quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A FACE OCULTA E A CRISE DA JUSTIÇA



CAUSAS QUE ESTÃO À VISTA

O modo como o Procurador Geral da República está a gerir algumas das facetas mais conhecidas do caso “Face Oculta” é bem elucidativo não apenas do estado da Justiça em Portugal, mas também das causas que estão na origem do estado a que se chegou. Nenhum jurista minimamente informado até hoje percebeu o que passou pela cabeça do Procurador Geral da República quando resolveu enviar ao Presidente do STJ as certidões extraídas do processo “Face Oculta”, resultantes da intercepção das conversas telefónicas entre Vara e Sócrates, bem como as gravações, ou as transcrições das gravações, que as fundamentam.
O que é que o PGR pretendeu? Propor fundamentadamente ao Presidente do STJ, com base nessas certidões e gravações, ou suas transcrições, que o PM passasse doravante a ser escutado por se ter tornado suspeito da prática de um crime passível daquele procedimento? Mas se assim tivesse sido, torna-se absolutamente incompreensível o despacho do Presidente do STJ que ordenou a nulidade (!) e a destruição das escutas, bem como a passividade do PGR relativamente a este despacho.
Terá, então, o PGR suposto que tais escutas eram ineficazes enquanto não fossem retrospectivamente autorizadas pelo Presidente do STJ? Mas se assim tivesse acontecido mais absurdo seria ainda o despacho deste, já que não se pode declarar a nulidade de um acto válido, embora ineficaz. Como igualmente se torna incompreensível a atitude do PGR face àquele despacho.
Tudo isto é ainda muito mais incompreensível se tivermos presente que o PGR é de opinião que as gravações em questão não contêm indícios que tipifiquem o crime de que alegadamente o Primeiro Ministro se tornou suspeito de ter praticado. Então, se em seu entender não existem tais indícios, por que foram as certidões e a gravação das escutas, ou a sua transcrição, remetidas ao Presidente do STJ?
É claro que a decisão do Presidente do STJ também é, a nosso ver, claramente ilegal, como noutro local já demonstramos, mas ainda é no meio de toda esta baralhada a mais defensável, por se estribar numa interpretação puramente literal da lei.
E daqui surge uma nova dúvida: se o Presidente do STJ considerou tais escutas nulas e ordenou a sua substituição por terem sido interceptadas sem a sua prévia autorização, e se o PGR não recorreu desta decisão, por que anda o PRG a dizer que está à espera de novos elementos para enviar mais umas tantas certidões ao Presidente do STJ? Então, não é óbvio, segundo o entendimento já consolidado, tanto para o Presidente do STJ e como para o PGR, que as escutas interceptadas naquelas condições são nulas e não produzem qualquer efeito, operando tal nulidade ipso jure?
Depois deste simples enunciado do que se passa ao mais alto nível das autoridades judiciárias fica-se certamente com uma ideia mais precisa das causas da crise da justiça em Portugal.

Sem comentários: