sábado, 28 de junho de 2008

AINDA AS GRANDES OBRAS PÚBLICAS

AS PROPOSTAS DO PSD E O QUE O FUTURO DEIXA ANTEVER

A proposta do PSD sobre as grandes obras públicas, tal como apareceu nos jornais – e é de crer que tenha sido formulada nesses termos – não faz sentido, pois ninguém politicamente responsável vai deixar de fazer investimentos para aplicar esse dinheiro em despesas assistenciais, por mais necessárias que estas sejam. É que o Estado não é comparável a uma de família e a sua gestão pauta-se por princípios que pouco tem a ver com os da economia doméstica.
Mas daí a considerar-se que as grandes obras públicas são um facto irreversível vai uma grande distância. Em matéria de infra-estruturas de transporte todos os cuidados são poucos, principalmente num país como o nosso, onde os ditos “especialistas” têm acumulado impunemente erros sobre erros, sempre pagos, em última instância, pelos mesmos.
Vejamos o caso do aeroporto. Supondo que o aeroporto é indispensável e que não podemos viver mais tempo sem ele – vamos admitir este facto a título de hipótese – não pode de forma alguma aceitar-se que se avance para a decisão irrevogável de o construir sem se saber como vai ser financiada a sua construção e a quem vai pertencer a sua propriedade e exploração.
Se o Governo for deixado à solta, como ele verdadeiramente gosta de estar, apesar de estar a lidar com recursos que não são seus, não será difícil adivinhar o que vai acontecer. Vai acontecer pior do que aconteceu com a Ponte Vasco da Gama e o tristemente célebre contrato (s) com a Luso Ponte, com as Scuts, enfim, com todas as denominadas parcerias público-privadas. Pior, porque além das garantias que o Estado certamente não deixará de prestar, ainda se vai despojar do que é socialmente útil e lucrativo, como, entre outras coisas, da ANA.
Se os tradicionais críticos internos do PS - os críticos do facto consumado - querem ter alguma credibilidade, tem que abrir desde já uma frente interna para debater estes assuntos e lutar por uma solução justa. Fazê-lo quando tudo já está consumado não passa de um exercício de dupla hipocrisia: por um lado “lavam a alma” com declarações sem qualquer efeito prático, e, por outro, ajudam a demarcar uma hipotética, e nunca concretizada, parte do PS de um negócio ruinoso e popularmente rejeitado.
A verdade é que toda a gente que anda frequentemente de avião e conhece os principais aeroportos do mundo sabe que o Aeroporto da Portela está muito longe estar esgotado. E, por favor, não me venham com estudos, num país onde já se gastaram milhões e milhões de euros para demonstrar que a OTA era a localização ideal para a construção de um novo aeroporto! O problema da Portela está fundamentalmente no solo, no estacionamento dos aviões, e na TAP, que quer um novo aeroporto.
Todavia, as grandes mudanças ocorridas nos últimos tempos deveriam levar uma governação responsável a reponderar certas decisões. Referimo-nos à crise dos combustíveis, que veio para ficar, às alterações climáticas, que vão alterar drasticamente as rotas de viagem actualmente existentes e à situação da TAP, esta semana revelada pelo seu presidente.
Comecemos pela TAP. Fernando Pinto diz que conseguiu saldar um prejuízo de 122 milhões de euros, que era o défice da empresa quando assumiu a sua gestão, mas que já não tem ânimo para sair do vermelho pela segunda vez. E que vermelho! A empresa, segundo foi dito, acumulou em cinco meses um prejuízo de 102 milhões de euros e previsivelmente atingirá no fim do ano uma perda recorde da ordem de 160 milhões de euros. Se as causas da crise são como se diz o aumento do combustível e a incapacidade de através das receitas fazer face àquele aumento de custos, a TAP, com mais ou menos agonia, está condenada, principalmente numa época em que a ortodoxia neoliberal vigiada pelos pontífices de Bruxelas não admite qualquer solução para resolver a crise da empresa que não a “ditada pelas leis do mercado”.
Com a TAP em perda, provavelmente com a TAP extinta antes da inauguração do novo aeroporto, ou, na melhor das hipóteses transformada numa segunda Varig, a construção do novo aeroporto deixa de se justificar.
E daí não vem nenhum mal ao mundo, porque Portugal tem soluções, e boas, para atender às condições do tráfego aéreo nos próximos 30 anos.
Entre Faro e o Lisboa tem excelentes condições para desenvolver o aeroporto de Beja, muito bem localizado, tanto para servir o Algarve (o que não é necessário), como para servir o Alentejo, a Costa Alentejana e Lisboa.
E entre Lisboa e o Porto, tem Monte Real, que poderá desempenhar relativamente à região centro e à própria Lisboa, o mesmo papel que Beja desempenha em relação ao sul não algarvio.
Estou a ver a cara de escárnio dos nossos “especialistas” em transportes sobre estas propostas. “Especialistas” a quem eu, tendo em conta o nosso passado neste domínio, chamo irresponsáveis e provincianos. Vou dar um exemplo, mas poderia dar muitos mais.
Na Alemanha – sim, na rica Alemanha – numa terrinha, chamada Hahn, onde havia uma base americana, foi activado um excelente aeroporto para tráfego de passageiros, utilizadíssimo pelas low coast.
Hahn fica a cerca de duas horas e meia de Frankfurt AM, à mesma distância de Strasboug e de Colónia, e onde ontem havia apenas uma base americana, vivendo sobre si própria, existe hoje um próspero aeroporto, com instalações aeroportuárias muito modestas, mas funcionais, utilizado por milhões de pessoas de toda a Europa, que ali acorrem para beneficiar dos baixíssimos preços das low coast.
Por que se não pode fazer o mesmo em Beja, servida por melhores vias de comunicação – sim, melhores vias de comunicação! – do que Hahn. Eu sei que logo me respondem os tais “especialistas” que as low coast têm direitos na Portela, que não podem ser discriminadas, etc., etc. Só que a questão não é essa. A questão está nas taxas aeroportuárias. Se Beja tiver taxas muito mais baixas elas vão seguramente para lá!
Tudo isto será impossível com uma gestão privada do “novo” aeroporto, que jamais aceitará que o Estado pratique preços mais baixos nos aeroportos secundários, condenados evidentemente a desaparecer.
E como os ditos “especialistas” não fazem a menor ideia do que vai ser a aviação nos próximos vinte anos, em consequência da crise dos combustíveis, nem querem aceitar, por inconfessáveis razões, uma drástica diminuição do tráfego aéreo, assim como desconhecem as consequências que as alterações climáticas vão trazer ao tráfego aéreo, a construção de um novo aeroporto, onde se gastarão milhões e milhões de contos, não é um tiro no escuro, é um tiro na já triste capacidade de sobrevivência dos portugueses.
Se o PSD estivesse realmente interessado em encontrar uma solução conforme ao interesse nacional levantaria as verdadeiras questões que algumas obras públicas realmente levantam e não as que o PSD levantou. Mas não o faz, nem certamente o fará, porque no fundo o PSD não está contra nada disto, o que está é contra o papel que o PS vai ter nas obras públicas! O PSD queria era fazê-las ele!
Diferente será a construção do TGV, que, essa sim, amplamente se justifica, mais do que nunca.


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