terça-feira, 30 de setembro de 2008

PODERÁ O CAPITALISMO SUBSISTIR SEM O SOCIALISMO?



AS LIÇÕES DA CRISE CAPITALISTA

A primeira grande conclusão que se retira da crise capitalista global, agudamente manifestada no sistema financeiro americano, é exactamente a oposta à tese defendida por Fukayama depois dos eventos de 89. O fim da guerra fria, do muro de Berlim e de tudo o que ele representava, bem como a consequente universalização do modelo de liberalismo económico, não levaram ao fim da história, sendo hoje bem mais aceitável afirmar-se que a ausência de modelo alternativo ao capitalismo liberal poderá levar ao fim do capitalismo ou, na melhor das hipóteses, mergulhá-lo numa crise tão profunda da qual jamais poderá sair pelos seus próprios mecanismos, amplamente propagandeados para o impor como modelo único.
A ideia de que o mercado tudo resolve e que através da sua auto-regulação todos os equilíbrios rompidos se restabelecem está hoje completamente negada pelos factos. Como tal ideia nunca teve nada de científico e não passava de uma premissa ideológica indispensável à universalização do modelo vai ser necessário continuar a combatê-la com um vigor acrescido, agora que os factos indiscutivelmente apontam no sentido do seu clamoroso fracasso. O capitalismo entregue a si próprio lança o homem na sociedade de natureza hobbesiana. É como deixar à solta um animal selvagem e esperar que ele se auto-domestique. A domesticação dos animais selvagens é uma tarefa de séculos que o homem empreendeu desde os primórdios da humanidade. Não podemos hoje dispor do mesmo tempo para domesticar o capitalismo, nem podemos viver na sociedade de naatureza por ele criada, quando inteiramente entregue a si próprio. Temos de o domesticar já, agora que ele está de rastos, e pô-lo ao nosso serviço, deixando aos neo-liberais um papel apenas semelhante ao hoje desempenhado pelas sociedades protectoras dos animais.
Entendamo-nos: quando se insinua que o capitalismo não pode subsistir sem o socialismo, evidentemente que se não pretende ressuscitar sob nenhuma forma o "socialismo real", derrotado pela história e rejeitado pelo povo. Independentemente dos méritos da experiência, do próprio acquis que dela ainda resulta (infelizmente, não tão perenemente como as conquistas da Revolução Francesa) e sem nunca esquecer que a Revolução de Outubro foi a primeira grande experiência da história da humanidade baseada na ideia generosa de erradicar a exploração do homem pelo homem (a materialização - tentada - da utopia), a verdade é que o modo como tal ideia foi posta em prática e se materializou durante 70 anos afastou do socialismo milhões de pessoas que tiveram a infelicidade de o viver sob a forma como foi praticado.
Somente um grande choque como o que está a acontecer neste momento e o muito mais que ainda aí vem poderá relançar a ideia do socialismo. Um socialismo que estará certamente muito longe de qualquer das suas anteriores manifestações sob a forma de “socialismo real”, mas que nunca deixará de ser um socialismo económico, assente nos princípios da solidariedade, da justiça social e da liberdade.
Toda esta ganga ideológica com que nos fustigaram durante cerca de trinta anos terá de ser banida sem contemplações. Fim da auto-regulação, fim das actividades especulativas, fim das “entidades reguladoras independentes”, fim da iniciativa privada nos sectores estratégicos das comunidades. Por outras palavras mais simples: criação de um eficiente e poderoso sector público, com elevadíssimo grau de exigência relativamente a todos os que nele participem a qualquer nível; criação de um amplo sector social, nomeadamente no domínio da habitação; e manutenção do sector privado regulado e disciplinado.
Evidentemente, que nenhum partido socialista estará em condições de pôr em prática tal sistema. Completamente corrompidos pelo capitalismo, quanto mais não seja no sentido etimológico do termo, os dirigentes socialistas actuais são cúmplices e autores, materiais e morais, do sistema em ruínas. Alguns até podem com muita facilidade cair no mesmo ridículo daqueles que, mais à direita, continuam a advogar mais privatizações, menos regulação, menos Estado, enfim, mais estupidez! Pois não são eles que se preparam para privatizar mais sectores estratégicos do Estado, sectores lucrativos, apenas para transferir para as mãos dos especuladores um património que é de todos?

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