terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A ENTREVISTA DE MANUEL ALEGRE


UM TEXTO RARO NA POLÍTICA PORTUGUESA

Ainda não tinha tido possibilidade de ler a entrevista de Manuel Alegre ao Expresso. É um documento extraordinário, notável, raro na política portuguesa. Surpreendeu-me e superou tudo o que dele poderia esperar.
Conheço Manuel Alegre desde 1963, de Coimbra, das lutas académicas contra a ditadura, bem como toda a sua obra, que na generalidade admiro, com grande proximidade afectiva da Praça da Canção e do Canto e as Armas.
Nem sempre estive de acordo com Alegre e a discordância chegou mesmo a raiar o conflito durante a fase final do PREC e dos meses que se seguiram ao 25 de Novembro. Nesse período Alegre cavou um fosso muito doloroso com muitos daqueles que sempre o admiraram, independentemente de estar ou não no PCP. Joaquim Pessoa num poema memorável (o Canto e as Lágrimas), cantado por Carlos Mendes, exprimiu como só um poeta sabe fazer a desilusão que Alegre nos causara.
O tempo foi passando, as feridas cicatrizando, algumas deixaram marcas. Marcas que já não doem, mas que avivam a memória.
Na última eleição presidencial, uma eleição que eu considerava à partida perdida para a esquerda, não votei Alegre.
Depois dela, Alegre fez o que pôde no difícil contexto da governação de maioria absoluta de Sócrates. Talvez nem sempre tenha feito tudo o que podia, talvez não tenha sido inteiramente coerente com as suas proclamações. Mas fez o que ninguém fez dentro do PS. Quem estuda e aprofunda os mecanismos do totalitarismo sabe que os mecanismos do poder lhe estão próximos, embora num grau de gravidade que para muitos inviabiliza a comparação. Mas ela deve existir não tanto no plano das consequências da dissidência, mas nos mecanismos psicológicos que gera e dos quais os seus actores se sentem prisioneiros.
Alegre foi a única voz dissonante dentro do PS contra a prepotência de Sócrates, sem nunca perder ou postergar a suas referências partidárias. O tempo foi fazendo o seu caminho…
Frequentemente me questionei sobre o perfil do candidato presidencial, mal me apercebi dos perigos objectivos que rondam a democracia com um segundo mandato Cavaco. Esses perigos estão hoje à vista, mais do que nunca, embora o Governo os não veja.
Admitia a possibilidade de um candidato jovem, da área do Partido Socialista, que nunca tivesse estado na órbita de Sócrates, e tivesse capacidade para congregar a esquerda, sem perder o apoio do eleitorado PS. Mas onde estava esse candidato? E, se porventura existia, onde estava a autónoma vontade de se candidatar com um programa convincente?
Lendo a entrevista que Alegre concedeu ao Expresso, percebo que ele é o único candidato possível. E também o melhor. Portugal precisa de um Presidente como Alegre. E no presente momento somente Alegre pode desempenhar esse papel. Ninguém como ele tem uma ideia política e cultural do país. Ninguém como ele pode congregar as forças necessárias para reverter a situação que o país atravessa. Ninguém como ele saberá reduzir à sua insignificância as vozes que querem fazer da política uma tecnocracia. Por isso Alegre terá de ser o nosso candidato. O candidato de quem se não resigna à mediocridade!

5 comentários:

João Manuel Vicente disse...

O único problema é o raso apedeutismo do Sr. Alegre (ele aceita ser tratado de Dr., quando não é licenciado).

Ignorância crassa e de quando em vez até surpreendente que ele tenta fazer passar despercebida por detrás da pose.

Uma pose ufana, soberba, oca, oca, oca, e tão tão vaidosa.

Não terei candidato em JAN 2011.

António Abreu disse...

Nesta data, e até mais vêr, não será este o meu candidato.
As nossas angústias decorrem da política que, mesmo quando tem largo apoio do PR, cabe no fundamental ao Governo.
Li a entrevista mas ficou tanta (tanta...) coisa por esclarecer, que puz de lado o equívoco.

JMCPinto disse...

Aos meus estimados comentadores tenho que dizer o seguinte: não me deixo impressionar facilmente, mas isso não significa que não continue a considerar a entrevista de Alegre ao Expresso um dos mais lúcidos textos políticos da actualidade portuguesa. O que está em jogo na vida política portuguesa é muito mais sério do que se supõe. Ter por assente que a democracia não corre qualquer perigo é uma previsão que não me atrevo a fazer. Ela pode ser descaracterizada pelas afirmações que diariamente vão sendo feitas por quem está interessado em a limitar e pode até numa situação de emergência pura e simplesmente soçobrar se houver um clima de aceitação razoavelmente generalizado de soluções autocráticas.
Embora a primeira consequência seja muito mais provável do que a segunda, esta não pode, sem mais, ser posta de parte. E é preciso não esquecer uma verdade que todos esquecem: perder o que se alcançou é muito fácil; recuperar o que se perdeu é muito difícil.
A análise que Alegre faz do papel do Presidente da República é a melhor que conheço nestes 34 anos de Constituição. Nenhum constitucionalista, nenhum politólogo, nenhum sociólogo ou filósofo o definiu até hoje melhor do que ele. E nunca esta definição teve tanta actualidade. A caracterização da presidência de Cavaco Silva, tema à volta do qual tenho andado, é excelente.
Por outro lado, a desvalorização da tecnocracia como elemento decisivo de intervenção e condução política é também muito bem conseguida.
Fazer em política um juízo de personalidade para justificar uma opção parece-me inapropriado, para dizer o mínimo.
Mas vamos a factos: quem pode ser, então? E é possível ganhar as presidenciais sem o apoio do eleitorado PS? Ou vamos manter-nos puros e dar por assente a vitória de Cavaco?

