OUTRAS CONCLUSÕES
Dizer que Cavaco tem razão, mas que actuou mal foi o que aqui fizemos desde a primeira hora. Hoje, a situação evoluiu e o que interessa comentar já não é aprovação pela AR das normas cuja vigência Cavaco não suporta, mas os comentários dos que comentam aquela aprovação.
Eu sempre entendi que o Presidente dispunha de duas vias institucionalmente adequadas para se manifestar contra as normas que, segundo a sua opinião, punham em causa o equilíbrio de poderes constitucionalmente consagrados: uma, era o recurso ao Tribunal Constitucional em sede de fiscalização preventiva; outra, o veto político acompanhado da respectiva mensagem à AR.
Como se sabe, o Presidente não fez uma coisa nem outra. Optou por, na véspera das férias, anunciar uma comunicação ao país que horas mais tarde interpretou com um dramatismo excessivo e desproporcionado à importância do assunto em causa.
Ninguém o compreendeu, desde os partidos aos media, passando obviamente pela generalidade da população. E, a partir dai, ficou a perder. O que antes era simples e podia ser corrigido sem grande dificuldade tornou-se difícil e irreversível. Desnecessariamente, o Presidente somou uma derrota que poderia ter evitado.
Mas tudo isto já estava aqui dito em várias ocasiões e só vem novamente à baila em virtude de certas afirmações feitas por renomados constitucionalistas, em cuja argumentação vislumbro o desnudamento do sistema político português. De facto, afirmar que o Presidente actuou correctamente por ter questionado politicamente uma norma tida por manifestamente inconstitucional em vez de procurar a sua censura pela via judicial e culpar seguidamente o PS por uma aprovação apenas justificável pela subjugação do partido aos interesses políticos regionais assenta na pressuposição de que o órgão de soberania Presidente da República tem uma legitimidade acrescida relativamente aos demais, nomeadamente àquele que, tal como ele, retira a sua legitimidade do voto popular. Mas significa mais. Significa algo que não costuma ser dito, mas que a partir do momento em que entra como elemento normal de argumentação não permite mais tomar a sério a estrutura de poderes em que assenta a Constituição.
Culpar o PS, em vez de ver no acto de confirmação do diploma pela AR uma afirmação da sua legitimidade democrática, significa, no fundo, reconhecer que a Assembleia não goza de autonomia e exerce as suas funções à ordem do partido maioritário. Significa aceitar que na AR vigora um regime de soberania partidária e não de soberania popular. Por outro lado, diminuir o papel do Tribunal Constitucional não lhe confiando a resolução de um litígio que afecta o equilíbrio de poderes, que é um litígio tipicamente jurídico, significa igualmente não reconhecer àquele órgão a independência necessária para actuar com isenção.
Não vou negar estas duas conclusões subentendidas naquela argumentação. O que vou é dizer que o seu reconhecimento tem de levar a uma reforma do sistema político português e não apenas a uma rejeição da decisão tomada pela Assembleia da República. Uma reforma que dê lugar á eleição de representantes que verdadeiramente respondam perante quem os elegeu e não perante o partido que os incluiu nas listas, sem prejuízo de este maior controlo da actividade parlamentar pelos eleitores não significar a eliminação ou diminuição da representação adequada das minorias. E ainda uma reforma do Tribunal Constitucional que aponte para um recrutamento dos juízes completamente independente dos partidos representados no Parlamento.
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