quinta-feira, 31 de maio de 2012

AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS



A CONFIRMAÇÃO DO QUE JÁ SE SABIA



O relatório do Tribunal de Contas hoje divulgado sobre os contratos das SCUTS confirma não a suspeita mas a certeza do que já se sabia. No caso das SCUTS em questão a pouca vergonha chegou ao ponto de se contornar a denegação do visto prévio por via de contratos paralelos nos quais se concedia o que tinha sido recusado por aquele exame prévio .

É evidente que este comportamento não pode deixar de ter consequências penais, mas se se for por aí ou se se for exclusivamente por aí não se chegará a lado nenhum.

Por isso é preciso que os cidadãos em geral e os partidos de esquerda em particular se ponham em guarda contra essa pseudo-tentativa de resolver o assunto pela via penal. O que é preciso fazer, aquilo por que é preciso lutar, é por uma revisão soberana destes contratos que restabeleça o equilíbrio contratual, com a repartição dos riscos segundo os princípios gerais de direito, e permita a imputação nos pagamentos a fazer dos pagamentos já feitos em excesso. É ainda de ponderar a validade desses contratos, embora a sua invalidade não signifique que não haja contas a ajustar. O que importa porém é que seja o Estado a fazê-las segundo critérios de razoabilidade que defendam o interesse público.

Isto é que verdadeiramente nos interessa como primeiros e principais lesados pelo regime de austeridade e, em qualquer caso, como pagadores deste inacreditável saque dos dinheiros públicos. Se os concessionários não concordarem com a decisão do Estado que recorram aos tribunais.
E também não basta que se diga, como já foi dito por alguém da maioria, que é necessário tomar providências para que tal não volte a acontecer. Não basta isso, é preciso reparar o passado e impedir que ele se repita no futuro. Ou seja, é preciso que o Estado seja reembolsado do tem pago a mais e deixe de o fazer no futuro relativamente a estes contratos e a outros semelhantes. Só assim as parceria público-privadas deixarão de ser a tal bomba-relógio de que toda a gente fala. É preciso desarmadilhar todas essas bombas que para aí andam. 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O DEBATE SOBRE O SERVIÇOS SECRETOS NO PARLAMENTO



UMA OPORTUNIDADE FALHADA



É caso para perguntar se o Primeiro Ministro escolheu o tema das “secretas” como objecto do debate quinzenal no Parlamento para congregar argumentos que lhe facilitassem a demissão de Relvas ou se, pelo contrário, teve em vista promover uma discussão que lhe permitisse manter o ministro.

O mais provável é que o PM quisesse tomar o pulso da oposição sobre aquela matéria agindo depois em função da avaliação que objectivamente resultasse do debate.

Analisando o que se passou a primeira conclusão que se impõe é a de que a oposição perdeu uma excelente oportunidade para apressar a queda de Relvas. De facto, num debate deste género a oposição teria de ter escolhido sem hesitações o resultado que pretendia atingir bem como alvo das suas críticas. Ao ter escolhido os serviços de informação como alvo preferencial das suas diatribes associando vagamente Relvas ao que se passou escolheu uma estratégia antecipadamente condenada ao fracasso.

De facto, a participação dos quatro grupos parlamentares da oposição ficou muito aquém das expectativas. A do PS, como de certo modo se esperava, foi decepcionante: Seguro não enumerou com firmeza nem valorizou devidamente os factos mais relevantes, acabando por ficar cercado pelos argumentos de Passos Coelho todos eles baseados na factualidade que se conhece.
Jerónimo de Sousa falou na promiscuidade entre interesses económicos e serviços secretos, mas ficou sem argumentos quando o PM lhe respondeu que tudo o que é grave se passou fora dos serviços. Acabou por trazer à discussão um outro tema importante – a ameaça de descida dos salários – tendo recebido a garantia do PM de que nada estava sendo preparado nesse sentido…o que não significa que não venha a estar.

Louçã terá ido mais além que os demais na direcção que interessava seguir, mas também não estabeleceu as conexões mais relevantes que o caso tem.

E a Heloísa Apolónio com a pergunta que fez ao PM, e à qual este expressamente declarou não responder, sobre a demissão do adjunto de Relvas acabou por evidenciar como teria sido útil insistir no tema Relvas, já que era o único que verdadeiramente tinha “pernas para andar”.

De facto, tudo o que tem vindo a público sobre a acção do SIED em domínios ilícitos tem a desculpa simples e verdadeira de que não foram os serviços que produziram esses documentos nem levaram a cabo essas investigações, mas antes um seu ex-dirigente com a colaboração também ilícita e à margem da hierarquia de alguém de dentro. E o PM para “limpar” essas ramificações dentro dos serviços tomou as medidas que se impunham: deu conta ao MP do que se passara, inquiriu internamente e demitiu dos serviços quem estava comprometido nas acções criminosas.

Mas então se é gravíssimo que um ex-dirigente dos serviços secretos tenha usado para fins particulares de natureza empresarial ou de controlo da comunicação social informação dos serviços enquanto era dirigente e tenha continuado com essa actividade ilícita com a colaboração de gente de dentro depois de ter deixado de o ser, não é igualmente gravíssimo que esse ex-dirigente tivesse tido relações próximas com o secretário-geral do PSD e as tivesse mantido depois de este ter sido empossado como ministro, sabendo-se, como se sabe, que o que veio a público dessas relações versava sobre matérias dos serviços secretos?

Como pode o PM considerar gravíssimo o comportamento desse ex-dirigente e achar normal que um ministro do seu governo tenha dele recebido informação que somente poderia ter sido recolhida por via das funções que antes desempenhara?

E como pode o PM continuar a assegurar a sua confiança num ministro que tem a seu cargo a comunicação social quando esse ministro teve as tais relações próximas com o dito ex-dirigente que entretanto passou a integrar os quadros de uma empresa de comunicação, lugar que mais tarde teve de abandonar por força do escândalo que entretanto rebentou, sabendo-se que essa empresa mantinha uma guerra aberta com outra empresa de comunicação social, da qual alguns nomes de relevo foram ilicitamente investigados por esse ex-dirigente?

E não constituirá prova indiciária dessas ligações a demissão do adjunto do ministro Relvas exactamente por força das ligações que manteve com esse ex-dirigente dos serviços secretos?


Enfim, parece que o debate deveria ter tido como alvo principal Relvas e como matéria acessória os serviços de informação. Não se trata de negar a importância de discutir e de assegurar que os serviços de informação não serão utilizados para fins diversos dos que por lei lhe estão consignados, trata-se apenas de sublinhar que esse não não poderia ser o objectivo fundamental deste debate, tanto mais que as ilegalidades que foram cometidas ocorreram fora dos serviços embora praticadas por quem lá tinha desempenhado um papel relevante.

Do debate fica a dúvida: depois de todas as culpas do Governo terem sido lançadas sobre Silva Carvalho será que ele vai falar?

SOBRE A INACÇÃO DO BCE




PODE O BCE ACTUAR DE OUTRO MODO?



Apesar de o euro ter sido uma invenção dos franceses, a tal invenção por via da qual pretendiam pôr termo à hegemonia do marco no Mercado Comum Europeu, acabaram por ser os alemães a moldar juridicamente a natureza do novo banco central – o Banco Central Europeu – tentando fazer dele uma réplica perfeita do Bundesbank.

