A SUBSERVIÊNCIA EM POLÍTICA INTERNACIONAL
Os imperadores desprezam os súbditos subservientes. Tiram vantagens deles, mas desprezam-nos.
O Congresso americano recusou a transferência para território nacional dos prisioneiros de Guantánamo que não estão em condições de ser julgados mas continuam a ser considerados um perigo para a segurança da América. Nenhum dos 50 estados americanos se voluntariou para os receber, um que fosse. Na Europa, os países para os quais a dignidade nacional ainda representa um valor, já fizeram saber a Washington que não têm condições para receber prisioneiros de Guantánamo, enquanto a América não der o exemplo, recebendo alguns.
Pelo contrário, as Bermudas, Palau e Portugal aceitam receber prisioneiros qualquer que seja a atitude americana.
Mas há mais. Dentro da linha política de acatamento das pretensões de Washington, o Governo português acabou de dar o seu acordo de princípio à utilização da base das Lages como base de treino dos F22 e dos futuros F35, estando por definir a extensão da área a conceder. Segundo informações veiculadas pela imprensa, os americanos reclamam a concessão de um espaço, a norte da Ilha do Corvo, igual a três vezes a área de Portugal, dizendo-se que do lado português terá sido feita uma oferta menor.
Mais uma vez estamos perante um acto de extrema gravidade, lesivo dos interesses e da independência nacional, levado a cabo por um governo que tem na Defesa e nos Negócios Estrangeiros quem sempre encontre uma boa justificação para atender às solicitações americanas.
Exactamente por isso, porque o interesse nacional tem que ser defendido por outros meios, é que tem de se afirmar sem tibiezas que é a todos os títulos inadmissível que Portugal aceite que um Estado com a extensão territorial dos Estados Unidos venha exigir a um pequeno país a concessão de uma extensa área geográfica para a realização de treinos militares que podem perfeitamente ser realizados no território americano do Atlântico ou do Pacífico, onde, além do Hawai, tem outros territórios e outras bases com condições idênticas às dos Açores para os realizar.
O princípio é aqui exactamente o mesmo de Guantánamo: o que os americanos não querem na sua terra vão tentar fazê-lo na terra dos outros, na esperança de encontrarem um súbdito subserviente que acate o seu “pedido”.
E é igualmente importante que se diga que, se este acordo pudesse ter politicamente alguma justificação – e não tem, salvo dentro do tal quadro de completo acatamento das pretensões americanas de que acima falámos – e se não representasse um perigo para a navegação aérea internacional ou não lhe impusesse sérias restrições – e representa e impor-lhe-á, digam o que disserem os ministérios directamente envolvidos – ele constituiria, nos termos em que está sendo negociado, um verdadeiro atentado aos interesses nacionais. Conceder aos americanos o acordo de princípio para a realização daqueles treinos no espaço territorial dos Açores, sem o condicionar à negociação de um tratado – exactamente, um tratado a ratificar pelo Senado americano – significa dar sem nada receber. Significa conceder no quadro de um eventual “executive agreement”, ou seja, de um acordo subordinado à legislação americana vigente, ficando assim completamente à mercê da chantagem que a Administração americana queira exercer, como tem sucessivamente acontecido com as Lages.
Aqueles que nas recentes eleições e posteriormente em discursos tanto têm expressado as suas preocupação com o futuro, com os ónus e encargos legados às futuras gerações, a propósito de obras como o TGV e auto-estradas (enfim, obras de que as futuras gerações vão beneficiar, sem com isto querer de algum modo legitimar os modelos de financiamento que o Governo se propõe pôr em prática) teriam a propósito desta questão uma excelente ocasião para fazer jus ao seu “acrisolado amor” pelo interesse nacional e pela situação das gerações futuras.
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