domingo, 15 de junho de 2008

O NÃO DA IRLANDA



REQUIEM PELO TRATADO DE LISBOA?


A primeira questão que necessariamente se coloca é a de saber se o Não da Irlanda vale tanto como o da França e o da Holanda ou se vale menos ou até se não vale nada.
A avaliar pelas primeiras declarações de altos responsáveis comunitários, entre nós traduzidas em linguagem vulgar por Cavaco, dir-se-á que o Não é um problema da Irlanda. Um problema para o qual a Irlanda, e não a UE, terá de encontrar a solução.
Posição reforçada com o argumento de ingratidão: à data da entrada na Comunidade o rendimento per capita da Irlanda equivalia a 62% da média europeia; hoje, representa 140%!
Juridicamente, a questão tem uma resposta simples: sem o sim da Irlanda não há tratado. Mas como é nestas ocasiões que melhor se compreende a verdadeira natureza do direito, o que interessa saber é como se vão passar as coisas politicamente. Se a Irlanda ficar completamente isolada, é de admitir que os demais prosseguirão sem ela. Se não ficar, como muito provavelmente acontecerá, a questão fica muito mais complicada para os que querem avançar de qualquer modo. Na verdade, as ratificações do Reino Unido e da República Checa não estão adquiridas. No Reino Unido, a mais que provável derrota de Brown não vai facilitar uma rápida ratificação, apesar de o processo estar bastante adiantado. Na República Checa, é também conhecida a hostilidade do Presidente da República em relação ao tratado.
O Não da Irlanda e os muitos nãos da Europa a que não deram voz são de vários matizes e têm fundamentos muito diversos. Eles tem a ver com a defesa de posições soberanistas, passam pela recusa da perda de posições adquiridas, fundam-se na falta de democracia e de transparência do processso europeu e também na rejeição, cada vez mais evidente, do modelo neo-liberal de construção europeia. Uma coisa é porém certa: nenhuma Comunidade a 6 ou a 27 pode ser construída nas costas do povo e sem a sua participação.
O Não da Irlanda, quaisquer que tenham sido as suas razões, poderia ser um bom motivo para se repensar a Europa, face a actual crise internacional. A ilusão, por muitos acalentada de que a livre circulação de pessoas e a moeda única acabariam por construir um verdadeiro espírito comunitário, ruiu. Na verdade, não obstante as suas vantagens, no actual contexto e no modelo de construção europeia convencionalmente consagrado, não passam de poderosos instrumentos ao serviço de uma lógica de mercado, que marginaliza as pessoas tanto mais quanto mais frágeis são os Estados membros a que pertencem.

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