A argumentação política deles é conhecida: os alemães continuam muito traumatizados pela memória da hiperinflação de 1923 e do que depois da Segunda Guerra lhes custou “construir” uma moeda forte e segura. Por isso só aceitavam desfazer-se da que tinham se fosse para a trocar por uma mais ou menos igual – isto é, um banco central independente que tivesse como objectivo manter a estabilidade dos preços. Juridicamente, o acórdão do Tribunal Constitucional que apreciou a constitucionalidade do Tratado de Maastricht incidiu muito sobre a questão da moeda. A soberania cedida pela Alemanha num assunto tão relevante como a emissão de moeda pressupõe o cumprimento por parte das instituições comunitárias dos estritos termos em que ela é cedida, por outras palavras, o estatuto do BCE e o Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Por força daquele acórdão, a Alemanha reservava-se o direito de recusar a aplicação de normas comunitárias que não respeitassem aqueles princípios, o que não deixa de ser curioso depois da evolução que já tinha havido em matéria de controlo do direito comunitário pelo direito interno. E mais uma vez lá vinha o argumento do confisco ou da expropriação sem lei prévia que defina as condições em que ela terá lugar como é exigido pela Lei Fundamental da Alemanha. Segundo o Tribunal, o desrespeito pelos limites estabelecidos no PEC e o não cumprimento do Estatuto do BCE levaria à inflação, que corresponde a um confisco ou a uma expropriação sem indemnização, qualquer um deles proibidos pela constituição alemã.

Estes raciocínios dos juristas são de facto espantosos. Sem entrar em linha de conta com o facto de a Alemanha ter sido, juntamente com a França, a primeira a violar o PEC, sem que dessa violação tivessem decorrido quaisquer consequências, importa dizer que o estatuto do BCE não lhe impõe apenas a obrigação de manter a estabilidade dos preços. Diz também que que o BCE deve, sem prejuízo daquele objectivo, apoiar as políticas económicas gerais da Comunidade.

De facto, os franceses quando se aperceberam que o euro estava a ser moldado sobre o marco tentaram dar alguma concretização prática à outra ideia de banco central, oposta à defendida pela Alemanha, que aponta para um controlo político do banco emissor, ou seja, um controlo político sobre a emissão de moeda. Não conseguiram, mas conseguiram introduzir como princípio subordinado o apoio às políticas económicas gerais da Comunidade. Portanto, se não houver qualquer risco de inflação, como manifestamente não há numa situação como a presente, que até pode invocar como lugar paralelo a dos Estados Unidos onde a Reserva Federal tem “despejado” biliões de dólares sem qualquer surto inflacionista, não se vê por que razão deva o BCE continuar exclusivamente focado num perigo que não existe – a inflação – e desprezar um perigo que realmente existe – a falta de crescimento e o desemprego. Ainda está na memória de todos a “barbaridade” cometida por Jean-Claude Trichet, curiosamente um francês, de subir a taxa de juro no auge da crise financeira americana!

Na verdade, o apoio do BCE às políticas económicas gerais da Comunidade não pode ser entendido como um poder discricionário do Conselho de Governadores, mas como uma obrigação resultante do Tratado.

Por outro lado, é verdade que o estatuto do BCE lhe proíbe a aquisição directa de títulos da dívida pública emitidos pelos Estados. Mas não há nada no dito estatuto que o proíba de comprar esses títulos no mercado secundário. É uma regra elementar da interpretação jurídica não fazer interpretações extensivas das proibições. Aliás, não há semelhança entre as duas operações: a aquisição no mercado secundário protege a dita independência do banco diferentemente do que poderia acontecer numa compra directa, decorrente de uma relação bilateral entre o Estado emissor e o banco central; além de que a aquisição no mercado secundário, dentro da lógica do capitalismo e da tal independência do banco central, objectiva muito mais a operação e torna-a mais transparente e publicitada do que uma compra directa. Portanto, são operações diferentes.

A independência do Banco Central tem de servir a estabilidade dos preços mas estando assegurada esta tem apoiar as políticas gerais da Comunidade e não as deste ou daquele país. Pouco interessa para este efeito a interpretação que os alemães fazem do estatuto do banco, o banco central é que tem de fazer a interpretação dos seus poderes no quadro do tratado e do interesse geral dos seus membros, ou seja, da Comunidade como um todo. Não seguir uma determinada política porque ela não convém economicamente à Alemanha é desvirtuar completamente a sua função, instrumentalizando-a ao serviço de um país. Aliás, os tratados constitutivos da actual União Europeia dizem expressamente que esta União deve fomentar a coesão económica, social e territorial bem como a solidariedade entre os seus membros. Isto para não falar no papel que o BCE deve necessariamente desempenhar com vista ao aperfeiçoamento de um modelo de união monetária que nasceu torto, ou se se preferir, imperfeito.

Em conclusão: não faltam argumentos jurídicos para fundamentar uma outra actuação do BCE. O que falta é força e vontade política para a impor.

terça-feira, 29 de maio de 2012

GASPAR OBRIGADO A SEGURAR RELVAS



O ACORDO COM AUTARQUIAS


A linha de crédito que o Ministério das Finanças vai conceder às autarquias para pagamento de dívidas na sequência das negociações que vinham tendo lugar entre Relvas e Ruas aparece na hora certa para o Ministro adjunto, politicamente muito debilitado depois do “episódio das secretas” e das suas ligações ao espião que continuava a espiar no interesse particular mesmo depois de exonerado do cargo que ocupava. Mas Relvas estava também sob fogo cerrado na frente autárquica tanto pelas restrições impostas aos municípios como por ter aberto uma frente tão desnecessária quanto inútil na parte mais débil da administração local, com o programa de redução das freguesias decidido completamente à revelia da vontade das ditas. Esta linha de crédito vai permitir-lhe respirar durante uns tempos e Ruas encarregar-se-á, como já começou a fazer, de tentar esbater os protestos das freguesias e simultaneamente enaltecer o importante papel do Ministro na defesa dos interesses autárquicos.

 A prova de que Relvas não pode cair, de que Passos Coelho não o pode deixar cair – e ambos saberão bem porquê – está no facto de até Gaspar ter tido que se vergar aos superiores “interesses nacionais” que exigem a sua permanência no Governo. Uma presença que cada vez fica mais cara ao erário público…

A INACÇÃO DO BANCO CENTRAL EUROPEU

  




OS EXEMPLOS DA ESPANHA E DA GRÉCIA



Pode parecer estranho o subtítulo deste post, mas há mais semelhanças do que diferenças nas posições da Grécia e da Espanha nesta fase da crise do euro. Cada uma tenta à sua maneira e com estilos diferentes vergar a Alemanha.

(Um parênteses: alguns leitores ficam manifestamente irritados quando aqui se fala na Alemanha e não no capital financeiro ou quando se toma como referência de análise o quadro nacional. A primeira coisa importante que todos nós aprendemos com Maquiavel, o primeiro grande pensador político moderno, é que em política desprezar a realidade é fatal. Obviamente que não se trata de negar o importante papel que nesta crise está sendo desempenhado pelo capital financeiro nem as alianças que ele tem conseguido fazer nos Estados mais prejudicados por ela, umas facilitadas pelas convicções ideológicas dos governates, outras pela promiscuidade de interesses. Trata-se apenas de sublinhar que as consequências desta crise não se repartem indo todas as vantagens para o capital financeiro, seus aliados e acólitos e as desvantagens para os demais. Não: elas têm, umas e outras, uma incidência fortemente desigual no quadro nacional de tal modo que há países onde todos, globalmente,  tiram vantagem das manobras do capital financeiro, a ponto de os seus eleitores não quererem mudar nada e há outros onde todos ou quase todos sofrem as desvantagens dessas manobras, embora cada qual à sua escala.)

Regressando à Espanha e à Grécia. A Espanha reduziu drasticamente a despesa pública em todas as áreas, mesmo nas socialmente mais sensíveis, e pôs em prática uma reforma laboral altamente penalizadora para os trabalhadores. Está a braços com uma gravíssima crise do sistema financeiro –  aliás,  na origem do défice excessivo e do aumento vertiginoso da dívida pública  – e tem manifesta dificuldade, para não dizer impossibilidade, de o refinanciar pelos seus exclusivos meios. Todavia, e isto é que é importante sublinhar, recusa-se a pedir dinheiro ao fundo de resgate para evitar ser intervencionada, pugnando antes por uma actuação do BCE destinada a refinanciar, indirectamente, a dívida pública e a recapitalizar os bancos, embora com a garantia do Estado espanhol. A Alemanha, pelo contrário, mantendo o BCE “inactivo” desde Janeiro, tudo tem feito para empurrar a Espanha para a intervenção. Um Estado sob intervenção é um Estado-vassalo e esse é o objectivo político da Alemanha!

Por que actua a Espanha deste modo? Antes de mais por orgulho nacional. Esta direita que está no poder, tributária em larga escala do franquismo, soberanista, orgulhosa do seu passado imperial, recusa a intervenção com base num sentimento nacional muito forte que antepõe a outras considerações. E faz conscientemente uma política financeira à beira do abismo ciente de que quanto mais elevada for a parada maior será o seu peso negocial, numa luta surda contra a Alemanha, que se recusa a ceder para não perder nenhuma das vantagens conquistadas desde a criação do mercado único e, principalmente, desde a introdução da moeda única. E o governo espanhol sabe que tem pelo seu lado a adesão expressa do PSOE, dos partidos nacionalistas de direita e o assentimento tácito da esquerda parlamentar, nacionalista e espanhola.

A Grécia sabe hoje por experiência própria o que é um estado vassalo. Sem um sentimento nacional tão forte e homogéneo como o espanhol, com um sentimento patriótico mais forjado nas ideias do que num imaginário de grandeza nacional construído com base no domínio e na subjugação, foi mais por via da acção da esquerda, da sua luta corajosa contra a submissão ao capital e ao poder estrangeiro genericamente considerado, embora fortemente corporizado na Alemanha, por força das suas múltiplas intervenções anteriores em território grego, que se foi criando e crescendo um sentimento de rejeição à actual política que não mais poderá deixar de ser tido em conta ganhe quem ganhar as próximas eleições. Obviamente que se vitória pertencer ao Syriza, a Grécia tal como Espanha, embora de forma mais directa, conduzirá igualmente uma política financeira à beira do abismo certa de que o receio infundido por uma hipotética reacção em cadeia acabará por contribuir para uma mudança significativa da política europeia.

Entretanto, o BCE, manietado pela Alemanha e agindo no interesse desta, continua,  contrariamente ao que se ouve dizer, a desrespeitar os estatutos e a fazer uma política monetária anti-solidária, contrária ao interesse geral da União Europeia. Para não alongar este post, procurar-se-ã fazer amanhã a demostração da conclusão acima enunciada.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

A RECAPITALIZAÇÃO DA BANKIA EM ESPANHA




A SOLUÇÃO ESPANHOLA



Como se sabe – e agora já pode dizer como se sabe porque deixou de ser segredo – o sistema financeiro espanhol, sem excepções, está em grandes dificuldades, na iminência de falência, se muito rapidamente não forem tomadas as medidas adequadas.

Essa situação decorre da “bolha imobiliária” – a crise del ladrillo – e também de muitos outros activos tóxicos inscritos nos activos dos bancos dos quais os menos importantes não serão certamente os resultantes do subprime americano.

Depois de muitas mentiras e encobrimentos durante o governo anterior, como a boa nota nos famosos testes de esforço – as metáforas que estes tipos usam para esconder a verdade… -, e de o governo em funções ainda há poucas semanas ter voltado a garantir que não haveria dinheiro público para os bancos, a “bomba” rebentou com a calamitosa situação financeira da Bankia, instituição resultante da fusão em Dezembro de 2010 de sete caixas regionais, entre as quais estão com um peso correspondente a cerca de 90% a Caja Madrid e a Bancaja. Depois de uma guerra política travada no seio do PP, a Comunidade de Madrid, chefiada por Esperanza Aguirre, uma senhora condessa de extrema-direita, acabou por impor a direcção por que peleou durante vários meses – Rodrigo Rato, ex-ministro de Aznar e ex-director do FMI.

O negócio não poderia ter corrido pior: menos de dois anos depois, o banco estava falido, tendo o governo Rajoy sido obrigado a nacionalizá-lo para evitar a cessação de pagamentos. A intervenção do Estado começou com uma ajuda de cerca de 5 mil milhões de euros, tendo-se concluído, a meio da semana passada, que seriam necessários mais 19 mil milhões para evitar a falência.

O Estado espanhol não tem este dinheiro. Não pode angariá-lo directamente no mercado porque a taxa de juro previsível, acima dos 6%, seria incomportável. Também não quer recorrer ao fundo de resgate (futuro ESM), já que segundo as regras em vigor, o fundo somente pode emprestar aos Estados e um empréstimo do fundo equivale a uma intervenção da Espanha com tudo o que vem atrás – troika, despedimentos, cortes nos salários dos funcionários públicos e das pensões, enfim, o que nós e os gregos conhecemos bem. Tentou em vão Rajoy que a Merkel abrisse uma excepção e permitisse uma injecção de dinheiro do BCE a troco de garantias de pouco ou nulo valor, mas nada conseguiu. Somente Hollande o apoiou. Então, qual vai ser a solução do governo espanhol? Uma solução arrojada, mas engenhosa: vai injectar directamente no banco dívida pública! Em vez de emitir dívida no mercado para arrecadar dinheiro e metê-lo a seguir no banco, vai emitir a dívida pública directamente para o banco nacionalizado que nele figurará como um activo, teoricamente convertível em liquidez desde que seja aceite nas operações interbancárias como garantia (pouco provável) ou vendendo os respectivos títulos no mercado de capitais (hipótese também pouco provável pela desvalorização que sofreriam e consequente aumento da taxa de juro) ou (hipótese mais provável) para se financiar junto do BCE, entregando os títulos da dívida pública em garantia como actualmente fazem todos os bancos.

Se tudo correr bem, acabará por ser o BCE a recapitalizar o banco com a garantia do Estado espanhol. A dívida pública espanhola aumentará uns pontos percentuais, cinco ou seis, ficando mesmo assim aquém da generalidade das congéneres europeias em percentagem do PIB.

O verdadeiro risco desta operação não estará certamente na recusa do BCE em aceitar as garantias, mas na situação em que ficam o banco e Tesouro espanhol no mercado de capitais. Os juros vão indubitavelmente subir…e a intervenção tornar-se-á inevitável mais dia menos dia.

Moral da história: este “esquema” é bom ou mau? No presente momento histórico tudo o que agrave a situação na zona euro tem mais hipóteses de ser bom do que mau. Quem tiver mais a perder vai ter de pensar duas vezes. E depressa…


domingo, 27 de maio de 2012

A DEMAGOGIA BARATA DE CHRISTINE LAGARDE






O VERDADEIRO SENTIDO DAS PALAVRAS DE LAGARDE



As palavras de Christine Lagarde são as últimas que se poderiam esperar da responsável máxima de uma organização como o Fundo Monetário Internacional. Com uma folha de serviços lamentável em África, na América Latina, na Ásia e agora também na Europa, o FMI é a última entidade do mundo com legitimidade para criticar os gregos, cujo governo foi durante anos aconselhado pelos seus amigos de estimação, e ainda menos para, a partir de uma situação que o Fundo tem ajudado a criar em África, utilizar como termo de comparação para a crítica aos gregos a “compaixão” pelas criancinhas do Níger.

Quem conheça um pouquinho da folha de serviços do FMI em África, das experiências que durante décadas lá fez das teorias dos “rapazes de Chicago”, utilizando os africanos como cobaias, como verdadeiros animais de laboratório, não pode deixar de ver nas palavras de Lagarde uma profunda hipocrisia.

Este incrivel deslize diplomático de Lagarde só se explica pela pulsão "sarkoziana" de marcar distâncias relativamente a Hollande, pelo receio que a direita francesa tem de que a sua política europeia venha a ter êxito, não tendo para o efeito encontrado melhor meio do que utilizar os gregos e as crianças do Níger como pano de fundo para atingir o seu objectivo político.

