetária da União, quer apelando frequentemente para a entendimento “constitucional” do BCE, quer recorrendo ao seu poderio económico para inviabilizar financeiramente políticas que tendam a “desvirtuar” o essencial daquele “entendimento constitucional”.

Portanto, o que Hollande pretende é o que todos os presidentes franceses desde Giscard já tentaram sem êxito. De facto, ninguém acredita que Hollande esteja politicamente na disposição protagonizar um confronto com a Alemanha. É um risco que certamente não correrá. Portanto, por esse lado tudo vai continuar, no essencial, na mesma com mais ou menos cosmética. Mais difícil, muito mais difícil, vai ser gerir internamente as expectativas…

Novidades poderiam vir da Grécia se a “conversa” resultante das eleições do passado domingo fosse outra. De facto, não basta pugnar pela formação de um governo composto por partidos que se oponham aos programas de austeridade impostos pela Troika. Isso é importante, mesmo indispensável, mas não basta. O que realmente está em jogo na Europa vai muito para além disso. O dilema com que a Europa se confronta já não é apenas o de saber como pagar a dívida, mas como evitar que ela continue a crescer e com ela a aumentar a desigualdade entre os respectivos países membros.

Como se está agora a ver, a introdução de uma moeda única como meio de combater a supremacia alemã evidenciou-se com o tempo não apenas uma aposta completamente falhada, mas também capaz de perversamente produzir um resultado bem pior do que existia ao tempo da coexistência das respectivas moedas nacionais.

Por isso, qualquer tentativa de combate à presente situação que tenha como pressuposto inalterável a manutenção no euro é à partida uma aposta falhada. Isto não significa que quem está em dificuldades - e maior parte está nessa situação – admita sair do euro. Significa antes fazer perceber à Alemanha e seus aliados que essa é uma possibilidade que se não rejeita, se não houver respostas viáveis para a saída da crise, com todas as consequências que daí resultam não apenas no quadro da união monetária, mas também da própria União Europeia.

Não parece que o segundo partido mais votado na Grécia, Syriza, esteja em posição de defender tais pontos de vista, tal como acontece com o seu congénere português. Ao fazer a defesa acrisolada do euro, como faz entre nós Louçã (ver Dividadura), só resta a essas forças políticas uma de duas soluções: ou continuar de fora a contestar as políticas da Troika ou estar dentro e aceitar as políticas de austeridade para defender o euro…

5 comentários:

Anónimo disse...

A Merkell disse há uns meses que "apenas pretende o cumprimento dos Tratados". Os tugas e aparentados quando se lhes perguntava, Maastricht? Sim, com certeza, como agora com as regras orçamentais, sempre com a ideia que enquanto pau ia e vinha folgavam as costas. A construção da Casa da Música no Porto teve uma "derrapagem" de 300%!!!!!!(parece um exagero, mas não, é o nosso fado/índole), a gigantesca reconstrução em Berlim dos edifícios governamentais ficou ligeiramente abaixo do orçamento...
Em Berlim demite-se o presidente por causa de acusações, em Portugal reelegem-se indivíduos condenados (e sabe-se como isso está dificultado pela teia) por roubo, peculato, corrupção. Portugal convive bem com a situação do BPN e adjacências ....
As leis/perversões do capitalismo não explicam tudo... E casamentos destes não poder perdurar. Assim, é melhor irmo-nos preparando para deixar o pequeno almoço e voltar ao "café" da manhã.

Anónimo disse...

Até que enfim!
V

Anónimo disse...

Dizia-se por aqui, e não só, em sentido depreciativo, que a Alemanha era a China da Europa. Afinal eles, alemães, limitaram-se a jogar bem as regras do jogo onde já não um papel decisivo, um dia destes serão apenas a quinta economia. Há umas um sindicato alemão oferecia 350 milhões de euros para manter uma fábrica da Opel. Goste-se, ou não, deste sindicalismo, pertence a um Universo que obedece a leis diferentes. Agora fala-se na ameaça da jogada da cartada balcânica dos gregos. Se pensam isso, devem estar a dormir desde a Perestroica. O Putin é um mero fornecedor de matérias primas. Sim, se URSS existisse outro galo cantaria. No fim, muito provavelmente, serão os Yanques que vão "dizer" a solução para a Grécia e para a "U"E através do seu avatar R.U.. On vera.

LG

João Carlos disse...

Obrigado por ter voltado. Já tinha saudades do Politeia.
Concordo com o que escreveu, absolutamente. Deixo só uma reflexão: e se o SPD ganhar as eleições do próximo ano?
A ditadora bancária Merkel vai ter de viver um ano e meio com esse fantasma, ou não?

Luis Eme disse...

falsas mesmo.

há uma "condenação" ao entendimento.