DUAS OBSERVAÇÕES
Circunstâncias diversas não me permitiram comentar na hora própria a mensagem de Ano Novo do Presidente da República. Há, todavia, duas passagens que desde logo chamaram a minha atenção e sobre as quais gostaria de dizer duas palavras. Desconheço se já foram comentadas nos blogues ou nos jornais. Caso já tenham sido, peço desculpa pela repetição.
A primeira respeita à solidariedade manifestada pelo Presidente da República a todos os que “sofreram uma redução inesperada dos seus rendimentos” e que por isso se encontram numa situação particularmente difícil.
Quem são os que sofreram uma redução inesperada dos seus rendimentos? Como o Presidente não se refere em mais nenhuma parte da mensagem aos desempregados, salvo quando diz recear que em 2009 o desemprego se agrave, parece que é a estes que o Presidente se quer referir. A dúvida é legítima por duas razões: em primeiro lugar, os desempregados costumam ser referidos como tal e não por via de uma alusão à situação em que ficaram em consequência da perda do emprego; em segundo lugar, há, em consequência da crise financeira um conjunto díspar de pessoas que sofreu uma redução inesperada dos seus rendimentos: os accionistas de empresas cujos títulos caíram a pique; os que investiram em títulos de risco e perderam tudo ou quase tudo; os que entregaram a gestão das suas fortunas a entidades financeiras que se encontram em grande dificuldade ou mesmo no limiar da falência e ainda, entre outros, todas aqueles que se dedicavam por conta própria a actividades económicas diversas e que foram arrastados para a falência em consequência da crise.
A questão que politicamente se põe é a seguinte: tendo uns e outros sofrido uma inesperada redução de rendimentos, será legítimo colocar no mesmo plano os trabalhadores que caíram no desemprego ou os pequenos comerciantes que abriram falência ou pura e simplesmente tiveram que fechar as portas em consequência da crise e os que viviam de rendimentos especulativos? Mais: mesmo que o Presidente da República entenda manifestar a todos, idêntica solidariedade não deveria ter feito uma referência autónoma aos desempregados?
A segunda observação diz respeito ao tal “caminho estreito” para sair da estagnação económica: reforço da capacidade competitiva das empresas e investimento nos sectores vocacionados para a exportação. As duas vias estão intimamente ligadas. A exportação depende da situação económica de quem compra e da capacidade competitiva das empresas. E esta, como se alcança? Falar no reforço da capacidade competitiva das empresas sem mais, ou é um simples voto pio igual a tantos outros que nesta quadra do ano poderiam ser feitos, ou acaba por ser entendido, como sempre tem sido entre nós, à custa dos direitos de quem trabalha.
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