UM MAL QUE VEM DE LONGE
A crise do Benfica tristemente evidenciado com os recentes episódios da demissão de Camacho e da desprestigiante derrota frente a uma equipa do meio da tabela da Liga espanhola, que no segundo jogo praticamente jogou com a segunda equipa, é um mal que vem de longe e só não foi ainda mortal porque o Benfica tem um património tão valioso e uma história tão rica que lhe permitem resistir mais do que seria normal em qualquer outra equipa.
Tudo começou com a incapacidade do clube se adaptar duradoiramente ao novo contexto do futebol português a partir do começo da década de oitenta do século passado. O último presidente do velho estilo, Fernando Martins, conseguiu ainda assegurar a hegemonia futebolística do clube, muito por força da contratação de um jovem e ambicioso treinador que, à semelhança de Otto Glória, cerca de trinta anos antes, inovou o futebol do Benfica e permitiu-lhe lançar as bases para a construção de um clube moderno.
A seguir a Fernando Martins, não obstante a tenaz resistência de Gaspar Ramos, como director do departamento de futebol, o Benfica entrou num plano inclinado, pese embora a presença em duas finais da Taça dos Campeões Europeus e de um ou outro título a nível interno. O contexto em que se jogava passou a ser cada vez mais adverso, a diversos níveis, e os vários presidentes que o Benfica teve não souberam gizar e pôr em prática uma estratégia capaz de fazer frente a esse novo contexto, sabiamente alicerçado em alianças várias, muitas vezes flutuantes, e a cumplicidades de toda a ordem, todas elas orientadas no sentido de assegurar vitórias, qualquer que fosse o meio a que se tivesse de recorrer para as alcançar.
Se durante este período, João Santos foi uma espécie de Rainha de Inglaterra a quem faltou um primeiro-ministro capaz de governar, seguidamente com Jorge Brito houve uma espécie de regresso ao passado que deixou o clube ainda mais à margem de tudo o que de importante se passava no futebol português. Depois, com Damásio, o clube bateu no fundo, cuja escolha para presidente do Benfica é só por si ilustrativa do nível de degradação institucional e desportiva a que o clube chegou. Damásio tem a mais ruinosa gestão da história do Benfica e deixou o clube mergulhado numa crise de que ainda não saiu. A passagem de Vale e Azevedo pelo Benfica, posto que assentasse numa estratégia destinada a fazer frente à hegemonia que entretanto já se tinha consolidado, de que são exemplos mais frisantes a constituição da SAD, a declaração de nulidade dos contratos celebrados com a Olivadesportos, uma nova política de comunicação e a inovação no plano desportivo com a contratação de um jovem e promissor treinador, acabou por fracassar não apenas em consequência da deplorável situação económico-financeira herdada gestão anterior, que muito facilitou a vida à oposição (algumas vezes aliada aos adversários clube, como aconteceu no caso Olivadesportos), mas também, como depois se demonstrou, pela existência de uma agenda paralela que o presidente simultaneamente accionava em proveito próprio.
Seguiu-se o período que os benfiquistas queriam fosse o da regeneração: financeira, desportiva e do prestígio nacional e internacionalmente perdido. Com Vilarinho no comando, o Benfica voltou a passar por grandes humilhações desportivas (a pior classificação de sempre, ausência das competições europeias, despedimento de um treinador brilhante – imagine-se, só porque o “seu” treinador tinha de ser do Benfica!) e mais uma vez se revelou um clube à deriva, sem estratégia e sem rumo. Na SAD foi colocada uma personalidade que ninguém conhecia nem no mundo dos negócios, nem no do futebol, salvo uma episódica passagem por um clube satélite do Benfica, no qual teve a particularidade de se aliar ao adversário principal do Benfica e de com ele conspirar contra o Benfica. Vilarinho saiu como entrou: sem honra, nem glória, não obstante a muita propaganda à volta do seu nome. Foi naturalmente substituído por quem gozava da confiança dos credores do clube – os bancos – cada vez mais endividado, também em consequência da construção do novo estádio.
Com Luis Filipe Vieira à frente operaram-se mudanças significativas na fisionomia, quase diria, no ADN do clube. O Benfica, clube popular e democrático, que sempre viu os seus dirigentes eleitos no quadro de confrontos eleitorais – sempre, mesmo durante a ditadura – foi resvalando para um clube de gestão autocrática, autoritária, sem lugar a qualquer outra opinião ou ponto de vista que não fosse a do chefe. E, pela primeira vez na sua história, o Benfica tem um presidente eleito numa eleição sem concorrentes!
