CAVACO SEGUIU O CAMINHO ERRADO
No Público de hoje, em entrevista a JMF, Cavaco explica por que se dirigiu ao país em 31 de Julho passado, para manifestar a sua discordância sobre algumas normas do Estatuto dos Açores.
Vamos por partes. Cavaco tem razão quando discorda da exigência estatutária para dissolução da Assembleia Legislativa Regional. Tenho para mim que a norma é inconstitucional. A lei ordinária não pode acrescentar obrigações ao Presidente da República, para além das que constam do texto constitucional. A enumeração constitucional das entidades que devem ser ouvidas, antes da decisão de dissolução, é taxativa. Não é exemplificativa. São aquelas e não outras. Admitir que a lei ordinária possa impor novos deveres de consulta ao Presidente da República corresponderia a aceitar a oneração do exercício dos poderes presidencias fora do quadro constitucional.
Além de inconstitucional, a lei, se viesse a ser aprovada, introduziria uma grave incoerência no equilíbrio do sistema constitucional de poderes. Para dissolver a Assembleia da República, o Presidente, ultrapassadas que estejam as limitações temporais dentro das quais não pode exercer o seu direito (art. 172.º, da CRP), tem de ouvir o Conselho de Estado e os partidos nela representados. Para dissolver uma assembleia legislativa regional teria de ouvir, além das entidades que a Constituição actualmente exige (Conselho de Estado e partidos nela representados), a própria assembleia legislativa regional (!), o Presidente do Governo Regional e os grupos e representações parlamentares regionais. Ou seja, para dissolver uma assembleia legislativa regional, o Presidente da República teria de fazer mais audições do que as que está obrigado para dissolver a Assembleia da República.
Mas a norma seria ainda incoerente por outra razão: a que propósito se deveria ouvir o Presidente do Governo Regional? Donde retira ele a sua legitimidade para governar? Faz algum sentido que seja ouvido para a dissolução da ALR o Presidente do Governo Regional que dela politicamente depende e perante a qual é politicamente responsável?
Por último, fazer depender a dissolução da audição do próprio órgão, além de constituir uma aberração, representaria, na prática, uma séria limitação dos poderes do Presidente da República.
Por todas estas razões, a norma em questão não pode figurar no ordenamento jurídico português. Sobre isto, nenhuma dúvida.
Como pode e deve o Presidente da República impedir a vigência da norma? O Presidente da República deveria ter suscitado ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da referida norma. O tribunal Constitucional é, em matéria de normas, a entidade competente para erradicar do ordenamento jurídico as normas inconstitucionais. Não há qualquer razão – insisto, nenhuma razão – para não seja o Tribunal Constitucional a pronunciar-se sobre a matéria. O Presidente da República ao não ter submetido a questão àquele órgão jurisdicional cometeu um erro grave e ao justificar essa decisão nos termos em que hoje o fez revela uma errada compreensão do seu papel como garante do cumprimento da Constituição. O que, por outras palavras, o Presidente disse, foi que em questões por si consideradas de grande relevância, o que verdadeiramente interessa é a sua posição e não a do Tribunal Constitucional. Ora, esta interpretação da Constituição, em matéria de vigência de normas, choca com a competência por ela atribuída ao Tribunal Constitucional. É o Tribunal constitucional e não o PR que tem competência para afastar do ordenamento jurídico as normas que nele não cabem por serem inválidas. Se o Tribunal Constitucional as validar, o Presidente da República pode exprimir a sua discordância política, que não jurídica, relativamente a essas normas, vetando-as politicamente. Ao fazê-lo, transfere a questão do plano jurídico para o político e sujeita-se ao regular funcionamento das instituições.
Cavaco não teve a distanciação necessária para tratar de um caso que lhe dizia respeito, foi mais uma vez mal aconselhado em matéria jurídica e meteu-se numa “encrenca” política que poderia perfeitamente ter evitado.
Este erro, porém, não autoriza o Presidente do Governo Regional dos Açores a usar a linguagem que utilizou quando se referiu às palavras do Presidente da República. Ele deveria saber, ou alguém lhe deveria explicar, que não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito.
