O COMENTÁRIO DE SARSFIELD CABRAL SOBRE A CRISE ECONÓMICA AMERICANA
O comentário de Sarsfield Cabral, na edição impressa do Público de hoje, pág. 43, espelha muito bem o ponto de vista daqueles que durante anos nos andaram a dizer que a desregulamentação dos mercados, nomeadamente dos financeiros, muito contribuiria para a nossa felicidade enquanto homo economicus. Hoje, esses mesmos arautos da desregulamentação, confrontados com uma crise de dimensão mundial, limitam-se a descrevê-la, aliás muito sumariamente, sem minimamente se preocuparem com as verdadeiras causas que a originaram. Ou seja, relatam-na o mais assepticamente possível, como se de uma fatalidade se tratasse.
Gostava de os ver a comentar a crise de um regime apostado em esbater as desigualdades sociais ou realmente preocupado em assegurar educação, saúde e segurança social para todos os seus cidadãos, independentemente dos seus rendimentos. Aí não faltariam receitas, críticas e longas dissertações sobre as causas que a ditaram.
Vejamos alguns exemplos de como a situação é descrita: a) o défice das contas externas (é uma das causas da crise; mas não há uma razão para o défice das contas externas? Se não se quiser perguntar a Bush, pergunte-se a Vasco Pulido Valente, que ainda no último sábado, a propósito da guerra do Iraque, dizia que, para a continuar, “dinheiro é coisa que não há-de faltar”, ver post infra); b) falência do crédito hipotecário facilitado pelas baixas taxas de juro (outra causa; mas há alguém de bom senso que acredite que o incumprimento do crédito hipotecário para a compra de casas, por mais americanos que atinja – e deverá atingir aí uns quatro a cinco milhões –, poderia ter, só por si, estas consequências? É óbvio que, embora aquela seja a causa remota da crise, as verdadeiras e devastadoras causas são as que tendo aquela situação por base permitiram que a partir dela se montasse uma gigantesca “operação D. Branca”, à escala mundial).
Concretizando e explicando, dentro dos limites do possível, por um leigo em questões de economia, nomeadamente de casino. Dentro dos limites do possível, porque a crise do sistema financeiro americano é de difícil explicação. A parte relativa ao imobiliário parece fácil: em consequência do juro baixo (em grande medida, resultante da crise das ponto.com, que fez com que o Presidente da Reserva Federal, Allan Greenspan, como ele próprio explica, tivesse baixado e mantido baixos, por vários anos, os juros), as pessoas, persuadidas pelos bancos, iam comprando casas que não poderiam depois pagar. E como o mercado das casas na América parecia um mercado consistente, uma parte significativa do sistema financeiro global, apostou nele. Então, como se explica que a ruína de uma parte – sim, porque é apenas uma parte – do mercado imobiliário tenha provocado tais efeitos?
Porque o dinheiro dos empréstimos com que as casas eram adquiridas deixou de ser dinheiro local e passou a ser dos investidores de todo o mundo. Na verdade, capitais de todo o mundo afluíram ao mercado imobiliário norte-americano, nomeadamente os capitais que exigem uma boa rentabilidade, como são os provenientes da subida do preço do petróleo e do boom asiático. Ora, como os empréstimos para a compra de casas eram concedidos a pessoas que teriam dificuldade em os pagar (os bancos sabiam disso), eles tinham juros mais altos, embora estes juros estivessem disfarçados e aparentemente atenuados por taxas de juro mais baixas no início. É claro, que os compradores conheciam as condições em que compravam. Eles não foram enganados. E muitos deles até sabiam que nem sequer iam permanecer na localidade onde compraram a casa pelo tempo de pagamento do empréstimo hipotecário (cerca de 30 anos). Só que eles, tal como os investidores, contavam com a constante subida do preço das casas.
