domingo, 25 de janeiro de 2009

O CASO FREEPORT




AS DÚVIDAS E AS CERTEZAS


Há muita especulação no caso Freeport e poucas certezas. Como é hábito nestas nossas investigações jornalísticas há muitas incorrecções, muitas imperfeições e lacunas que poderiam ter sido supridas ou colmatadas se os jornalistas tivessem outra preparação profissional. Infelizmente não têm, por muitas razões, que não adianta aqui desenvolver.
Do que já foi publicado, parece evidente que, um processo que já havia sido reprovado por duas vezes, foi aprovado, supõe-se que após apresentação de uma nova versão, em pouco tempo, por um governo em gestão.
Como o conceito de actos de gestão está muito pouco desenvolvido, tanto na lei como na doutrina, não tenho conhecimentos suficientes para assegurar que o acto em causa seja ilícito. Pode dizer-se, como dizem alguns, que, embora não seja ilícito, é eticamente reprovável. Aí já não tenho tantas dúvidas: pois se nós vemos a cada passo o Governo a conceder benefícios de toda a ordem ao capital estrangeiro que quer investir em Portugal, sem sequer acautelar minimamente as vantagens concedidas, como se pode reprovar eticamente um acto que permitiu a concretização de um investimento estrangeiro?
Diz-se também que o Conselho de Ministros que viabilizou o empreendimento foi o mesmo que alterou uma lei que permitia essa viabilização. Acho que uma investigação jornalística a sério deveria começar por identificar sem equívocos o diploma legal que alterou a lei que permitiu a viabilização do empreendimento e explicar subsequentemente como pode estar correctamente instruído um processo que, na altura em que tramitou, ainda se regulava por outra lei.
Diz-se também que a consultora que tinha a seu cargo, por incumbência dos promotores ingleses, os contactos com a administração portuguesa e com um escritório de advogados encarregado de conduzir administrativamente o processo, ficou alarmada por este escritório lhe ter pedido uma verba de “4 milhões de contos!!!” para viabilizar o empreendimento e que, por essa razão, um dos sócios dessa consultora foi ter com um tio de José Sócrates para lhe pedir que fizesse o que estava ao seu alcance para lhe conseguir uma reunião com o sobrinho, então Ministro do Ambiente.
Até aqui, tudo normal. Se os factos são verdadeiros é perfeitamente normal que a entidade a quem estão a pedir uma verba exorbitante para a viabilização de um projecto, queira saber, junto de quem manda, que fundamento e razoabilidade tem aquele pedido.
A primeira questão que aqui se coloca é esta: faz algum sentido a verba indicada? Foi mesmo uma verba dessa grandeza que o Sr. Smith comunicou ao tio de Sócrates?
Ao que parece, a reunião realizou-se no Ministério do Ambiente e nela estiveram presentes várias pessoas, quer pelo lado da administração central e local, quer pelo lado dos promotores, mas não, segundo o Primeiro-ministro, o Sr. Smith.
É estranho que Smith, pelos vistos o mais interessado na reunião, não tenha estado presente. Terá havido outra reunião entre o Ministro e o Sr. Smith? Já foram ouvidos pelos jornalistas outras pessoas que, além do PM, tenham estado naquela reunião para se ficar, pelo menos, com duas versões do mesmo facto?
Sabe-se também que um primo de Sócrates, filho do tal tio junto de quem Smith intercedeu, depois de viabilizado o projecto, se dirigiu por e-mail à sociedade promotora do investimento, pedindo-lhe que não se esquecesse da sua empresa de publicidade nas campanhas que a seguir iriam ter lugar. Este facto, por si só, não insinua que algum favor ilícito tenha tido lugar; pode tratar-se de um mero aproveitamento de quem se julgava bem posicionado para obter um contrato. Aliás, segundo parece, nem sequer teve resposta.
Mais tarde a empresa promotora foi vendida na Inglaterra e, ao que se diz, o comprador ao analisar a contabilidade da empresa terá concluído que havia um fluxo de verbas relacionadas com o empreendimento que não teriam exactamente por finalidade pagar o investimento ou outras despesas lícitas com ele relacionadas. E diz-se também que essas mesmas verbas, cujo montante desconhecemos, foram depositadas em contas offshore. É aí que intervém novamente o Sr. Smith. Segundo a imprensa portuguesa, interrogado por alguém da empresa proprietária do Freeport sobre o destino daquelas verbas, o Sr. Smith teria respondido que se tratou de dinheiro, repartido por muita gente, destinado a “comprar” a aprovação do projecto. E mais terá dito que tudo isso foi combinado numa reunião com José Sócrates.
Aqui está o cerne da questão. E o mínimo que se pode dizer é que as declarações de Smith, a terem por ele sido proferidas, levantam as maiores dúvidas. Embora eu não perceba nada de “negócios” corruptos, parece-me muito pouco verosímil que uma verba destinada a comprar favores seja directamente “negociada” pelo ministro na presença do seu staff. Não seria mais normal que o assunto, a ser verdadeiro, fosse tratado pelos “especialistas” partidários nesse género de transacções? Independentemente destas suposições, há outros aspectos por esclarecer.
Em primeiro lugar, alguém já tentou esclarecer se Smith teve alguma reunião com Sócrates? Tentado, por exemplo, junto de Smith.
Em segundo lugar, não se sabe a quanto montam essas transferências. Em alguma imprensa já se leu o montante de um milhão de euros. Somente os ingleses saberão e, provavelmente, o MP português, se os ingleses lhe comunicaram o facto.
Em terceiro lugar, quando é que essas verbas foram transferidas: antes ou depois da viabilização do projecto?
Em quarto lugar, o destino final dessas verbas; para que contas foi esse dinheiro? Se este último facto puder ser demonstrado, quer por Londres, quer por Lisboa, tudo ficará esclarecido. A minha ignorância em matéria de offshores não me permite ter uma resposta, mas já li e ouvi dizer a entendidos que há contas offshore cujos titulares nunca poderão ser descobertos. Se assim for, este será mais um processo que ficará pelo caminho, não sem que entretanto tenha causado grandes estragos.
Teoricamente, aquele dinheiro a ter sido transferido de Inglaterra poderia ter vários destinatários. Desde logo, como todos insinuam, os portugueses, representantes das entidades, públicas e privada, que contribuíram para a viabilização do projecto. Mas também pode ter por destinatários os sócios ou algum dos sócios da empresa consultora inglesa ou até algum sócio do Freeport, com a cumplicidade da empresa consultora inglesa situada em Portugal.
Teoricamente tudo é possível. A mim, o que mais me custa a aceitar é que os ingleses, os maiores colonialistas da história da humanidade e os que mais espoliaram por esse mundo fora, sem escrúpulos nem contemplações, tenham dado tanto dinheiro para a concretização de um negócio que estava muito longe ser altamente lucrativo. Conhece-se historicamente a capacidade corruptora dos ingleses. E duas regras sempre pautaram a sua conduta nessa actividade: parcos nos meios empregues e altíssima rentabilidade do “investimento”.
Para esclarecer o que ainda não se sabe, e que é o mais importante, espera-se que os jornalistas façam um trabalho competente.

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