quarta-feira, 4 de novembro de 2009

PRIMEIRO ANIVERSÁRIO DA ELEIÇÃO DE OBAMA



VAMOS LÁ VER SE NOS ENTENDEMOS

Estavam longe de ser homogéneas as expectativas dos que dentro e fora dos EUA apoiaram Obama. O ponto comum de convergência exprimia-se através de uma simples frase que apelava para um trabalho conjunto na concretização das muitas esperanças que se queriam ver realizadas – yes, we can! E que simultaneamente deixava uma larga margem à imaginação e aos desejos de cada um.
No entanto, para largos sectores da esquerda, o grande desafio que se colocava a Barack Obama consistia em colocar fora da agenda política americana, interna e externamente, o pensamento neoconservador, o grande impulsionador da política americana nos últimos trinta anos. Em todos os domínios, tanto na política interna, como na política internacional.
Este combate tinha e tem que ser travado na América, apesar de interessar a toda a comunidade internacional, já que a sua irradicação nos muitos países onde continua a constituir um guia da acção política, embora sem o rigor da ortodoxia americana, só pode ser alcançada depois de assegurada a sua derrota no país onde nasceu – os Estados Unidos da América.
Esperar mais do que isto da Administração Obama seria totalmente irrealista, para não dizer completamente tonto. Conseguir isto seria um feito notável, apenas comparável ao New Deal de Roosevelt.
Ainda é cedo para fazer uma avaliação. O pensamento neoconservador tem muita força na América e, por influência americana, no resto do mundo, principalmente nos países ricos, de que a Europa é o principal exemplo, Portugal incluído. Mercê de uma política brilhantemente conduzida, principalmente a partir da eliminação da discriminação racial na Administração Johnson, em meados da década de 60 do século passado, o movimento neoconservador colocou como objectivo prioritário da sua acção política a tomada do Partido Republicano – GOP, grand old party – eleitoralmente fortalecido com a grande viragem operada nos estados americanos do Sul (antigos Confederados) em consequência do fim legal da discriminação racial, acima referido.
Primeiro, foi a nomeação de Barry Goldwater como candidato do Partido Republicano contra Johnson. Apesar de copiosamente derrotado, estava feita a demonstração de que era possível apresentar um candidato presidencial absolutamente fiel ao novo pensamento político que começava gradualmente a impor-se na América. A eleição de Nixon, ainda um homem da velha guarda do Partido Republicano, constituiu um prolongado compasso de espera na afirmação de um movimento que somente aguardava uma nova oportunidade para se impor ao mais alto nível. Simultaneamente, o movimento ia fazendo o seu caminho, no Congresso, em ambas as câmaras, e na chefia dos estados, nos quais a eleição de Reagan para Governador da Califórnia constituiu, então, o ponto mais alto da sua afirmação política.
Expiada a guerra do Vietname com Carter e ofendida a honra americana no Irão, estavam criadas as condições para a primeira grande vitória do movimento a nível nacional. Ela surge com a eleição de Ronald Reagan, em 1980, para Presidente da República.
A partir daqui nunca mais nada foi como dantes nos Estados Unidos da América. Fazendo jus às promessas enunciadas durante a campanha eleitoral, a Administração Reagan iniciou uma guerra sem quartel contra todas as conquistas do New Deal, tanto as alcançadas durante o New Deal rooseveltiano propriamente dito, como as que se seguiram com Truman, Kennedy, Johnson e até as alcançadas durante os mandatos republicanos de Eisenhower e Nixon.
No plano interno, fui o desmantelamento impiedoso do Estado providência, muito mais extenso à época do que normalmente se julga. Reagan, usando o seu poder de comunicação, caricaturou e inventou situações que tinham por alvo desacreditar junto do eleitorado branco os diversos auxílios prestados, pelo Estado, às famílias pobres. Muito cáustico, ridicularizava situações realmente inexistentes para criar na opinião pública um sentimento contrário às ajudas “a quem não quer trabalhar”. Tal como entre nós, com menos arte, pretende fazer Portas com o rendimento social de inserção, numa clara imitação de Reagan, cuja cartilha segue. Depois foi a tentativa, falhada, de privatização da segurança social, o ataque aos sindicatos e aos sindicalistas, como inimigos declarados da iniciativa individual e agentes do comunismo internacional, a baixa generalizada de impostos com forte incidência nas grandes fortunas de modo a diminuir as receitas do Estado para os programas sociais, a desregulamentação generalizada da actividade económica, com especial relevo para as grandes empresas financeiras, enfim, um ataque generalizado a tudo o que pejorativamente chamavam medidas de “engenharia social”.
No plano internacional, a defesa intransigente do direito de alterar o regime político dos Estados com cuja doutrina e acção política não concordavam, em claro desrespeito das regras internacionalmente estabelecidas. O ataque às Nações Unidas e a todas as formas de multilateralismo, com a defesa do unilateralismo como forma normal de actuação política, eventualmente apoiado em alianças variáveis construídas segundo o interesse e para defesa dos interesses americanos. A defesa, enfim, das famosas doutrinas de base ética, segundo as quais os americanos tinham o “direito e até o dever” de fazer chegar o Bem aos povos do mundo que dele estavam arredados por força da “acção maléfica” dos seus governantes!
Esta doutrina que, no essencial, não se alterou quase nada com Clinton, pese embora as “ferocíssimas guerras” travadas pela sua Administração com o Congresso, já dominado pela extrema-direita republicana, atingiu o seu esplendor com Bush, deixando o mundo e os Estados Unidos na trágica situação em que se encontravam no dia da eleição de Obama. De facto, nunca os Estados Unidos foram tão odiados internacionalmente como com Bush, nunca os Estados Unidos cometeram tantos crimes e guerras de agressão, nunca os Estados Unidos desrespeitaram tão flagrantemente as normas de direito internacional, quer as que regem as relações entre os Estados, como as que defendem os direitos do homem, como no tempo de Bush/Dick Cheney. Nunca, como com Bush, houve tão grande desigualdade na América, nunca houve uma tão descarada protecção aos ricos, nunca, como com Bush, o mundo foi mergulhado numa crise de proporções planetárias como a que se desencadeou a partir da segunda metade do ano passado, nunca os maus exemplos da América foram tão seguidos no resto do mundo, principalmente no mundo rico, como no tempo de Bush.
É contra este extraordinário “edifício ideológico” que, em pouco mais de 20 anos, mudou radicalmente a face do mundo que se congrega o essencial da “expectativa Obama”. Pedir mais, ou pedir que a América deixe de ser quem é – uma grande potência económica, embora em crise, política e militar – seria, como disse, perfeitamente irrealista. Mas esperar, sem anacronismos, que, por força da governação Obama e das importantes forças que interna e internacionalmente o apoiam, a América regresse às suas tradições democráticas, bem expressas naquilo que foi a sua governação entre Roosevelt e Johnson, é o que o mundo - que não acredita em fantasias - espera que Obama comece a fazer!

1 comentário:

FJCoutinhoAlmeida disse...

Não invejo, alegro-me, com a tua límpida lucidez, porque tenho o privilégio de te ter como Amigo ...