Christine Lagarde que enquanto Ministra de Sarkozy até teve a ousadia de criticar a política económica alemã, mal a crise do euro rebentou, acusando-a de limitar excessivamente a procura interna para criar excedentes à custa do défice dos outros países, viu-se a obrigada a recuar pouco depois quando percebeu que as palavras do seu “chefe” proferidas em crises de hiperactividade inconsequente não passavam de simples fogo de vista, tendo a partir de então alinhado, embora com algumas surdas reservas, no tandem Merkozy.

Todavia, mal chegou ao FMI, nas condições que se conhecem, voltou à carga com a ideia do crescimento, certamente apoiada pelo Tesouro americano do qual o FMI em última análise depende, tentando marcar com as suas palavras alguma diferença relativamente à política imposta pela Alemanha.

Depois da derrota de Sarkozy calou-se e ei-la agora com uma “boca” que o Bild inveja não ter tido a autoria.

Pena que não tivesse falado uns dias mais tarde pois poderia ter prestado um grande serviço à esquerda na Grécia. Assim, até ao dia das eleições, aquela malta que têm governado a Grécia ainda vai ter tempo para tentar convencer o povo de que estão muito ofendidos com as palavras de Christine Lagarde.

AS SOLUÇÕES QUE VEM DA ALEMANHA



A RESPOSTA A HOLLANDE




Perdeu-se completamente a vergonha, como ainda ontem Günter Grass em mais um poema – este mais denso e de melhor qualidade literária que o anterior (sobre Israel) – escrevia ao referir-se ao comportamento da Europa, a começar pela sua Alemanha, relativamente à Grécia (aqui a tradução espanhola).

Mas a falta de vergonha da Alemanha não se fica pelo que está a fazer à Grécia. Não lhe basta a ela e aos seus satélites, a começar pelos serventuários portugueses, tudo fazerem para tornar os eleitores gregos reféns das suas inabaláveis posições. Querem mais: segundo a edição on line de Der Spiegel de anteontem, o governo de Merkel, seguramente para apresentar um agenda que possa ombrear com a de Hollande, está a preparar um programa de “crescimento e emprego” para a “Europa deprimida”. Um projecto que a direita alemã curiosamente já quis pôr em prática aqui há uns anos na Alemanha de Leste mas que teve de abandonar pelo coro de críticas que então suscitou.

Em que consiste tal programa? É muito simples: inspira-se numa ideia posta em prática pela China nas regiões mais atrasadas que consiste no abandono da protecção social e laboral do trabalho acompanhada da atenuação das regras ambientais e da desoneração fiscal do capital como forma de atracção do investimento.

A Alemanha quer pôr em acção os novos campos de concentração de trabalho forçado. Desta vez não serão para alimentar directamente as suas empresas mas para lhe pagarem as dívidas. E de certeza que não faltarão por cá e noutros países kapos para tomar conta destes campos.

Isto está a chegar ao fim…vai ser necessário combatê-los a sério outra vez até à rendição completa!

sábado, 26 de maio de 2012

ZECA AFONSO – TRAZ OUTRO AMIGO TAMBÉM






A APRESENTAÇÃO DA RDP



A discografia de Zeca Afonso, editada pela Orfeu, Arnaldo Trindade, está sendo reeditada em edição remasterizada, com o apoio da RDP. António Macedo, com a mestria que sabe pôr nos programas radiofónicos em que participa, tem vindo a acompanhar esses lançamentos com interessantes reportagens sobre os discos e sobre o próprio Zeca.

Esta semana para a apresentação do disco “Traz outro amigo também”, António Macedo conversou com Luís Filipe Colaço, antigo estudante de Coimbra, membro do conjunto musical “ Os Álamos”, actualmente residente em Luanda, professor universitário reformado, que contou vários episódios relacionados com a gravação do disco em Londres. Colaço, apoiante do MPLA, depois de uma primeira prisão intimidatória, conseguiu escapar às garras da PIDE, muito por força do apoio que Zeca Afonso lhe prestou, conta com emoção e grande reconhecimento as vicissitudes por que passou nos tempos em que acompanhou Zeca na gravação de dois discos como segundo viola.

Depois da reedição de Cantares do andarilho e Cantos Velhos, Rumos Novos, na próxima segunda-feira serão postos no mercado, também em edição remasterizada, como acima se disse, mais três discos de Zeca: Traz outro amigo também; Cantigas do Maio; e Eu Vou Ser Como a Toupeira.

Traz outro amigo também, segundo os entendidos, mas também na opinião dos leigos que se limitam a gostar muito de Zeca Afonso, é juntamente com Cantigas do Maio e Venham mais cinco, uma das obras imorredoiras do Zeca.

NOTAS DE FIM DE SEMANA




DE RELVAS ÀS PARCERIAS PASSANDO PELO PS
1 – AS PSEUDO DIVERGÊNCIAS PS/PSD - Noventa e nove virgula nove por cento dos portugueses não percebe em que é que o PS se distingue do Governo PSD/CDS nas políticas que há mais de um ano estão sendo postas em prática no plano económico e social. O que os portugueses sabem é que em tudo quanto é realmente importante o PS e PSD/CDS estão de acordo. Estão de acordo na fidelidade ao Memorandum da Troika, estão de acordo na política orçamental e estão de acordo na política laboral. E o que os portugueses também sabem é que a ausência de uma oposição forte às políticas do Governo constitui um factor de permanente agravamento da sua situação. Se os partidos de esquerda não conseguem congregar o profundo descontentamento da sociedade portuguesa originado pelas políticas governamentais com o beneplácito do PS, alguma coisa vai ter de acontecer até às próximas eleições para capitalizar toda essa rejeição do grande Bloco Central que corrói a sociedade portuguesa. Para isso será necessário reduzir o PS à insignificância de um PASOK, criando novas vias de acesso ao poder.
2 - RELVAS ENLEADO NAS TEIAS ONDE SE MOVE – Um asno do PSD que ainda há dias garantia que a Grécia não passava de uma ficção inventada a partir de uma província do Império Otomano, voltou ontem à SIC N para defender Relvas igualmente com o argumento de que a campanha em curso contra o Ministro adjunto assenta numa ficção toda ela construída em factos sem consequências. Deixando de lado esta luminária, vai-se tornado cada vez mais evidente aos olhos da grande opinião pública a teia em que Relvas está enredado. Além de ter mentido no Parlamento e de ter no seu Gabinete um jornalista intimamente ligado a Silva Carvalho, Relvas é um homem envolvido com os grandes nomes das “negociatas” que por cá se fazem a partir da proximidade com o poder. E a questão que se põe não é tanto o que nós sabemos de Relvas, nem o que imaginamos ele possa fazer com os amigos que tem, mas o que sabe Passos Coelho e por que razão o lá tem. A imagem tão meticulosamente construída de “homem sério” apenas movido por um fervor ideológico extremista não se quadra muito bem com a intimidade que partilha com o “pragmático” Miguel Relvas, enredado em múltiplos interesses e amizades pouco recomendáveis. Ou o mantém e não escapa às suspeitas que pesam sobre Relvas ou o demite…e terá de ficar de olho nele…
3 - AS PARCERIAS PÚBLICO PRIVADAS – Estão a decorrer no Parlamento as audições da Comissão de Inquérito às Parcerias Público-Privadas, tendo ontem sido ouvido o Juiz Conselheiro reformado do Tribunal de Contas, Carlos Moreno, que já havia há cerca de um ano publicado um livro sobre o assunto. O “negócio” das parcerias está mais que explicado – é uma grande vigarice inventada pelo PS e pelo PSD para extorquir dinheiro do Estado. Dinheiro que alimentou e alimenta as grandes empresas da construção civil e os bancos, mas que que alimentou também os partidos que as negociaram e, como sempre acontece, o “transportador” desse dinheiro para os partidos. A esquerda pode fazer várias denúncias, pode até imputar alguns factos a certas pessoas, que antecipadamente se sabe quem são, mas não vai conseguir reverter a actual situação nem introduzir naqueles famigerados “negócios” as alterações que se impõem em virtude da inevitável barragem que o PS e o PSD, não obstante as aparentes divergências, farão a tudo quanto seja realmente substantivo com base numa fraseologia cuja utilização antecipadamente se conhece – Estado de direito, pacta sunt servanda e outras máximas jurídicas hipocritamente lançadas para a discussão para que tudo fique na mesma ou quase. Esta comissão pode até ter efeitos perversos, ajudando a consolidar uma situação que agora é política e juridicamente insustentável. Por isso, o que a esquerda deveria fazer quanto antes ou logo que a ocasião se proporcionasse era apresentar autonomamente as suas conclusões e a proposta de revisão do actual estado de coisas assente numa ideia muito simples: revisão soberana dos contratos pelo Estado, com base nos princípios gerais de direito da repartição do risco e do lucro justo, entrando em linha de conta com tudo o que já foi pago indevidamente.

