DAS PRESSAS INICIAIS AOS COMPASSOS DE ESPERA POR TEMPO INDETERMINADO
Os dirigentes europeus começam lentamente a inteirar-se do que verdadeiramente se passou na Irlanda. É natural que alguns dos nossos comentadores contra o Não da Irlanda ainda não tenham chegado a esta fase de entendimento, embora eu acredite que com o tempo acabarão por a alcançar.
Sarkozy, que tinha preparado um grande número para a sua presidência, vê-se subitamente sem guião. Furioso com o que se passou na Irlanda, já identificou os culpados: a Comissão Europeia. O que representa um indiscutível progresso relativamente aos nossos políticos e comentadores que continuam a ver nos irlandeses os responsáveis por tudo o que se passou. Tanto assim, que numa tirada digna de figurar nas obras de Brecht, logo propuseram que se “dissolvesse o povo irlandês”, o mesmo é dizer, que se afastasse a Irlanda do convívio comunitário para não perturbar a marcha dos que “querem seguir em frente”.
A diferença entre estes e Sarkozy verdadeiramente está nas vítimas. Enquanto as vítimas dos políticos e dos comentadores portugueses são eles próprios e aqueles que, infelizmente, eles dizem representar, na medida em que se auto-excluem de ter opinião, a vítima de Sarkozy é o presidente da Comissão Europeia que, tanto quanto se percebe, pode pôr de parte a ideia de renovação do mandato.
As coisas estão complicadas não apenas por causa da Irlanda. O Primeiro-ministro checo disse em Bruxelas que não apostava 100 coroas, qualquer coisa com 4 euros, pela ratificação do tratado. Na Polónia, apesar de aprovado pelo Parlamento, também não é certa a ratificação pelo Presidente e na Itália de Berlusconi, a Liga do Norte, que comemorou com bandeiras irlandesas e cerveja Guiness o não da Irlanda, também não o queria fazer. Todavia, depois de uma chamada à ordem, acabou por prevalecer a doutrina de Paulo Portas: o poder vale bem um tratado!
A maior complicação está, porém, no Reino Unido, apesar de aparentemente o tratado ter sido ratificado no fim desta semana. É que foram propostas duas acções contra a ratificação: uma invocando a ilegalidade da ratificação por ter havido uma recusa de ratificação na Irlanda; outra pedindo a suspensão da ratificação até que se convoque um referendo.
A primeira acção foi julgada improcedente, com base no argumento de que a continuação do processo de ratificação é um acto político, cuja apreciação cai fora da competência dos tribunais.
A segunda acção está por decidir e o Supremo já notificou o governo de que não deve depositar em Roma os instrumentos de ratificação antes de o Tribunal tomar uma decisão. Esta segunda acção é muito interessante: ela assenta no argumento de que o Governo em funções se comprometeu eleitoralmente a submeter a referendo a Constituição Europeia. Ora, como o Tratado de Lisboa é substancialmente idêntico, ele não pode ser ratificado sem que haja uma aprovação do Tratado por referendo.
A questão é muito interessante porque, no fundo, ela tem a ver com a natureza do mandato representativo. Se este mandato for incondicionado, como geralmente é na maior parte das democracias representativas, o incumprimento do mandato não é sindicável pelos tribunais. Na próxima eleição, o eleitor tira as consequências. Se porém o mandato representativo for imperativo, aí a situação já é outra. Nos países anglo-saxónicos, principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, a democracia representativa é muito mais controlada pelos cidadãos. Vamos ver até onde chegarão os tribunais.
E fica a promessa de numa próxima oportunidade abordar a temática do mandato representativo incondicionado….
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