O DECLÍNIO DOS EUA NA REGIÃO
A crise da Bolívia, muito agudizada nos últimos tempos, pela posição assumida por algumas províncias autonomistas, tem servido para demonstrar que os Estados Unidos estão muito longe de hoje desempenharem na região um papel semelhante ao que outrora nela tiveram. Governada durante mais de um século pelas oligarquias que vinham do tempo colonial ou que substituíram os colonizadores, a América Latina foi pasto fácil do imperialismo americano, mediante o estabelecimento de uma aliança natural com as ditas oligarquias locais.
Nos últimos dez anos tudo mudou. Uma mudança muitas vezes silenciosa, mas consistente. Primeiro, foi o derrube de todas as ditaduras militares apoiadas pela América, depois, muito gradualmente, a chegada ao poder de governantes com programas populares ou mesmo oriundos das camadas populares, em grande medida constituídas pelas populações indígenas, descendentes de escravos e trabalhadores em geral.
A pouco e pouco foi-se criando um sentimento de pertença à mesma comunidade, posto que constituída por vários países com histórias diferentes ou, mesmo quando próximos, nem sempre semelhantes. Cresceu também em muitos deles um sentimento anti-americano já enraizado no sentimento popular e noutros uma vincada manifestação de autonomia em relação aos senhores do norte. Tudo isto acompanhado de um efectivo domínio das matérias-primas locais, nomeadamente as energéticas, pelos respectivos governos nacionais. O tempo de a América Latina como o pátio traseiro da casa americana acabou de vez.
Hoje, na América Latina, há países que afrontam directamente o poder americano e outros, que, embora prossigam uma política mais branda relativamente ao grande vizinho do norte, nem por isso deixam de marcar as suas distâncias e de se revelarem muito ciosos da sua autonomia e independência.
A crise da Bolívia tem ilustrado, como nenhuma outra, esta nova realidade. Eleito pelas forças indigenistas, com um programa popular, Evo Morales, cedo se deparou com a animosidade dos anteriores destinatários do poder. A crise desencadeia-se agora de um modo mais sofisticado e elaborado do que anteriormente. Não são já as antigas oligarquias que abertamente se manifestam contra o poder democrático, mas as regiões ditas mais ricas que se recusam a uma política de solidariedade nacional e fazem campanha para que os recursos nela gerados, nomeadamente os provenientes dos produtos energéticos, revertam em exclusivo benefício dessas mesmas regiões. No fundo, o que está em jogo, embora sob a capa demagógica de uma vantagem regional, é o domínio dessas mesmas fontes energéticas pelas multinacionais que durante décadas as possuíram, praticamente a troco de nada ou de muito pouco.
Primeiro tentaram, com violação da Constituição, uma autonomia que roçava a separação. Batidas em referendo nacional, o conflito foi-se gradualmente agudizando, a ponto de agora se estar à beira da guerra civil.
Evo Morales, tendo visto nesta sublevação das províncias orientais a mão do imperialismo americano, expulsou do país o embaixador yanque. Hugo Chávez, em solidariedade com a Bolívia, no estilo que é o seu, seguiu o mesmo caminho e fez regressar a casa o embaixador americano na Venezuela. As Honduras, que ainda há bem pouco tempo eram consideradas uma República das Bananas, igualmente por solidariedade, recusaram a acreditação ao embaixador indigitado. E, mais importante do que tudo o resto, o Brasil declarou que não admite nem tolera qualquer ruptura institucional na Bolívia.
Com esta posição, o Brasil marca claramente a sua posição em relação aos Estados Unidos. A Bolívia é do seu interesse estratégico e por isso o Brasil não aceita qualquer solução que ponha em causa a posição de Morales, democraticamente eleito. Esta forte mensagem brasileira é igualmente dirigida aos autonomistas das províncias orientais, que esta semana através de actos de vandalismo chegaram a interromper o fornecimento de gás ao Brasil.
Para amanhã, segunda-feira, está convocada, pelo Chile, uma reunião de emergência da UNASUR (União da América do Sul) para tratar do conflito boliviano.
Esta marginalização dos EUA e a hostilização de que têm sido alvo por parte de vários países da região são indícios claros do declínio da superpotência.
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