A TENTAÇÃO HEGEMÓNICA DOS PARTIDOS DO BLOCO CENTRAL
Diz-se com frequência que Portugal tem um problema de governabilidade, porque o sistema eleitoral não gera com facilidade um governo apoiado por uma maioria absoluta monopartidária saída das eleições. E aduz-se em defesa desta tese o facto de somente por três vezes os eleitores haverem conferido a maioria absoluta a um partido, duas vezes a Cavaco e uma vez a Sócrates.
Todas as demais experiências se consideram fracassadas, ou porque os governos minoritários não concluíram a legislatura (com excepção do I Guterres) ou porque as coligações acabam por sucumbir às divergências partidárias.
Face a esta “desgraça”, apenas se antevêem dois remédios: modificar o sistema eleitoral, favorecendo a criação de maiorias eleitorais artificiais sem verdadeira correspondência no voto popular ou limitar drasticamente a função legitimadora do Parlamento, circunscrevendo em apertados limites o espaço da sua acção fiscalizadora e censória.
Esta tese é perigosa, antes de mais porque é anti-democrática. Mas, além de perigosa, é racionalmente insustentável, porque na realidade não existe em democracia uma relação entre governabilidade e composição parlamentar. Se a tese acima exposta pudesse ser racionalmente demonstrada ela levaria fatalmente à conclusão de que a governabilidade só estaria assegurada em regime de partido único. Mais ainda: como o regime de partido único desprovido de instrumentos de coacção correria o risco de transferir os conflitos intra-sistemáticos para fora do sistema, isto é, para a rua, seria necessário acrescentar ao regime de partido único uma força de coacção tendencialmente destinada a eliminar o dissenso.
Tenho dificuldade em seguir uma demonstração que mistura elementos pretensamente factuais com proposições puramente ideológicas cuja introdução no discurso se insere numa lógica mistificadora destinada a perturbar a compreensão do problema. Por exemplo, afirmar que sem maiorias absolutas não se podem por “em ordem” as finanças públicas ou não se fazem “reformas importantíssimas” cheira-me exageradamente a “salazarismo democrático” para que tal argumento possa ser levado a sério.
O problema português, portanto, não é um problema de governabilidade, mas antes um problema de respeito pela vontade popular. O sistema eleitoral em vigor, embora proporcional, favorece os dois partidos mais votados e inutiliza milhares e milhares de votos dos partidos minoritários. Pois, mesmo neste quadro, altamente favorável aos partidos mais votados, que elegem cada um dos seus deputados com um número de votos muitíssimo inferior ao que os minoritários necessitam para eleger os seus, eles manifestam uma profunda incapacidade de respeitarem a vontade popular, mediante a constituição de alianças que lhes permitam o apoio suficiente na câmara para governar.
Não é o sistema que em si dificulta as coisas, tanto mais que sistemas iguais ou semelhantes ao nosso existem por essa Europa fora sem que este dramatismo da governabilidade seja permanentemente agitado. O que torna as coisas mais difíceis em Portugal é a tentação hegemónica dos partidos do bloco central e a sua nula capacidade para aceitarem democraticamente a repartição do poder. O defeito não é portanto do sistema, mas dos actores que nele desempenham um papel maior, cuja tentação hegemónica amiúde os afasta do respeito pela vontade popular.
Diz-se com frequência que Portugal tem um problema de governabilidade, porque o sistema eleitoral não gera com facilidade um governo apoiado por uma maioria absoluta monopartidária saída das eleições. E aduz-se em defesa desta tese o facto de somente por três vezes os eleitores haverem conferido a maioria absoluta a um partido, duas vezes a Cavaco e uma vez a Sócrates.
Todas as demais experiências se consideram fracassadas, ou porque os governos minoritários não concluíram a legislatura (com excepção do I Guterres) ou porque as coligações acabam por sucumbir às divergências partidárias.
Face a esta “desgraça”, apenas se antevêem dois remédios: modificar o sistema eleitoral, favorecendo a criação de maiorias eleitorais artificiais sem verdadeira correspondência no voto popular ou limitar drasticamente a função legitimadora do Parlamento, circunscrevendo em apertados limites o espaço da sua acção fiscalizadora e censória.
Esta tese é perigosa, antes de mais porque é anti-democrática. Mas, além de perigosa, é racionalmente insustentável, porque na realidade não existe em democracia uma relação entre governabilidade e composição parlamentar. Se a tese acima exposta pudesse ser racionalmente demonstrada ela levaria fatalmente à conclusão de que a governabilidade só estaria assegurada em regime de partido único. Mais ainda: como o regime de partido único desprovido de instrumentos de coacção correria o risco de transferir os conflitos intra-sistemáticos para fora do sistema, isto é, para a rua, seria necessário acrescentar ao regime de partido único uma força de coacção tendencialmente destinada a eliminar o dissenso.
Tenho dificuldade em seguir uma demonstração que mistura elementos pretensamente factuais com proposições puramente ideológicas cuja introdução no discurso se insere numa lógica mistificadora destinada a perturbar a compreensão do problema. Por exemplo, afirmar que sem maiorias absolutas não se podem por “em ordem” as finanças públicas ou não se fazem “reformas importantíssimas” cheira-me exageradamente a “salazarismo democrático” para que tal argumento possa ser levado a sério.
O problema português, portanto, não é um problema de governabilidade, mas antes um problema de respeito pela vontade popular. O sistema eleitoral em vigor, embora proporcional, favorece os dois partidos mais votados e inutiliza milhares e milhares de votos dos partidos minoritários. Pois, mesmo neste quadro, altamente favorável aos partidos mais votados, que elegem cada um dos seus deputados com um número de votos muitíssimo inferior ao que os minoritários necessitam para eleger os seus, eles manifestam uma profunda incapacidade de respeitarem a vontade popular, mediante a constituição de alianças que lhes permitam o apoio suficiente na câmara para governar.
Não é o sistema que em si dificulta as coisas, tanto mais que sistemas iguais ou semelhantes ao nosso existem por essa Europa fora sem que este dramatismo da governabilidade seja permanentemente agitado. O que torna as coisas mais difíceis em Portugal é a tentação hegemónica dos partidos do bloco central e a sua nula capacidade para aceitarem democraticamente a repartição do poder. O defeito não é portanto do sistema, mas dos actores que nele desempenham um papel maior, cuja tentação hegemónica amiúde os afasta do respeito pela vontade popular.