A UNIÃO EUROPEIA NA ENCRUZILHADA




OU MUDA OU ACABA

Neste mais de meio século de existência que leva esta Europa, hoje chamada União Europeia, nunca houve uma situação tão vantajosa para a Alemanha como a actual. Ela não só tem tido a última palavra sobre todos os assuntos importantes como ainda passou a ter, nestes últimos tempos, a primeira e indicadora palavra sobre o que nela se discute e como se discute. Esta primazia política que a Alemanha tem exuberante demonstrado assenta numa prosperidade económica sem precedentes potenciada pelo mercado único e pelo euro. De facto, as vantagens da criação do mercado único reverteram desproporcionadamente a favor da Alemanha: a balança comercial é excedentária relativamente a todos os países da União Europeia e as transacções no mercado de capitais não lhe poderiam correr melhor: financia-se a custo zero ou quase (depende do prazo) e empresta a juro várias vezes superior. Além do mais, continua a cobrar regularmente todos os seus créditos apesar da crise.

É por isso perfeitamente compreensível que não queira mudar…

Esta Europa construída ao longo de meio século e acelerada no seu desenvolvimento institucional a partir da criação do mercado único e da adopção da moeda única (Maastricht) não gerou os equilíbrios internos que ainda há cerca de vinte anos se supunha estarem em franco desenvolvimento nem tão pouco assentou a sua prosperidade numa base sólida capaz de consolidar a progressiva repartição equitativa do crescimento não apenas entre os seus membros mas também entre os seus cidadãos. Pelo contrário, na primeira grande dificuldade que surgiu rapidamente se percebeu que o progresso daqueles que tinham partido atrás era apenas aparente e que ao crescimento global correspondia uma cada vez maior desigualdade não apenas entre os seus membros como também entre os seus cidadãos.

Houve, portanto, um duplo falhanço: um falhanço na progressiva harmonização económica e social dos Estados que a compõem e um outro falhanço não menos importante na progressiva repartição equitativa dos rendimentos entre os seus cidadãos.

Embora ambas as consequências estejam intimamente ligadas às políticas neoliberais que a União Europeia inscreveu na sua “matriz constitucional” a partir de Maastricht, acabou por ser a sua política monetária a trazer dramaticamente à luz do dia uma realidade que permaneceu encoberta até à crise financeira internacional que em finais de 2007 rebentou na América.

Por força dos desenvolvimentos da própria crise na Europa, nomeadamente do estancamento do fluxo de capitais, tornando-os escassos e caros, evidenciou-se um conjunto de situações assentes num endividamento excessivo que se foi sucessivamente agravando em consequências de políticas radicais de austeridade económica impostas pela Alemanha numa base simultaneamente moral e ideológica – era, por um lado, necessário punir os que “viveram acima das suas possibilidades” e, por outro, aproveitar a crise para impor um modelo de sociedade moldado sobre os princípios do neoliberalismo.

Acontece que a situação da Grécia ao cabo de três anos de privações e restrições de toda a ordem acabou por se impor não somente aos próprios gregos, mas também um a um número cada vez maior de europeus como uma irracionalidade que não poderia continuar. Mas não é somente na Grécia que a situação é dramática: ela é-o também em Espanha pelo número brutal de desempregados e pela grave crise do sistema financeiro, insusceptível de ser resolvida pelo Estado, impossibilitado de se financiar no mercado de capitais em virtude da exorbitância dos juros, não obstante as duras medidas restritivas que têm sido adoptadas; é-o igualmente em Portugal pelas razões por todos conhecidos e tende a todo o momento a agravar-se na Itália se nada for feito para alterar a situação dos países em crise.

Se a bancarrota de qualquer destes países tende a inviabilizar a manutenção do euro, não é difícil imaginar o que seria uma reacção em cadeia ditada pela falência de qualquer deles.

Está-se portanto chegado a uma situação que ou se atalha ou a prazo não muito distante vai ter consequências irreversíveis.

Atalhar a situação significa baixar drasticamente os juros da dívida pública dos países que hoje se financiam no mercado a preços usurários; recapitalizar os bancos a juros igualmente baixos; acabar com as políticas de austeridade; pôr rapidamente em prática políticas de crescimento económico dirigidas pelo Estado; e estabelecer prazos para a redução do défice condizentes com as taxas de crescimento.

Estas medidas são indispensáveis para pôr termo à actual situação, mas não são suficientes para combater o desequilíbrio existente no seio da União Europeia, que é em última instância o grande responsável pela situação a que se chegou.

Se para as medidas de emergência bastará alterar a natureza do banco central e, preferencialmente, mutualizar as dívidas, para corrigir consistentemente os desequilíbrios causadores da actual situação vai ser necessário um trabalho muito mais profundo que levará anos a concluir e terá necessariamente de apontar para a refundação da União Europeia em domínios que até agora têm constituído a sua imagem de marca.

É certamente por força da gravidade do contexto que envolve uma parte significativa do Estados da União Europeia e pela sua mais que provável propagação a outros países que se começaram a ouvir na Europa vozes diferentes daquelas que ainda há bem pouco tempo falavam em uníssono uma linguagem que a encaminhava para a catástrofe.

Como a situação é muito grave e desencadeará certamente consequências irreversíveis se não for rapidamente atalhada, é provável que haja mudanças significativas na política da União Europeia. Obviamente que todos aqueles para os quais a presente situação constituía uma oportunidade ímpar para implantar um novo tipo de sociedade, como é o caso do governo português, não deixarão de se unir à Alemanha numa política de resistência, embora tudo indique que tendem a ficar cada vez mais isolados.

De facto, não deixa de ser significativa a mudança que nestes últimos dias se operou em Espanha. Rajoy, que começou por marcar as suas distâncias em relação a Hollande, muito provavelmente por força de um mal entendido sobre a recapitalização dos bancos, e de tentar consolidar uma aliança com Merkel, depois do almoço no Eliseu e do Conselho Europeu de Bruxelas, passou a manifestar uma clara preferência pelas propostas de Hollande por servirem directamente os interesses de Espanha. O mesmo se passou com Monti, não obstante o pendor conservador da sua formação política.

Face a este quadro era muito importante que o PS, não obstante as incríveis concessões que já fez, repudiasse a sua ligação ao Memorandum da Troika, deixando o governo completamente isolado nas políticas de austeridade e a braços com uma aliança antipatriótica.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

RELVAS E O PÚBLICO






 BELMIRO TAMBÉM NÃO SABE O QUE SE PASSOU

Carlos Magno, presidente da ERC, acompanhou o ministro Miguel Relvas, depois da audição.


