LIMITES DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA
Como frequentemente tenho referido neste blogue, num sistema eleitoral como o nosso, aliás semelhante ao de muitos outros países da Europa continental, os deputados não são de facto responsáveis perante o povo, mas somente perante o partido que os elege. A eleição em listas fechadas, organizadas pelas cúpulas partidárias, com maior ou menor colaboração dos militantes partidários, faz com que o parlamento nas nossas democracias representativas responda em última instância perante os partidos a que os deputados pertencem e não perante quem os elege. Teórica e juridicamente, o deputado é um representante popular e perante o povo responde. Mas apenas teoricamente, porque não tendo o povo qualquer possibilidade de escolher outros nomes, além dos que lhe são apresentados pelos partidos (aliás, em muitos países, nos boletins de voto, nem sequer o nome dos deputados figura, mas apenas o dos partidos) e não tendo os cidadãos em geral sequer a possibilidade de apresentar nomes à eleição de deputados, o acto eleitoral acaba sempre por incidir mais sobre os partidos do que sobre os nomes que estes submetem a sufrágio.
As nefastas consequências para a democracia de um regime de “soberania partidária” estão à vista. Não respondendo os eleitos perante o povo, mas apenas perante o partido que os propõe, isso fará com que o mandato representativo de que eles são titulares seja preferencialmente exercido na perspectiva do partido. Quem responde perante o eleitorado é o partido, não o deputado. Não respondendo perante o eleitorado, o deputado fica de facto nas mãos do partido, que tenderá sempre a escolher os mais fiéis, à parte um ou outro arranjo ditado por razões eleitorais de ocasião. Dependendo das cúpulas partidárias e do aparelho do partido, o deputado, principalmente se o seu partido está no governo, tende a aceitar acriticamente as orientações de quem dirige e fica, de facto, com a sua liberdade política cerceada, porque sabe que a sua divergência ou discordância pode ter como consequência a eliminação do seu nome das próximas listas de deputados.
O que se passou na preparação e durante o último Congresso do PS ilustra na perfeição o que acaba de ser dito.
Mas há mais: a lógica da “obediência partidária”, nos termos referidos, leva na prática a uma completa inversão do normal funcionamento das instituições. Teoricamente, em regimes como o nosso ou em regimes parlamentares, o Governo depende do apoio do Parlamento, detentor da legitimidade originária, para governar. Na prática, passa-se o oposto: a legitimidade originária tende a passar para o governo, constituído pelos dirigentes máximos do partido, e o parlamento (a maioria parlamentar que o apoia), muito ou completamente governamentalizado, tende a seguir as “instruções” do governo. Evidentemente, que a maioria parlamentar não tem por função “guerrear” o governo nem criar-lhe dificuldades na governação. Não é disso que se trata. O que se trata é de o governo dever governar tendo em conta a opinião da maioria parlamentar livremente expressa e de evitar que esta se transforme numa simples câmara de ressonância das suas decisões.
Finalmente, este sistema leva a um considerável alheamento da política tal como ela é praticada e à descrença nos políticos
Estas nefastas consequências, bem visíveis no nosso sistema político, poderiam ser razoavelmente atenuadas se se democratizasse a democracia. De facto, o aprofundamento democrático, cada vez mais exigido por largas camadas da população (não confundir alheamento da política, com desilusão pelos processos democráticos), passa por uma maior responsabilização e controlo do deputado pelo eleitor, pelo condicionamento do mandato do deputado, aproximando-o de facto do mandato imperativo e por conferir outra legitimidade e prestígio ao órgão parlamentar.
Não é rigorosamente verdade que a eleição por círculos uninominais produza as mesmas consequências da eleição proporcional em listas fechadas, organizadas pelos partidos, quer no que toca à obediência parlamentar, quer no que se refere ao respeito pela vontade do eleitor. Na verdade, nestes sistemas, a diferença começa logo com a formação do governo. Enquanto no nosso sistema a formação do governo é um acto amplamente discricionário do chefe do partido vencedor, que para o efeito solicita, e sempre a obtém, a confiança do partido, naqueles outros sistemas, a formação do governo começa logo por ter em conta a efectiva composição do grupo parlamentar maioritário, sendo o governo por regra formado com obediência a dois factores: o factor geográfico, de modo a que todo o país esteja nele representado, e o factor político, destinado a atender às diferentes sensibilidades de quem foi eleito. Esta forma de composição do governo não é ditada por cálculos eleitorais, mas por respeito pelo órgão parlamentar, sem o apoio do qual não há governo. E é este diferente modo de formação do governo que logo antecipa e facilita a necessária coesão parlamentar. Mesmo assim, todos assistimos, em menos de trinta anos, à evicção de poderosos e emblemáticos primeiros ministros por acção conjugada do partido e do grupo parlamentar, sempre que aqueles se afastam da matriz do partido vencedor, facto que num sistema como o nosso seria praticamente impossível.
Em resumo, o aprofundamento da democracia política não dispensa um maior controlo dos eleitos pelos eleitores (e não pelas cúpulas partidárias), o que somente poderá ser alcançado por via da eleição em círculos uninominais, e por uma adequada representação das minorias, alcançável por via de listas partidárias nacionais abertas.