No Público de hoje, em entrevista a JMF, Cavaco explica por que se dirigiu ao país em 31 de Julho passado, para manifestar a sua discordância sobre algumas normas do Estatuto dos Açores.
Vamos por partes. Cavaco tem razão quando discorda da exigência estatutária para dissolução da Assembleia Legislativa Regional. Tenho para mim que a norma é inconstitucional. A lei ordinária não pode acrescentar obrigações ao Presidente da República, para além das que constam do texto constitucional. A enumeração constitucional das entidades que devem ser ouvidas, antes da decisão de dissolução, é taxativa. Não é exemplificativa. São aquelas e não outras. Admitir que a lei ordinária possa impor novos deveres de consulta ao Presidente da República corresponderia a aceitar a oneração do exercício dos poderes presidencias fora do quadro constitucional.
Além de inconstitucional, a lei, se viesse a ser aprovada, introduziria uma grave incoerência no equilíbrio do sistema constitucional de poderes. Para dissolver a Assembleia da República, o Presidente, ultrapassadas que estejam as limitações temporais dentro das quais não pode exercer o seu direito (art. 172.º, da CRP), tem de ouvir o Conselho de Estado e os partidos nela representados. Para dissolver uma assembleia legislativa regional teria de ouvir, além das entidades que a Constituição actualmente exige (Conselho de Estado e partidos nela representados), a própria assembleia legislativa regional (!), o Presidente do Governo Regional e os grupos e representações parlamentares regionais. Ou seja, para dissolver uma assembleia legislativa regional, o Presidente da República teria de fazer mais audições do que as que está obrigado para dissolver a Assembleia da República.
Mas a norma seria ainda incoerente por outra razão: a que propósito se deveria ouvir o Presidente do Governo Regional? Donde retira ele a sua legitimidade para governar? Faz algum sentido que seja ouvido para a dissolução da ALR o Presidente do Governo Regional que dela politicamente depende e perante a qual é politicamente responsável?
Por último, fazer depender a dissolução da audição do próprio órgão, além de constituir uma aberração, representaria, na prática, uma séria limitação dos poderes do Presidente da República.
Por todas estas razões, a norma em questão não pode figurar no ordenamento jurídico português. Sobre isto, nenhuma dúvida.
Como pode e deve o Presidente da República impedir a vigência da norma? O Presidente da República deveria ter suscitado ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da referida norma. O tribunal Constitucional é, em matéria de normas, a entidade competente para erradicar do ordenamento jurídico as normas inconstitucionais. Não há qualquer razão – insisto, nenhuma razão – para não seja o Tribunal Constitucional a pronunciar-se sobre a matéria. O Presidente da República ao não ter submetido a questão àquele órgão jurisdicional cometeu um erro grave e ao justificar essa decisão nos termos em que hoje o fez revela uma errada compreensão do seu papel como garante do cumprimento da Constituição. O que, por outras palavras, o Presidente disse, foi que em questões por si consideradas de grande relevância, o que verdadeiramente interessa é a sua posição e não a do Tribunal Constitucional. Ora, esta interpretação da Constituição, em matéria de vigência de normas, choca com a competência por ela atribuída ao Tribunal Constitucional. É o Tribunal constitucional e não o PR que tem competência para afastar do ordenamento jurídico as normas que nele não cabem por serem inválidas. Se o Tribunal Constitucional as validar, o Presidente da República pode exprimir a sua discordância política, que não jurídica, relativamente a essas normas, vetando-as politicamente. Ao fazê-lo, transfere a questão do plano jurídico para o político e sujeita-se ao regular funcionamento das instituições.
Cavaco não teve a distanciação necessária para tratar de um caso que lhe dizia respeito, foi mais uma vez mal aconselhado em matéria jurídica e meteu-se numa “encrenca” política que poderia perfeitamente ter evitado.
Este erro, porém, não autoriza o Presidente do Governo Regional dos Açores a usar a linguagem que utilizou quando se referiu às palavras do Presidente da República. Ele deveria saber, ou alguém lhe deveria explicar, que não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito.
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