quarta-feira, 25 de março de 2009

ATENÇÃO: ELEIÇÕES À PORTA


A MISTIFICAÇÃO JÁ COMEÇOU


Os que até agora nos têm governado, com a aproximação de vários actos eleitorais, vão empreender uma grande esforço para nos para nos fazer crer de que vão ser capazes de pôr em prática novas políticas através de um conjunto de medidas há muito reclamadas por quem sempre contestou a sua governação e simultaneamente convencer-nos de que o que hoje dizem defender é o mesmo que defenderam ontem, exactamente para que nos esqueçamos das políticas por que se bateram e executaram durante os anos da sua governação.
Isto vai ser particularmente notado nas eleições europeias, onde já está em curso uma grande mistificação sobre a possibilidade de pôr em prática outras políticas dentro do quadro institucional existente, e também nas legislativas, onde a palavra de ordem vai andar à volta de conceitos cujo sentido nunca é concretizado como “menos Estado liberal, mais regulação, mais Estado social, menos Estado mínimo”.
Um exemplo (seguir-se-ão outros). Os Ladrões de Bicletas chamaram ontem a atenção para umas declarações que, a mim, me haviam passado completamente despercebidas. São elas de Luis Amado, Ministro dos Negócios Estrangeiros, proferidas num seminário sobre os efeitos da crise na governação democrática.
Amado, além de estrénuo defensor da “relação transatlântica”, no sentido pejorativo que a expressão assume neste blogue pela subalternidade em que coloca os interesses nacionais e europeus face os americanos, sempre foi um incondicional defensor do mercado livre, situando-se no PS claramente na ala liberal do partido. Ainda há pouco mais de um ano, em Fevereiro de 2008, numa entrevista à Visão, defendia que “O Estado deve ser reconfigurado. Depois de corrigido o problema do défice, temos de repensar o Estado no exercício das suas funções, uma a uma. Temos de encontrar um equilíbrio entre as funções de soberania e as funções sociais. Em algumas funções sociais, não vejo qualquer problema em que haja, garantido o sistema público, áreas de actuação privada”.
Estas palavras são elucidativas não apenas pelo que relevam, quanto à forma como dentro do Governo se entendem as funções do Estado, mas também pela carga ideológica das próprias expressões utilizadas. “Funções de soberania” tem implícito o entendimento de que as funções compreendidas no âmbito do conceito são aquelas que o Estado não pode deixar de desempenhar (as “funções tradicionais”, como dizem certos ideólogos caseiros de meia-tijela), sendo logicamente dispensáveis as demais.
Nem os neoconservadores americanos, como Fukuyama – que agora até dizem que já não são -, utilizam esta terminologia e preferem falar em funções mínimas, intermédias e activas, recusando apenas estas no “Estado moderno e eficiente” que defendem. Ou seja, funções relacionadas com a redistribuição de riqueza, coordenação da actividade privada e outras semelhantes.
Passado um ano, Luis Amado diz-nos que “Esta crise mostra não o fracasso, mas o sucesso das forças de mercado, da sua capacidade para se expandirem pelo globo e de penetrarem em sistemas ideologicamente fechados (…). O que está em causa é o falhanço político em liderar essas forças (…). Em acompanhar, com instrumentos políticos adequados, esta expansão das forças de mercado. Não são os princípios da economia de mercado, mas a ideologia que reduziu o papel do Estado ao mínimo” a responsável pela crise. E depois acrescenta que a actual crise vai obrigar a “uma redefinição do papel do Estado”, o qual perante o impacto social daquela não vai ter capacidade para dar resposta às necessidades dos cidadãos.
Esta é uma nova realidade mundial que não previmos. Os Estados já não têm instrumentos para responder à crise e, quando todos olham para os Estados à procura de respostas, os Estados não têm capacidade para influenciar a economia que antes tinham”.
Como se percebe, o texto é propositadamente ambíguo e deixa margem a várias interpretações. O próprio jornal que noticia a intervenção, titula-a, dizendo: “L.A. refere o fracasso da ideologia neo-liberal”.
É esta ambiguidade que vai propositadamente manter-se até às eleições, reforçada por expressões como as que constam do texto, dando a entender que terá de se abandonar a ideologia que reduziu o papel do Estado ao mínimo.
Mas é óbvio, para qualquer leitor atento, que não há contradição entre o que Amado disse há um ano e o que diz hoje. Hoje, tal como ontem, hoje até mais explicitamente do que ontem, há nas suas palavras uma profunda adesão ao capitalismo liberal globalizado. As restrições que Amado parece querer impor ao funcionamento do mercado dizem respeito a uma “guerra” travado no seio da ideologia neoconservadora e neoliberal, que para nós, que estamos fora dessas trincheiras, não faz qualquer sentido, por ser uma guerra travada num campo que não é o nosso e que tem em vista deixar tudo como está, apenas funcionando melhor e mais eficientemente.
Já há dias aludi aqui a essa “guerra”. O que os neoliberais vêm agora dizer é que as teses que visavam o enfraquecimento indiscriminado do Estado estão erradas. Eles continuam a defender as funções que o Estado não pode deixar de ter, as que pode ter ou não (sendo conveniente que não se “alargue muito”…) e as que não deve ter. E é isso que Luis Amado agora repete ao dizer-nos que há funções que o Estado não exerceu correctamente ou que pura e simplesmente não exerceu e que deverá passar a exercer para que a expansão das forças do mercado possa ocorrer sem crises dramáticas como a actual.
Não está em causa a rejeição do neoliberalismo, nem a redefinição do papel do Estado na economia e menos ainda uma revisão substancial das funções do Estado, tal como o entendem. Não está em causa uma política que promova uma diferente redistribuição de rendimentos, nem sequer uma política que alargue as funções sociais do Estado. O que está em causa é a eficiência do sistema neoliberal!

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