Como frequentemente tenho referido neste blogue, num sistema eleitoral como o nosso, aliás semelhante ao de muitos outros países da Europa continental, os deputados não são de facto responsáveis perante o povo, mas somente perante o partido que os elege. A eleição em listas fechadas, organizadas pelas cúpulas partidárias, com maior ou menor colaboração dos militantes partidários, faz com que o parlamento nas nossas democracias representativas responda em última instância perante os partidos a que os deputados pertencem e não perante quem os elege. Teórica e juridicamente, o deputado é um representante popular e perante o povo responde. Mas apenas teoricamente, porque não tendo o povo qualquer possibilidade de escolher outros nomes, além dos que lhe são apresentados pelos partidos (aliás, em muitos países, nos boletins de voto, nem sequer o nome dos deputados figura, mas apenas o dos partidos) e não tendo os cidadãos em geral sequer a possibilidade de apresentar nomes à eleição de deputados, o acto eleitoral acaba sempre por incidir mais sobre os partidos do que sobre os nomes que estes submetem a sufrágio.
As nefastas consequências para a democracia de um regime de “soberania partidária” estão à vista. Não respondendo os eleitos perante o povo, mas apenas perante o partido que os propõe, isso fará com que o mandato representativo de que eles são titulares seja preferencialmente exercido na perspectiva do partido. Quem responde perante o eleitorado é o partido, não o deputado. Não respondendo perante o eleitorado, o deputado fica de facto nas mãos do partido, que tenderá sempre a escolher os mais fiéis, à parte um ou outro arranjo ditado por razões eleitorais de ocasião. Dependendo das cúpulas partidárias e do aparelho do partido, o deputado, principalmente se o seu partido está no governo, tende a aceitar acriticamente as orientações de quem dirige e fica, de facto, com a sua liberdade política cerceada, porque sabe que a sua divergência ou discordância pode ter como consequência a eliminação do seu nome das próximas listas de deputados.
O que se passou na preparação e durante o último Congresso do PS ilustra na perfeição o que acaba de ser dito.
Mas há mais: a lógica da “obediência partidária”, nos termos referidos, leva na prática a uma completa inversão do normal funcionamento das instituições. Teoricamente, em regimes como o nosso ou em regimes parlamentares, o Governo depende do apoio do Parlamento, detentor da legitimidade originária, para governar. Na prática, passa-se o oposto: a legitimidade originária tende a passar para o governo, constituído pelos dirigentes máximos do partido, e o parlamento (a maioria parlamentar que o apoia), muito ou completamente governamentalizado, tende a seguir as “instruções” do governo. Evidentemente, que a maioria parlamentar não tem por função “guerrear” o governo nem criar-lhe dificuldades na governação. Não é disso que se trata. O que se trata é de o governo dever governar tendo em conta a opinião da maioria parlamentar livremente expressa e de evitar que esta se transforme numa simples câmara de ressonância das suas decisões.
Finalmente, este sistema leva a um considerável alheamento da política tal como ela é praticada e à descrença nos políticos
Estas nefastas consequências, bem visíveis no nosso sistema político, poderiam ser razoavelmente atenuadas se se democratizasse a democracia. De facto, o aprofundamento democrático, cada vez mais exigido por largas camadas da população (não confundir alheamento da política, com desilusão pelos processos democráticos), passa por uma maior responsabilização e controlo do deputado pelo eleitor, pelo condicionamento do mandato do deputado, aproximando-o de facto do mandato imperativo e por conferir outra legitimidade e prestígio ao órgão parlamentar.
Não é rigorosamente verdade que a eleição por círculos uninominais produza as mesmas consequências da eleição proporcional em listas fechadas, organizadas pelos partidos, quer no que toca à obediência parlamentar, quer no que se refere ao respeito pela vontade do eleitor. Na verdade, nestes sistemas, a diferença começa logo com a formação do governo. Enquanto no nosso sistema a formação do governo é um acto amplamente discricionário do chefe do partido vencedor, que para o efeito solicita, e sempre a obtém, a confiança do partido, naqueles outros sistemas, a formação do governo começa logo por ter em conta a efectiva composição do grupo parlamentar maioritário, sendo o governo por regra formado com obediência a dois factores: o factor geográfico, de modo a que todo o país esteja nele representado, e o factor político, destinado a atender às diferentes sensibilidades de quem foi eleito. Esta forma de composição do governo não é ditada por cálculos eleitorais, mas por respeito pelo órgão parlamentar, sem o apoio do qual não há governo. E é este diferente modo de formação do governo que logo antecipa e facilita a necessária coesão parlamentar. Mesmo assim, todos assistimos, em menos de trinta anos, à evicção de poderosos e emblemáticos primeiros ministros por acção conjugada do partido e do grupo parlamentar, sempre que aqueles se afastam da matriz do partido vencedor, facto que num sistema como o nosso seria praticamente impossível.
Em resumo, o aprofundamento da democracia política não dispensa um maior controlo dos eleitos pelos eleitores (e não pelas cúpulas partidárias), o que somente poderá ser alcançado por via da eleição em círculos uninominais, e por uma adequada representação das minorias, alcançável por via de listas partidárias nacionais abertas.
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