Jorge Almeida disse...

Caro Correia Pinto,

em 1º lugar, é Cavaco quem tem a faca e o queijo na mão. Será sempre ele a perder a eleição, e nunca o adversário a ganhar a eleição.

Em 2º lugar, não se consegue ser presidente da república sem ter votos de eleitorado que, hoje em dia, vota PS.

Em 3º (e último) lugar, na área da esquerda, o único que podia tirar Cavaco da presidência é, na minha opinião, Jorge Sampaio, mesmo com a intervenção canhestra que teve na altura do governo Santana Lopes e no afastamento de Ferro Rodrigues da liderança do PS. Inegavelmente, fez uma melhor presidência do que Cavaco tem feito, e é uma pessoa bem mais consequente no que diz e no que faz que Manuel Alegre.

Manuel Alegre (para além de nunca ter demonstrado os dotes de diplomata que a presidência tem, sempre, que ter) sempre teve imensa "garganta". Se ele fosse consequente, já há muito que teria saído do PS. Sempre foi a voz que o PS usou quando queria armar-se em partido de esquerda. No entanto, nunca o colocaram a negociar ou a falar com a direita. Porque será?
Para além disso, porque é que só agora é que deixou de concorrer para deputado? Não seria por causa da reforma de deputado por inteiro? O cargo de deputado não o impediu de candidatar-se à presidência da república na anterior eleição.

Outra coisa: O que é feito do movimento de cidadãos que apoiou Alegre nas últimas eleições presidenciais, e que ele prometeu que iria transformar-se em alguma coisa de útil depois das eleições? Que é que esse movimento tem feito de lá para cá?

Quanto aos mais jovens da área socialista, penso que a única pessoa que se vê que pode trilhar caminhos de mínima independência dentro do Largo do Rato é António José Seguro. Mas também não estou muito certo disso mesmo, pois não sei se não está a ser encaminhado para ser "posto de molho", de modo a aparecer num futuro, no PS, como está a aparecer Pedro Passos Coelho no PSD (antigo líder da Jota, não se sabe o que consegue fazer fora da política, etc ...). Sérgio Sousa Pinto poderia ter sido alguma coisa, mas desde que se encostou a Assis e, consequentemente, a Sócrates (de modo a poder levar a vidinha dele de maneira mais fácil), deixou de representar alguma coisa, tornou-se mais um.

João Manuel Vicente disse...

De facto, da minha parte fiz um juízo de oportunidade quanto à persona pública do Sr. Manuel Alegre.

E julgo que um tal enfoque é particularmente legítimo quando está em causa a única eleição directa para um órgão unipessoal, in casu a cúpula da nossa forma de governo.

Donde decorre o carácter crucial e decisivo que assume o "juízo de personalidade" que cada um possa fazer quanto a tal infungível cidadão que se propõe chefiar o Estado.

(Veja-se como o "juízo de personalidade" quanto ao Doutor Cavaco Silva se veio a revelar, infelizmente, certo...)

Aqui chegado, tenho de dizer que o meu anterior comentário versava sobre a chocante impreparação do Sr. Alegre para algo mais que debitar com a sua voz de trovão grandiosas MAS NUNCA POR SI EXECUTADAS idéias nos seus já cerca de 70 ANOS de vida.

É que tenho a dizer que me parece a maior das falácias alguém com a idade do Sr. Alegre que nunca de facto saiu da sua zona de conforto no pós 25 de Abril vir agora uma vez mais, em mais um exercício de insuportável e irrespirável vaidade, aliás nada republicana, receber o afago louvaminheiro de uns tantos de boa-fé que de facto mereceriam melhor intérprete para o ideário que gostariam vingasse.

Julgo, assim, que o Sr. Alegre é o pior dos intérpretes, por impreparação e inconsistência, para portar tal ideário, ideário esse que assim se vai "desperdiçando" e "descredibilizando" ingloriamente às mãos de alguém cuja vida e exemplo negam as suas tão tonitruantes como vãs palavras.

Da impreparação, dou um só exemplo: lembro-me de em 2005, perguntado mais de uma vez em diferentes momentos sobre quais seriam os principais problemas da Justiça, apenas logrou indicar algo como a existência de leis "sobrepostas" que geravam nos tribunais conflitos de competência...