Quem acompanhou de perto o caso “Relvas/Público” sabe que a primeira reacção da direcção editorial do Público foi de crítica ao Conselho de redacção por ter publicado um comunicado sobre um assunto quer era uma “não notícia”. Nesse comunicado, em que se fazia a denúncia das ameaças de Relvas, o Conselho de redacção criticava a direcção por não estar a dar a devida importância ao assunto e se ter negado a publicar a notícia que sobre o assunto fora escrita pela jornalista ameaçada – Maria José Oliveira.

Logo a seguir, no outro comunicado da Direcção, publicado on line e também na edição impressa, última página, tudo mudava: a direcção dava conta das desculpas apresentadas por Relvas e manifestava inequivocamente a sua solidariedade à jornalista, considerando muito grave o que se passara.

E desde então até hoje a direcção tanto pela voz de Bárbara Reis como de Manuel Carvalho não tem deixado de se colocar inequivocamente ao lado da colega ameaçada.

O que se terá então passado para uma tão significativa mudança de posição? O facto de o comunicado do conselho de redacção ter sido assinado por todos os elementos? É óbvio que esse facto não é determinante tanto mais que ele já era conhecido à data da primeira reacção da direcção.

 Então, o que terá sido? Parece óbvio que a posição assumida pela direcção só pode ter resultado do facto de ela ter tido provas inequívocas de que houve ameaças. Que provas? Só podem ser aquelas que não deixam dúvidas a quem as conhece, mas que não servem para condenar ninguém. Não sevem para condenar ministros como também não serviram para condenar presidentes de clubes de futebol.
É aliás dentro desta linha de "falta de provas" que Belmiro de Azevedo, o patrão do jornal, também não sabe nada do que se passou...

E se um dia destes elas aparecessem no You Tube?

quinta-feira, 24 de maio de 2012

O QUE FALHA É O PS






O PS E A POLÍTICA DE AUSTERIDADE



Um ano depois da entrada da Troika em Portugal e de evidenciada pelos números, pela situação da economia portuguesa e, principalmente, pela situação social dos portugueses, a falência das políticas impostas pelo Memorandum de Entendimento, com a colaboração do PS, PSD e CDS; depois do agravamento da situação grega e da falência iminente da Espanha igualmente potenciada pelas políticas recessivas que desde há mais de um ano lhe vêm sendo impostas, ao PS só restava denunciar o acordo que assinou com base na impossibilidade política superveniente da sua execução.

Há, com efeito, limites para o sacrifício dos portugueses e para a degradação do património material e imaterial do país que não podem ser transpostos, na defesa de interesses alheios, sob pena de traição.

E, em Portugal, está-se nessa fronteira. Depois dos números ontem divulgados pelo INE ficou a saber-se que a situação das contas públicas portuguesas é agora ainda pior do que antes do início do Programa de austeridade. Ao PS cabe decidir se vai juntamente com os partidos mais reaccionários da Europa transpor aquela fronteira ou se, pelo contrário, se vai rebelar contra essa situação.

De nada adianta ao duo Zorrinho-Seguro andar a “fazer de conta” que estão muito incomodados com a deterioração económica e social do país promovendo no Parlamento a aprovação de uma resolução sobre políticas de crescimento com a falsa indicação de que se trata de uma “adenda” ao Tratado Orçamental.

É evidente que não se trata de nada disso já que, como sabe qualquer principiante de direito, as negociações de um tratado internacional encerram-se com a sua assinatura e não podem a partir daí ser reabertas, a menos que todos os negociadores nisso concordem.

No caso português a situação ainda é mais caricata, porque apesar de o dito tratado não estar em vigor na ordem internacional – e espera-se que nunca venha a estar – ele já foi aprovado pelo Parlamento estando a sua ratificação apenas dependente da decisão do Presidente da República – ratificação que muito provavelmente acontecerá pois não se vê que Cavaco seja homem para se opor ao Tratado.

Por outro lado, a tal adenda nem sequer pode funcionar como uma reserva, por duas razões que Seguro deveria bem saber – em primeiro lugar, porque não se podem apor reservas depois da aprovação e em segundo, porque não há reservas que contendam com o objecto essencial do Tratado. Além de que nunca os partidos do Governo aceitariam interpretar tal resolução como uma reserva.

Portanto, e por palavras mais simples, a tal resolução sobre a “Adenda” ao Tratado Orçamental não passa de uma vigarice política sem qualquer valor jurídico, fruto da má consciência e covardia políticas de quem não ousa enfrentar a situação e pretende através de manobras de diversão fazer crer na opinião pública que está a promover algo para inverter a situação. Não está! Está a colaborar com ela e a apoiá-la umas vezes com o seu assentimento implícito e outras, a maior parte, explicitamente.

E o PS não pode ter qualquer ilusão sobre o que na boca e nas políticas da direita significa “crescimento”. Crescimento é, para a direita, algo que se consegue pelo “aprofundamento das reformas laborais e das reformas estruturais” – ou seja, pela eliminação dos direitos do trabalho e sua transformação numa mercadoria como qualquer outra livremente transaccionável num mercado completamente desregulado!

No presente momento histórico, em que na Europa cresce a luta contra as políticas de austeridade e está em curso um movimento tendente a isolar a Alemanha e os seus fiéis acólitos, a única posição que politicamente interessa tomar é afrontar corajosamente aquelas políticas repudiando-as e rejeitando-as e não andar a “fazer cócegas” às políticas de austeridade que é aquilo que o PS anda a fazer.

Se o PS quer participar na luta que visa evitar o naufrágio da Grécia e a falência da Espanha bem como a degradação económica e social de Portugal, e com eles o afundamento da União Europeia, o que tem é de rasgar o Memorandum da Troika e manifestar-se abertamente contra as políticas de austeridade.

Estar a negociar com esta direita é um acto de cumplicidade que o PS vai pagar muito caro. Uma direita, como ainda ontem se viu em Bruxelas, que entre a defesa dos interesses dos portugueses e a fidelidade ideológica à ortodoxia neoliberal não hesita um segundo na defesa desta contra os interesses daqueles. Uma direita que não tem qualquer problema em degradar drasticamente as condições de vida dos seus concidadãos, que promove o desemprego, que remete para a marginalização social centenas de milhares de trabalhadores, que desqualifica o trabalho e os seus direitos, que despreza os reformados e os doentes, que promove o elitismo no ensino, é uma direita com a qual negociar significa colaborar.

O PS está no limite temporal das opções: ou está de um lado ou fica do outro.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

A CIMEIRA DE LOGO À NOITE EM BRUXELAS






AS PROPOSTAS DE HOLLANDE



A serem verdadeiras as notícias hoje veiculas pela imprensa sobre as propostas que Hollande apresentará na reunião de logo à noite, terá de reconhecer-se que elas representam uma alteração significativa do que têm sido nestes últimos quatro anos as reuniões da União Europeia ao mais alto nível.

Porventura pior do que as medidas que foram adoptadas ao longo daqueles anos, foi, no plano dos princípios, a completa inibição que recaía sobre os membros do Conselho para apresentar propostas ou discutir assuntos que não constassem da agenda do directório franco-alemão.

Merkel “cozinhava” com a cumplicidade de Sarkozy as decisões previamente tomadas pelos alemães e era apenas e só à volta dessas propostas que a discussão tinha lugar. Elas balizavam os limites da discussão, nunca ultrapassados pela covardia dos dissidentes ou pela sintonia dos acólitos.

E foi assim que as políticas de austeridade foram adoptadas num misto de punição moral e de fervor ideológico e depois sucessivamente reiteradas mesmo quando já se tinha demonstrado à evidência que elas só agravavam ainda mais a situação dos países intervencionados. O que se fez à Grécia figurará futuramente nos compêndios de economia como uma das maiores cegueiras ideológicas do nosso tempo e nos de história como um crime friamente cometido contra todo um povo na base de um fanatismo moral comparável ao que de pior a Europa conheceu na sua história.

