A "GUERRA" DO GÁS
Ainda o homem não “morreu” e já as suas viúvas fazem um enorme pranto pela falta que ele lhes vai fazer. Coitadas, não conseguem superar aquela terrível sensação de privação que a sua ausência lhes causará.
Esta angústia das viúvas de Bush vai-se sentir nos mais diversos domínios: na política “ocidental”relativamente ao Irão; na regulação dos mercados; na hostilização da Rússia e por ai fora.
Vem tudo isto a propósito de um artigo de uma conhecida viúva de Bush, hoje publicado no jornal “Público”, no qual veementemente se insurge contra a política russa da União Europeia, nomeadamente contra o modo como Bruxelas lidou com o diferendo do gás entre a Ucrânia e a Rússia.
Qualquer tentativa de resolver um conflito de forma civilizada é para essa viúva de Bush uma prova de evidente fraqueza. E atender às razões do conflito ainda é prova de maior fraqueza. Depois, na política de desinformação é um verdadeiro vale-tudo, na qual muita gente acaba por acreditar. Dantes era o perigo vermelho, agora é perigo energético liderado por esse verdadeiro agente do mal que é a Gazprom.
Os factos são muito simples e como sempre falam por si. A Ucrânia, embora produza gás, não é auto-suficiente. Desde os tempos da ex-URSS que esse gás, de que a Ucrânia precisava, vinha da Rússia, então a preços de “solidariedade proletária”. A União Soviética extinguiu-se e a Ucrânia continuou a importar gás da Rússia. Com a chegada ao poder de Victor Yushenko, um político claramente alinhado com os americanos, já numa altura em que a Rússia ensaiava os primeiros passos com vista a deixar de ser uma marionete dos americanos e das organizações financeiras internacionais, as relações entre os dois países eslavos foram-se agravando gradualmente. O Presidente ucraniano passou a colaborar ostensivamente com os americanos na política de “cerco à Rússia”pela NATO, pedindo ele também a adesão da Ucrânia àquela organização militar.
Esta atitude vinda de um país cuja história se confunde com a da própria Rússia não podia deixar de ter repercussões nos vários domínios das relações entre os dois países. Face à hostilidade do Presidente ucraniano, mais do que do próprio governo, a Rússia, não obstante a proximidade cultural, étnica e até familiar, com grande parte do povo ucraniano, passou a exigir preços de mercado para o gás vendido à Ucrânia. Há três anos a Ucrânia não pagou o que comprou, deixou acumular uma grande dívida e a Rússia cortou-lhe o gás. Esse corte acabou por afectar o mercado europeu, do qual obviamente a Rússia necessita tanto quanto a Europa necessita do gás russo.
A situação regularizou-se, mas três anos volvidos, a Ucrânia deixou acumular uma nova dívida. Mais uma vez a Rússia cortou o gás, embora tenha no início mantido o fornecimento, pelos gasodutos ucranianos, aos países da UE que deles dependem. Só que a Ucrânia, alegando razões de ordem técnica, passou a roubar o gás destinado à Europa e a Rússia mais uma vez cortou o gás.
O conflito foi mediado pela União Europeia, tendo a Rússia, numa prova de abertura sem precedentes, autorizado a presença de observadores europeus para confirmarem o bombeamento do gás para o ocidente. Quando o acordo já estava concluído entre os dois países, a Ucrânia, depois de a Rússia ter assinado o texto que o consubstanciava, introduziu nele uma nota manuscrita que alterava o sentido do entendimento a que se tinha chegado. Face a este comportamento, a Rússia declarou o acordo sem efeito. De novo a UE interveio, e “impôs” à Ucrânia a assinatura do acordo nos termos combinados.
O gás passou novamente a ser bombeado desde as 7 da manhã de ontem, hora de Lisboa. Só que continua a não chegar à Europa. Porquê? Porque a Ucrânia, mais uma vez, alegando razões técnicas, não permite que o gás proveniente de Sudzha chegue à Europa.
A Ucrânia não quer pagar o chamado “gás tecnológico”, que impulsiona o combustível em trânsito, assim como também não quer pagar os preços acordados com a Gazprom para o fornecimento do gás. E quer mais: quer desvincular-se dos contratos com a Gazprom e quer que a União Europeia passe a comprar o gás na fronteira russo-ucraniana, para negociar com esta e não com a Gazprom, os direitos de trânsito sobre o seu território. Ou seja, aquilo que outrora foi considerada uma grande vitória da Ucrânia - desligar o comércio bilateral do comércio do trânsito do gás - é agora parte do motivo desta “guerra”. “Guerra” onde a Ucrânia está a jogar forte, contando com a desinformação ocidental e com a sensibilidade social e política dos produtos energéticos, para nela envolver a União Europeia e obter o seu apoio contra a Rússia.
A União Europeia não pode, porém, contrariamente ao que pretendem as viúvas de Bush, envolver-se, tomando partido, num conflito cujas consequências podem ser da maior gravidade.
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