Com Vieira foi-se ganhando tempo, sem nada de muito substancial se ter feito no plano desportivo. Primeiro, com Camacho, como treinador durante cerca de ano e meio, estancou-se a espiral de compra-dispensa-compra-ás vezes, venda de jogadores – e estabilizou-se relativamente o plantel, embora sem vitórias significativas, mas com o regresso do clube às competições europeias. A seguir a Camacho, pela primeira vez, com um esboço de organização e estratégia, o clube conseguiu ser campeão com Trappattoni (já não era há onze anos), muito por mérito da dupla Veiga-Trappattoni, e mercê também de uma época atípica: primeiro não ter chovido durante todo o campeonato e depois porque se vivia a efervescência gerada pelo “apito dourado”, que não permitia as conhecidas manobras de épocas anteriores. Seguiram-se Koeman e Fernando Santos como treinadores, com Veiga já em queda, e com intervenções cada vez mais despropositadas e destabilizadoras do presidente em áreas de que nada sabe. Com a saída de Veiga, por motivos pessoais e depois incompatibilizado com o presidente, o clube ficou novamente à deriva, como se tornou manifesto na forma caótica como foi preparada a época em curso. Com um Fernando Santos incapaz de fazer frente á disparatada gestão desportiva de Vieira e sem ter quem o protegesse minimamente, pode dizer-se que ele caiu para assegurar a permanência do presidente. Numa jogada tipicamente demagógica, o presidente foi contratar Camacho, idolatrado por largos sectores da massa associativa, que ligavam – e justamente – à pessoa de Camacho o começo de regeneração do clube. Mas também Camacho, meses depois, não resistiu ao caos e ao deserto que Vieira criara à sua volta. Basta recordar que, numa intervenção estupidamente suicidária, o presidente anunciou que um jogador do plantel seria no próximo ano o director desportivo do clube, quiçá o seu presidente, criando mais um grave foco de instabilidade num plantel tão pouco coeso quão conhecido entre os elementos que o compunham.
O que se seguirá está à vista de todos: o Benfica vai novamente entrar num grave plano inclinado no campo desportivo com perigosas repercussões noutros domínios. E hoje, consolidada que está a “acumulação primitiva” do seu principal rival, o desafio que ao Benfica se coloca é muito mais sério do que aquele que teve de enfrentar até aqui. Por isso, requerem-se medidas urgentes e radicais. O passado dos últimos vinte anos demonstra que o Benfica precisa:
Separar a presidência e a gestão da SAD da presidência do clube. O presidente do clube, sem prejuízo de ser escolhido em eleições, deverá ser tanto quanto possível uma figura consensual, fundamentalmente destinado a uma função representativa e a gerar a coesão entre os associados e simpatizantes. A ele lhe caberá, dada a posição maioritária do clube na SAD, escolher o presidente desta.
O presidente da SAD do Benfica deverá reunir as seguintes características:
Em primeiro lugar, perceber de futebol.
Em segundo lugar, ser um gestor da área desportiva.
Em terceiro lugar, ser uma personalidade com capacidade de intervenção política.
A escolha dos demais membros da SAD deverá ficar a cargo do presidente, mas a sua composição deverá individualmente reflectir as valências exigidas àquele.
Quando se diz que o presidente tem de perceber de futebol, pretende-se dizer que ele não poderá ficar completamente nas mãos do director desportivo no que respeita à escolha do treinador e dos jogadores. Ele tem de dar o seu aval a essas escolhas com conhecimento de causa e, para isso, terá de perceber de futebol. Mas, perceber de futebol significa ainda conhecer os meandros do futebol português: conhecer as organizações de que o clube é membro, conhecer os demais clubes e os seus modos de actuação e saber ainda desenvolver uma política de alianças (que, como se sabe, não se faz apenas com palavras, mas com actos, nomeadamente empréstimo de jogadores, etc.).
A capacidade de gestão terá de ser a mesma que se exige numa qualquer empresa com a dimensão do Benfica, tendo, neste caso, especialmente em conta a natureza do objecto empresarial.
Finalmente, capacidade de intervenção política significa antes de mais saber pôr em prática uma política de comunicação, tanto no interior do Benfica, como nos meios de comunicação social. Mas significa também capacidade para falar nos media e com os jornalistas, enfim, alguém com capacidade persuasiva…
Quando se diz que o presidente tem de perceber de futebol, pretende-se dizer que ele não poderá ficar completamente nas mãos do director desportivo no que respeita à escolha do treinador e dos jogadores. Ele tem de dar o seu aval a essas escolhas com conhecimento de causa e, para isso, terá de perceber de futebol. Mas, perceber de futebol significa ainda conhecer os meandros do futebol português: conhecer as organizações de que o clube é membro, conhecer os demais clubes e os seus modos de actuação e saber ainda desenvolver uma política de alianças (que, como se sabe, não se faz apenas com palavras, mas com actos, nomeadamente empréstimo de jogadores, etc.).
A capacidade de gestão terá de ser a mesma que se exige numa qualquer empresa com a dimensão do Benfica, tendo, neste caso, especialmente em conta a natureza do objecto empresarial.
Finalmente, capacidade de intervenção política significa antes de mais saber pôr em prática uma política de comunicação, tanto no interior do Benfica, como nos meios de comunicação social. Mas significa também capacidade para falar nos media e com os jornalistas, enfim, alguém com capacidade persuasiva…
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