Os bancos, titulares das hipotecas, para as tornar as atractivas para os investidores começaram a seccioná-las em várias tranches (sénior de tipo AAA, mezzanine de risco AA a BB e equity sem rating) de risco diverso, que depois vendiam aos investidores interessados no mercado imobiliário (as famosas CDO, collateralized debt obligation). Para que se compreenda: os investidores não tomam directamente posição nos empréstimos do mercado imobiliário, mas numa entidade que redefiniu o risco e a recompensa (daí que o Sr. Greenspan continue a afirmar que a crise tem a sua causa no modelo de previsão de riscos, que não tomou em consideração todas as variáveis!).
Por outro lado, os investidores incrementaram ainda mais os seus lucros recorrendo à “alavancagem”, ou seja, investiam 100 milhões com 1 milhão de capital próprio e 99 milhões emprestados (como se sabe, a “alavancagem” compensa sempre que o preço a pagar pelo capital mutuado seja francamente compensado pelo rendimento esperado). E era, em virtude dos baixos juros praticados e do alto rendimento das CDO.
É claro que este tipo de investimento envolve um grande risco. Risco que os especuladores não calcularam devidamente, porque os grandes “sábios” dos mercados financeiros, Greenspan, Bernanka, e toda a série de consultores especializados, lhes fizeram crer que o mercado imobiliário americano era muito seguro, porque o preço das casas nunca baixaria! E de facto, os preços não cessavam de subir…Só que espiral não pára aqui: os bancos não directamente envolvidos no negócio imobiliário ficaram igualmente enredados nesta gigantesca teia quando começaram a vender complexas apólices de seguro para as dívidas hipotecárias, que obviamente os tornava responsáveis face ao incumprimento dos devedores. E depois foi o efeito dominó…caiu uma peça, caíram em cascata todas as subsequentes.
Como a crise vai ser resolvida já não é da nossa conta, embora o mais provável aponte no sentido de mais uma vez os especuladores de Wall Street se “safarem”, ao menos parcialmente, para que a crise não derrube a economia real!
O que já é da nossa conta é questionar como a partir da construção de uma casa – um acto de economia real – se pode permitir esta espiral de negócios que nada tem a ver com a realidade! É o mercado livre em todo o seu esplendor, como diria o Sr. Greenspan, muito admirado pelos Clinton!
O comentário de Sarsfield Cabral, na edição impressa do Público de hoje, pág. 43, espelha muito bem o ponto de vista daqueles que durante anos nos andaram a dizer que a desregulamentação dos mercados, nomeadamente dos financeiros, muito contribuiria para a nossa felicidade enquanto homo economicus. Hoje, esses mesmos arautos da desregulamentação, confrontados com uma crise de dimensão mundial, limitam-se a descrevê-la, aliás muito sumariamente, sem minimamente se preocuparem com as verdadeiras causas que a originaram. Ou seja, relatam-na o mais assepticamente possível, como se de uma fatalidade se tratasse.
Gostava de os ver a comentar a crise de um regime apostado em esbater as desigualdades sociais ou realmente preocupado em assegurar educação, saúde e segurança social para todos os seus cidadãos, independentemente dos seus rendimentos. Aí não faltariam receitas, críticas e longas dissertações sobre as causas que a ditaram.
Vejamos alguns exemplos de como a situação é descrita: a) o défice das contas externas (é uma das causas da crise; mas não há uma razão para o défice das contas externas? Se não se quiser perguntar a Bush, pergunte-se a Vasco Pulido Valente, que ainda no último sábado, a propósito da guerra do Iraque, dizia que, para a continuar, “dinheiro é coisa que não há-de faltar”, ver post infra); b) falência do crédito hipotecário facilitado pelas baixas taxas de juro (outra causa; mas há alguém de bom senso que acredite que o incumprimento do crédito hipotecário para a compra de casas, por mais americanos que atinja – e deverá atingir aí uns quatro a cinco milhões –, poderia ter, só por si, estas consequências? É óbvio que, embora aquela seja a causa remota da crise, as verdadeiras e devastadoras causas são as que tendo aquela situação por base permitiram que a partir dela se montasse uma gigantesca “operação D. Branca”, à escala mundial).