A fazer fé na imprensa, Hollande defenderá a emissão de eurobonds com vista à mutualização dos riscos e ao abaixamento dos juros (incomportáveis) hoje pagos pelos países intervencionados ou sob pressão dos mercados; a recapitalização directa dos bancos pelos fundos de resgate sem o condicionalismo imposto pelos programas de austeridade; o financiamento dos fundos de resgate pelo BCE ou mesmo o financiamento directo do BCE aos países em dificuldades; e ainda a subtracção ao défice dos investimentos de futuro.

São propostas que para aquelas cabeças quadradas dos alemães representam a inversão da “ordem natural das coisas”. Está fora de questão que Merkel venha a aceitar tais “heresias”, só que a questão que interessa não é saber qual vai ser a posição da Alemanha, que antecipadamente se conhece, mas quem se aliará a ela na defesa da “ortodoxia neoliberal”.

Estarão de certeza com a Alemanha aqueles que mais têm ganho com a adopção do euro como moeda única, como é seguramente o caso da Áustria, da Finlândia e da Holanda. Mais importante vai ser conhecer a posição daqueles que, estando intervencionados ou sob forte pressão dos mercados, e tendo, portanto, teoricamente todo o interesse na adopção daquelas medidas, as vão rejeitar por razões ideológicas ou por cálculo político.

Certamente que a Grécia e a Itália apoiarão as propostas de Hollande. Mas que dizer das posições da Irlanda, da Espanha e de Portugal?

O PS português poderá ter, em função dos resultados da reunião de logo à noite, mais uma boa razão para rasgar o programa da Troika se o Governo português, como tudo indica, continuar a apoiar as posições da Alemanha.

A “CONSOLIDAÇÃO” ORÇAMENTAL COMO CONCEITO IDEOLÓGICO



O EXAME DA TROIKA E A REALIDADE


A Troika regressou a Portugal para avaliar a execução do programa de austeridade imposto pelo Memorandum de Entendimento “acordado” entre o Governo português e   a União Europeia, o FMI e o BCE.

À semelhança do que aconteceu das vezes anteriores, os agentes dos credores que cá se deslocaram irão dizer que o Programa está a ser executado com êxito, verterão umas lágrimas de crocodilo pelo desemprego, manifestarão muita preocupação pelo endividamento das empresas públicas de transporte, não ficarão totalmente satisfeitos com o acordo firmado entre o governo e as empresas de energia e concluirão pela necessidade de adopção de novas medidas com vista ao cumprimento das metas acordadas.
E, todavia, a situação portuguesa é calamitosa. O desemprego sobe para números inimagináveis, as falências sucedem-se, a receita fiscal diminui, o produto continua a cair e a situação das pessoas está a tornar-se insustentável.
Esta realidade tem sido externamente escamoteada, contrariamente ao que se passa na Grécia, em Espanha, na Irlanda e na Itália, muito por culpa daqueles que  têm privilegiado na sua actuação uma imagem exterior da situação portuguesa feita de grande consenso, paz social e “inteligente compreensão” das dificuldades que o país atravessa. Daí que o estado em que os portugueses se encontram nunca ou quase nunca seja referido quando algum articulista ou comentador estrangeiro traça o quadro geral resultante da aplicação dos programas de austeridade nos países intervencionados ou sujeitos a fortes medidas restritivas.
Ou seja, apesar de sofrerem internamente as consequências das brutais medidas de austeridade, os portugueses não têm dado, por causa daquele "consenso", a contribuição que poderiam dar ao movimento que na Europa vai ganhando força contra as medidas de austeridade como solução para a crise.
Está à vista de todos a ineficácia dos programas de austeridade e todavia eles continuam a ser defendidos e aplicados com a  firmeza e a convicção de quem não tem dúvidas sobre a sua eficácia. Porquê? Porque tais programas são acima de tudo instrumentos para levar à prática uma certa concepção de sociedade tanto mais fácil de alcançar quanto mais consensual for no seio do governo que os aplica o modelo de sociedade em questão. E neste aspecto Portugal tem sido, mais do que qualquer outro país da Europa, o terreno de eleição para a aplicação de tais programas. A austeridade conta com o apoio incondicional do Governo, todo ele ideologicamente imbuído do mesmo espírito da Troika se não mesmo mais fundamentalista do que a própria Troika, conta também com a serena aquiescência do PS, que faz uns pequenos reparos sem contudo se opor ao essencial, e goza ainda da colaboração activa da UGT que deu corpo, com a sua assinatura, ao tal consenso social triunfantemente exibido pelo Governo no estrangeiro.
Não admira por isso que tal programa, não obstante os efeitos verdadeiramente devastadores que está tendo na sociedade portuguesa, ainda não tenha sido maioritariamente repudiado pelo povo português. De facto, por força da permanente propaganda em todos os meios da comunicação social sobre as virtudes da austeridade, os portugueses ainda acreditam que da consolidação das contas públicas resultará o crescimento.
Dentro de pouco tempo, tanto pelo que se passa cá como pelos exemplos que vem de fora, irão contudo compreender que nem a dita consolidação ocorrerá – a dívida continuará a aumentar e os juros manter-se-ão em níveis estratosféricos – nem as medidas de austeridade tenderão a abrandar. Pelo contrário, agravar-se-ão por força da tal espiral recessiva por ela própria provocada.
Socialmente insensível, o Governo, porém, continuará sereno e optimista, mantendo o rumo traçado com vista à edificação de uma sociedade que faça desaparecer o Estado da maior parte dos sectores onde ainda se encontra. Na verdade, o tal equilíbrio orçamental por que o Governo aspira, bem como a desoneração fiscal que tem em mente, pressupõem um orçamento exclusivamente virado para aquilo a que eles chamam as “funções tradicionais” do Estado, deixando que os recursos, segundo eles, hoje indevidamente absorvidos pelo Estado, sejam libertados para a sociedade civil para que esta com a sua criatividade e operosidade promova o crescimento à margem do papel do Estado.
Esta a visão utópica do neoliberalismo tal como é entendido por Passos Coelho, Gaspar e Álvaro!
Para os ideólogos do Governo, até talvez mais do que para os burocratas da Troika, o facto de os ciclos económicos poderem ser directamente influenciados pelo Estado constitui uma aberração a que pretendem pôr cobro. Segundo eles, Portugal está em recessão porque a economia está-se a ressentir da falta do Estado em áreas onde, por direitas contas, ele nunca deveria ter estado e, por isso, deixará de estar. O objectivo dos programas de austeridade é mesmo esse. É tirar o Estado dos lugares que lhe não competem. E é por essa razão que Gaspar nem sequer disfarça a insensibilidade pelos números do desemprego, salvo no que respeita à sua incidência nas contas públicas, sendo também por essa mesma razão que Passos Coelho entende o desemprego como uma oportunidade redentora. O desempregado será, neste contexto, mais um que vai ter a oportunidade de se desligar da tutela asfixiante do Estado e de encontrar nas suas próprias capacidades o antídoto indispensável para combater a situação em que temporariamente se encontra!
E é também por Gaspar e Passos Coelho não terem qualquer espécie de dúvida sobre a ineficácia do dito “Apêndice sobre o Crescimento” ao Tratado Orçamental, tal como está a ser apresentado entre nós, que ambos agora afirmam não terem objecções à discussão do assunto, contanto que se mantenha o princípio de que o crescimento somente poderá resultar da consolidação orçamental.
Este o pensamento da gente que nos governa – uma gente perigosa que não hesita em sacrificar uma ou até mais gerações e o futuro do próprio país às suas convicções ideológicas.
É um erro supor que esta gente por ter poucos conhecimentos práticos e teóricos, como é o caso de Passos Coelho, ou por se deparar com dificuldades de monta, como é o caso de Gaspar, poderá vir a arrepiar caminho, acabando por ser vencida pelas duras realidades da vida. A história demonstra exactamente o contrário: quanto mais a convicção ideológica do militante se fundamenta na vulgata da doutrina que defende, maior é o seu fanatismo e a sua incapacidade para ver a realidade.
E é por não ser capaz de perceber isto, por estar a alinhar no essencial desta política, por não rasgar o acordo com a Troika, que o PS se arrisca a um futuro semelhante ao do PASOK!

terça-feira, 22 de maio de 2012

A ESPANHA NA IMINÊNCIA DA BANCARROTA





CAINDO A ESPANHA, CAI TUDO



A imprensa portuguesa entretida a dizer mal dos gregos e na adjectivação das forças políticas que na Grécia se recusam a aceitar a catástrofe, nem se dá conta do que se está a passar ao pé da porta. E o que se está a passar aqui ao lado é a falência iminente da Espanha.

