quarta-feira, 18 de março de 2009

UM PAPA MEDIEVAL

UM APELO À IGREJA
Já toda a gente se pronunciou sobre as palavras do Papa, a propósito do uso de preservativos, proferidas a bordo do avião que o levou de visita aos Camarões.
Esta última afirmação do Papa é uma espécie de gota de água que faz definitivamente transbordar o copo. Na Europa ou na América do Norte, o que o Papa diga ou possa dizer sobre o uso de preservativos não interessa rigorosamente nada. A conduta sexual das pessoas não é minimamente afectada pelas posições da Igreja. Em África, o caso muda de figura. Constituindo hoje a sida, a par de outras doenças, algumas por ela potenciadas, um verdadeiro flagelo do continente, que nem sequer está economicamente em condições de a prevenir eficazmente, quanto mais de a tratar, as palavras do Papa, mais que irresponsáveis, são criminosas. Elas ajudam a condenar à morte milhões de pessoas.
Este Papa, nos três ou quatro anos que leva de pontificado, constitui hoje um grave problema para a civilização ocidental. Muitos, agnósticos e ateus, receberam com alívio a eleição de um intelectual, cansados dos constantes comícios do Papa polaco nos quatro cantos do mundo. Adivinhava-se um período de acalmia, mais recolhido e virado para o interior da Igreja, que poderia servir para as grandes mudanças por que ela não poderá deixar de passar nos tempos mais próximos. Isto apesar de os mais recentes sucessos do Papa então eleito já apontarem para uma personalidade retrógrada, obsessivamente conservadora e em conflito com as sociedades liberais dos nossos tempos. Outros, intelectuais de direita, ligados ao neo-conservadorismo americano, como entre nós Pacheco Pereira, viram na eleição de Raztinger e no consequente reforço da ortodoxia uma garantia da luta firme que a civilização ocidental teria de travar com os seus principais oponentes, nomeadamente o Islão.
Acontece que o principal inimigo do Papa não é o Islão e menos ainda o judaísmo. O grande oponente do Papa é o Iluminismo e a sociedade liberal, laica, multicultural e plural dos nossos dias. Foi isso o que Papa quis dizer no discurso de Ratisbona, no qual incidentalmente se referiu aos muçulmanos, apenas para sublinhar que a sua fé era mais “racional” e mais “verdadeira” que a deles. Mas o inimigo não era o Islão. Como também não era o judaísmo, quando recentemente voltou a acolher no seio da Igreja os bispos lefebvristas. O inimigo era, mais uma vez, a licenciosidade que o Concílio Vaticano II, segundo ele, acaba por permitir e potenciar.
Numa época em que, quer se queira quer não, as civilizações se defrontam e em que o mundo unipolar está no fim, enfim, numa época de confrontação cultural, comercial e, quem sabe, até militar, a chamada civilização ocidental, que a Igreja, para o bem e para o mal também ajudou a edificar, está sendo fortemente prejudicada com a permanência de Raztinger no Vaticano. Seria bom que a Igreja com a sua imensa sabedoria encontrasse muito rapidamente uma forma de se ver livre do Papa bávaro, para bem de todos nós!

1 comentário:

Ana Paula Fitas disse...

Estimado amigo, escrevi ontem sobre o assunto, sem referir a dimensão civilizacional do significado desta actuação papal... Obrigado por o ter feito!