Concretizando e explicando, dentro dos limites do possível, por um leigo em questões de economia, nomeadamente de casino. Dentro dos limites do possível, porque a crise do sistema financeiro americano é de difícil explicação. A parte relativa ao imobiliário parece fácil: em consequência do juro baixo (em grande medida, resultante da crise das ponto.com, que fez com que o Presidente da Reserva Federal, Allan Greenspan, como ele próprio explica, tivesse baixado e mantido baixos, por vários anos, os juros), as pessoas, persuadidas pelos bancos, iam comprando casas que não poderiam depois pagar. E como o mercado das casas na América parecia um mercado consistente, uma parte significativa do sistema financeiro global, apostou nele. Então, como se explica que a ruína de uma parte – sim, porque é apenas uma parte – do mercado imobiliário tenha provocado tais efeitos?
Porque o dinheiro dos empréstimos com que as casas eram adquiridas deixou de ser dinheiro local e passou a ser dos investidores de todo o mundo. Na verdade, capitais de todo o mundo afluíram ao mercado imobiliário norte-americano, nomeadamente os capitais que exigem uma boa rentabilidade, como são os provenientes da subida do preço do petróleo e do boom asiático. Ora, como os empréstimos para a compra de casas eram concedidos a pessoas que teriam dificuldade em os pagar (os bancos sabiam disso), eles tinham juros mais altos, embora estes juros estivessem disfarçados e aparentemente atenuados por taxas de juro mais baixas no início. É claro, que os compradores conheciam as condições em que compravam. Eles não foram enganados. E muitos deles até sabiam que nem sequer iam permanecer na localidade onde compraram a casa pelo tempo de pagamento do empréstimo hipotecário (cerca de 30 anos). Só que eles, tal como os investidores, contavam com a constante subida do preço das casas.
Os bancos, titulares das hipotecas, para as tornar as atractivas para os investidores começaram a seccioná-las em várias tranches (sénior de tipo AAA, mezzanine de risco AA a BB e equity sem rating) de risco diverso, que depois vendiam aos investidores interessados no mercado imobiliário (as famosas CDO, collateralized debt obligation). Para que se compreenda: os investidores não tomam directamente posição nos empréstimos do mercado imobiliário, mas numa entidade que redefiniu o risco e a recompensa (daí que o Sr. Greenspan continue a afirmar que a crise tem a sua causa no modelo de previsão de riscos, que não tomou em consideração todas as variáveis!).
Por outro lado, os investidores incrementaram ainda mais os seus lucros recorrendo à “alavancagem”, ou seja, investiam 100 milhões com 1 milhão de capital próprio e 99 milhões emprestados (como se sabe, a “alavancagem” compensa sempre que o preço a pagar pelo capital mutuado seja francamente compensado pelo rendimento esperado). E era, em virtude dos baixos juros praticados e do alto rendimento das CDO.
É claro que este tipo de investimento envolve um grande risco. Risco que os especuladores não calcularam devidamente, porque os grandes “sábios” dos mercados financeiros, Greenspan, Bernanka, e toda a série de consultores especializados, lhes fizeram crer que o mercado imobiliário americano era muito seguro, porque o preço das casas nunca baixaria! E de facto, os preços não cessavam de subir…Só que espiral não pára aqui: os bancos não directamente envolvidos no negócio imobiliário ficaram igualmente enredados nesta gigantesca teia quando começaram a vender complexas apólices de seguro para as dívidas hipotecárias, que obviamente os tornava responsáveis face ao incumprimento dos devedores. E depois foi o efeito dominó…caiu uma peça, caíram em cascata todas as subsequentes.
Como a crise vai ser resolvida já não é da nossa conta, embora o mais provável aponte no sentido de mais uma vez os especuladores de Wall Street se “safarem”, ao menos parcialmente, para que a crise não derrube a economia real!
O que já é da nossa conta é questionar como a partir da construção de uma casa – um acto de economia real – se pode permitir esta espiral de negócios que nada tem a ver com a realidade! É o mercado livre em todo o seu esplendor, como diria o Sr. Greenspan, muito admirado pelos Clinton!