Como se sabe, a Espanha tinha uma das mais baixas dívidas públicas da União Europeia quando a crise financeira rebentou – andava à volta de 40% do PIB, bem abaixo das exigências do PEC e o défice orçamental nem sequer existia, havia superávide. Com a crise em menos de três anos tudo mudou radicalmente.

Mas será que mudou assim tanto? Aparentemente sem dúvida. Indo, porém, à substância das coisas, as causa da actual situação já estavam todas inscritas no modelo de desenvolvimento espanhol posto em prática depois da adesão à CEE e subsequentemente potenciadas pela adesão ao SME e depois à moeda única.

Desde a adesão até 1996, a Espanha, com excepção da crise de 1990/92, foi crescendo, na sequência aliás do que já vinha acontecendo nos últimos anos do franquismo, mercê das grandes ajudas comunitárias que recebeu e das desvalorizações competitivas da peseta.

Filipe González adaptou o modelo económico espanhol às exigências da adesão, um pouco à semelhança do que sucedeu em Portugal e nos demais países periféricos, mas ao contrário do que aconteceu cá não destruiu completamente o anterior aparelho produtivo. Houve sim reestruturações profundas na indústria, com o encerramento de muitas fábricas e estaleiros navais (de que a célebre marcha sobre Madrid é o ponto culminante do protesto contra tal política), mas o sector primário, nomeadamente a agricultura e as pescas, não só se manteve como foi enomemente desenvolvido.

E, assim, a economia criada com base nesta profunda reestruturação alicerçou-se nos serviços, com um sector financeiro repetidamente considerado como um dos mais modernos e competitivos da Europa; na exportação de produtos de umas quantas marcas de referência conhecidas em todo o mundo; e numa procura interna crescente que fazia a inveja não só dos vizinhos portugueses, mas também dos ricos tradicionais da Europa – França, Alemanha, Inglaterra e a própria Itália, que os espanhóis já consideravam um país há muito por eles ultrapassado!

De 1996 a 2008 a Espanha cresceu a um ritmo vertiginoso – enquanto na Europa dos quinze se crescia, em média, a 2,5% ao ano, na Espanha a média era de 3,8%! Em 10 anos a Espanha criou oito milhões de empregos, quase 30% de todo o emprego criado em toda a Europa e o sucesso da economia e dos empresários espanhóis era uma imagem de marca da União Europeia.

Inundada por uma verdadeira torrente de dinheiro barato, a prosperidade espanhola parecia não ter fim. As empresas endividaram-se excessivamente, depois da fixação dos câmbios e da adesão à moeda única a economia espanhola perdeu competitividade relativamente às economias do centro da Europa, nomeadamente a alemã e a produtividade, em média, cresceu bastante menos (0,5%) do que a média europeia (1,3%). Tal como aconteceu nos demais países periféricos, também a economia espanhola, para fugir à concorrência das economias mais competitivas, se refugiou na construção civil, verdadeiro motor do desenvolvimento económico durante mais de uma década.

Depois a história é conhecida: sobreveio a crise financeira de 2007/08 originada pelo subprime americano, os capitais deixaram de afluir, o crédito estancou, a bolha imobiliária rebentou e os bancos espanhóis, endividadíssimos, precisam urgentemente de ser recapitalizados sob pena de falência. Simultaneamente, por causa da crise e como consequência dela, a dívida pública não tem cessado de crescer, bem como o défice orçamental.

O plano de ajustamento acordado pelo governo Zapatero com a União Europeia, de redução do défice para 3%, até 2013, não vai poder ser cumprido, não obstante todas as promessas do novo governo, não apenas por o défice de 2011 como o de 2012 serem bem superiores ao contabilizado ou esperado, em consequência da batota nas contas públicas de várias comunidades autónomas – Madrid, o dobro do anunciado; Valência; Leon e Castela, e ainda a Catalunha e Múrcia) -, mas também por o cumprimento das metas estabelecidas exigir cortes brutais, além dos que já tiveram lugar, em áreas socialmente muito sensíveis.

Depois de tudo o que já foi feito no domínio das contas públicas com vista à consolidação orçamental, a Espanha com a economia em recessão e com uma taxa de desemprego a rondar os 25% não tem qualquer hipótese de refinanciar os bancos. Basta dizer que a recente nacionalização da Bankia (banco resultante da fusão de várias Caixas “governadas” pelo PP) representa cerca de 30% do PIB espanhol! É óbvio que, perante números desta grandeza, a Espanha não está em condições de responder às exigências do seu sistema financeiro. Mas também não quer – e muito justamente – recorrer ao fundo de resgate para o recapitalizar porque se seguisse a sugestão de Hollande perderia toda a autonomia sobre os seus bancos e seria ela própria intervencionada logo a seguir.

Tanto uma medida como outra representariam a entrada numa espiral recessiva infernal, à grega e à portuguesa, que os governantes espanhóis querem manifestamente evitar. O que a Espanha reclama pura e simplesmente é uma a actuação urgente do BCE quer comprando dívida pública, quer refinanciando directamente os bancos.

E foi isso que Rajoy disse sem rodeios: “ De momento o mais urgente é garantir a estabilidade financeira. Assegurar que quando um país tenha um vencimento de dívida possa refinanciá-lo. O mais urgente é que quando uma entidade financeira tenha um vencimento de dívida também possa acorrer aos mercados e refinanciá-lo. Isto pode fazer-se rapidissimamente, em 24 horas, não necessita de grandes debates nem de leis que levam dois anos a aprovar”.

Descodificando, Rajoy, ciente do que representa o colapso do sistema financeiro espanhol, falou grosso e exigiu a intervenção urgente do BCE.

Os bancos espanhóis são os que mais tem acudido aos leilões de crédito do BCE, que mais dinheiro têm recebido, e mesmo assim o sistema financeiro continua nas franjas do colapso, o que demostra bem a gravidade da situação. Nem sequer se sabe ao certo de quanto eles precisam, mas todos os cálculos apontam, no mínimo, para uma entrada imediata de 100 mil milhões de euros!

Os nossos comentadores e políticos com a sua habitual covardia, sempre dispostos a atacar os fracos e a defender os fortes, mesmo contra os próprios interesses nacionais, não se cansaram de censurar o Syriza e o seu leader Tsipras por terem recorrido aos meios de que dispunham para tentar pôr termo a uma situação catastrófica na Grécia. Veremos agora o que vão dizer de Rajoy.

Aliás, Rajoy está tão seguro do seu papel que nem sequer responde aos reiterados apelos do PSOE para concertação de uma posição comum sobre esta matéria. A tradicional propensão dos socialistas para a transigência, bem como a sugestão que lhe chegou de Hollande, não augurariam certamente nada de positivo para o desenvolvimento de uma estratégia que assenta no peso negativo de uma situação com vista a extrair dela todas as vantagens negociais.

Veremos nos próximos dias como as coisas vão evoluir.