UMA OPORTUNIDADE
FALHADA
É caso para perguntar se o Primeiro Ministro escolheu o tema
das “secretas” como objecto do debate quinzenal no Parlamento para congregar
argumentos que lhe facilitassem a demissão de Relvas ou se, pelo contrário, teve
em vista promover uma discussão que lhe permitisse manter o ministro.
O mais provável é que o PM quisesse tomar o pulso da oposição
sobre aquela matéria agindo depois em função da avaliação que objectivamente
resultasse do debate.
Analisando o que se passou a primeira conclusão que se impõe
é a de que a oposição perdeu uma excelente oportunidade para apressar a queda
de Relvas. De facto, num debate deste género a oposição teria de ter escolhido
sem hesitações o resultado que pretendia atingir bem como alvo das suas
críticas. Ao ter escolhido os serviços de informação como alvo preferencial das
suas diatribes associando vagamente Relvas ao que se passou escolheu uma
estratégia antecipadamente condenada ao fracasso.
De facto, a participação dos quatro grupos parlamentares da
oposição ficou muito aquém das expectativas. A do PS, como de certo modo se
esperava, foi decepcionante: Seguro não enumerou com firmeza nem valorizou devidamente
os factos mais relevantes, acabando por ficar cercado pelos argumentos de
Passos Coelho todos eles baseados na factualidade que se conhece.
Jerónimo de Sousa falou na promiscuidade entre interesses
económicos e serviços secretos, mas ficou sem argumentos quando o PM lhe respondeu
que tudo o que é grave se passou fora dos serviços. Acabou por trazer à
discussão um outro tema importante – a ameaça de descida dos salários – tendo recebido
a garantia do PM de que nada estava sendo preparado nesse sentido…o que não
significa que não venha a estar.
Louçã terá ido mais além que os demais na direcção que
interessava seguir, mas também não estabeleceu as conexões mais relevantes que
o caso tem.
E a Heloísa Apolónio com a pergunta que fez ao PM, e à qual este
expressamente declarou não responder, sobre a demissão do adjunto de Relvas
acabou por evidenciar como teria sido útil insistir no tema Relvas, já que era
o único que verdadeiramente tinha “pernas para andar”.
De facto, tudo o que tem vindo a público sobre a acção do
SIED em domínios ilícitos tem a desculpa simples e verdadeira de que não foram
os serviços que produziram esses documentos nem levaram a cabo essas investigações,
mas antes um seu ex-dirigente com a colaboração também ilícita e à margem da
hierarquia de alguém de dentro. E o PM para “limpar” essas ramificações dentro dos
serviços tomou as medidas que se impunham: deu conta ao MP do que se passara,
inquiriu internamente e demitiu dos serviços quem estava comprometido nas
acções criminosas.
Mas então se é gravíssimo que um ex-dirigente dos serviços
secretos tenha usado para fins particulares de natureza empresarial ou de
controlo da comunicação social informação dos serviços enquanto era dirigente e
tenha continuado com essa actividade ilícita com a colaboração de gente de
dentro depois de ter deixado de o ser, não é igualmente gravíssimo que esse
ex-dirigente tivesse tido relações próximas com o secretário-geral do PSD
e as tivesse mantido depois de este ter sido empossado como ministro,
sabendo-se, como se sabe, que o que veio a público dessas relações versava
sobre matérias dos serviços secretos?
Como pode o PM considerar gravíssimo o comportamento desse
ex-dirigente e achar normal que um ministro do seu governo tenha dele recebido
informação que somente poderia ter sido recolhida por via das funções que antes
desempenhara?
E como pode o PM continuar a assegurar a sua confiança num
ministro que tem a seu cargo a comunicação social quando esse ministro teve as
tais relações próximas com o dito ex-dirigente que entretanto passou a integrar
os quadros de uma empresa de comunicação, lugar que mais tarde teve de
abandonar por força do escândalo que entretanto rebentou, sabendo-se que essa
empresa mantinha uma guerra aberta com outra empresa de comunicação social, da
qual alguns nomes de relevo foram ilicitamente investigados por esse ex-dirigente?
E não constituirá prova indiciária dessas ligações a
demissão do adjunto do ministro Relvas exactamente por força das ligações que manteve
com esse ex-dirigente dos serviços secretos?
Enfim, parece que o debate deveria ter tido como alvo
principal Relvas e como matéria acessória os serviços de informação. Não se trata de negar a importância de discutir e de assegurar que os serviços de informação não serão utilizados para fins diversos dos que por lei lhe estão consignados, trata-se apenas de sublinhar que esse não não poderia ser o objectivo fundamental deste debate, tanto mais que as ilegalidades que foram cometidas ocorreram fora dos serviços embora praticadas por quem lá tinha desempenhado um papel relevante.
Do debate fica a dúvida: depois de todas as culpas do Governo
terem sido lançadas sobre Silva Carvalho será que ele vai falar?
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