CAINDO A ESPANHA, CAI
TUDO
A imprensa portuguesa entretida a dizer mal dos gregos e na
adjectivação das forças políticas que na Grécia se recusam a aceitar a
catástrofe, nem se dá conta do que se está a passar ao pé da porta. E o que se
está a passar aqui ao lado é a falência iminente da Espanha.
Como se sabe, a Espanha tinha uma das mais baixas dívidas
públicas da União Europeia quando a crise financeira rebentou – andava à volta
de 40% do PIB, bem abaixo das exigências do PEC e o défice orçamental nem
sequer existia, havia superávide. Com a crise em menos de três anos tudo mudou
radicalmente.
Mas será que mudou assim tanto? Aparentemente sem dúvida.
Indo, porém, à substância das coisas, as causa da actual situação já estavam todas
inscritas no modelo de desenvolvimento espanhol posto em prática depois da
adesão à CEE e subsequentemente potenciadas pela adesão ao SME e depois à moeda
única.
Desde a adesão até 1996, a Espanha, com excepção da crise de
1990/92, foi crescendo, na sequência aliás do que já vinha acontecendo
nos últimos anos do franquismo, mercê das grandes ajudas comunitárias que
recebeu e das desvalorizações competitivas da peseta.
Filipe González adaptou o modelo económico espanhol às
exigências da adesão, um pouco à semelhança do que sucedeu em Portugal e nos
demais países periféricos, mas ao contrário do que aconteceu cá não destruiu completamente
o anterior aparelho produtivo. Houve sim reestruturações profundas na
indústria, com o encerramento de muitas fábricas e estaleiros navais (de que a
célebre marcha sobre Madrid é o ponto culminante do protesto contra tal
política), mas o sector primário, nomeadamente a agricultura e as pescas, não
só se manteve como foi enomemente desenvolvido.
E, assim, a economia criada com base nesta profunda reestruturação
alicerçou-se nos serviços, com um sector financeiro repetidamente
considerado como um dos mais modernos e competitivos da Europa; na exportação de
produtos de umas quantas marcas de referência conhecidas em todo o mundo; e numa
procura interna crescente que fazia a inveja não só dos vizinhos portugueses,
mas também dos ricos tradicionais da Europa – França, Alemanha, Inglaterra e
a própria Itália, que os espanhóis já consideravam um país há muito por eles
ultrapassado!
De 1996 a 2008 a Espanha cresceu a um ritmo vertiginoso –
enquanto na Europa dos quinze se crescia, em média, a 2,5% ao ano, na Espanha a
média era de 3,8%! Em 10 anos a Espanha criou oito milhões de empregos, quase
30% de todo o emprego criado em toda a Europa e o sucesso da economia e
dos empresários espanhóis era uma imagem de marca da União Europeia.
Inundada por uma verdadeira torrente de dinheiro barato, a
prosperidade espanhola parecia não ter fim. As empresas endividaram-se
excessivamente, depois da fixação dos câmbios e da adesão à moeda única a economia
espanhola perdeu competitividade relativamente às economias do centro da
Europa, nomeadamente a alemã e a produtividade, em média, cresceu bastante
menos (0,5%) do que a média europeia (1,3%). Tal como aconteceu nos demais
países periféricos, também a economia espanhola, para fugir à concorrência das
economias mais competitivas, se refugiou na construção civil, verdadeiro motor
do desenvolvimento económico durante mais de uma década.
Depois a história é conhecida: sobreveio a crise financeira
de 2007/08 originada pelo subprime americano,
os capitais deixaram de afluir, o crédito estancou, a bolha imobiliária rebentou
e os bancos espanhóis, endividadíssimos, precisam urgentemente de ser
recapitalizados sob pena de falência. Simultaneamente, por causa da crise e
como consequência dela, a dívida pública não tem cessado de crescer, bem como o
défice orçamental.
O plano de ajustamento acordado pelo governo Zapatero com a
União Europeia, de redução do défice para 3%, até 2013, não vai poder ser
cumprido, não obstante todas as promessas do novo governo, não apenas por
o défice de 2011 como o de 2012 serem bem superiores ao contabilizado ou esperado, em consequência
da batota nas contas públicas de várias comunidades autónomas – Madrid, o dobro
do anunciado; Valência; Leon e Castela, e ainda a Catalunha e Múrcia) -, mas
também por o cumprimento das metas estabelecidas exigir cortes brutais,
além dos que já tiveram lugar, em áreas socialmente muito sensíveis.
Depois de tudo o que já foi feito no domínio das contas
públicas com vista à consolidação orçamental, a Espanha com a economia em recessão e com
uma taxa de desemprego a rondar os 25% não tem qualquer hipótese de refinanciar
os bancos. Basta dizer que a recente nacionalização da Bankia (banco resultante
da fusão de várias Caixas “governadas” pelo PP) representa cerca de 30% do PIB
espanhol! É óbvio que, perante números desta grandeza, a Espanha não está em
condições de responder às exigências do seu sistema financeiro. Mas também não
quer – e muito justamente – recorrer ao fundo de resgate para o recapitalizar porque
se seguisse a sugestão de Hollande perderia toda a autonomia sobre os seus
bancos e seria ela própria intervencionada logo a seguir.
Tanto uma medida como outra representariam a entrada numa
espiral recessiva infernal, à grega e à portuguesa, que os governantes
espanhóis querem manifestamente evitar. O que a Espanha reclama pura e
simplesmente é uma a actuação urgente do BCE quer comprando dívida pública,
quer refinanciando directamente os bancos.
E foi isso que Rajoy disse sem rodeios: “ De momento o mais urgente é garantir a
estabilidade financeira. Assegurar que quando um país tenha um vencimento de
dívida possa refinanciá-lo. O mais urgente é que quando uma entidade financeira
tenha um vencimento de dívida também possa acorrer aos mercados e
refinanciá-lo. Isto pode fazer-se rapidissimamente, em 24 horas, não necessita
de grandes debates nem de leis que levam dois anos a aprovar”.
Descodificando, Rajoy, ciente do que representa o colapso do
sistema financeiro espanhol, falou grosso e exigiu a intervenção urgente do BCE.
Os bancos espanhóis são os que mais tem acudido aos leilões
de crédito do BCE, que mais dinheiro têm recebido, e mesmo assim o sistema financeiro
continua nas franjas do colapso, o que demostra bem a gravidade da situação. Nem
sequer se sabe ao certo de quanto eles precisam, mas todos os cálculos apontam,
no mínimo, para uma entrada imediata de 100 mil milhões de euros!
Os nossos comentadores e políticos com a sua habitual
covardia, sempre dispostos a atacar os fracos e a defender os fortes, mesmo contra os
próprios interesses nacionais, não se cansaram de censurar o Syriza e o seu leader Tsipras
por terem recorrido aos meios de que dispunham para tentar pôr termo a uma
situação catastrófica na Grécia. Veremos agora o que vão dizer de Rajoy.
Aliás, Rajoy está tão seguro do seu papel que nem sequer responde
aos reiterados apelos do PSOE para concertação de uma posição comum sobre esta
matéria. A tradicional propensão dos socialistas para a transigência, bem como
a sugestão que lhe chegou de Hollande, não augurariam certamente nada de positivo
para o desenvolvimento de uma estratégia que assenta no peso negativo de uma situação
com vista a extrair dela todas as vantagens negociais.
Veremos nos próximos dias como as coisas vão evoluir.